As declarações de Trump mostram ansiedade e temor pelo fim da hegemonia do dólar
America! America!
God shed his grace on thee
Till selfish gain no longer stain
The banner of the free!
(America the Beautiful)
“Quando ouvi sobre esse grupo dos BRICS, seis países, basicamente, eu os ataquei com muita, muita força. E se algum dia eles realmente se formarem de modo significativo, isso acabará muito rapidamente… Nunca podemos deixar ninguém brincar conosco.” Palavras de Donald Trump. Segundo a Reuters, o presidente dos Estados Unidos também disse estar comprometido com a preservação do status global do dólar como moeda de reserva e prometeu nunca permitir a criação de uma alternativa digital pelo Banco Central norte-americano. A galhofa que farfalhou na cabeça dos atacadistas da Rua 25 de Março juntou-se à acusação aos produtos eletrônicos vendidos sem nota da Galeria Pagé, no Centro da capital paulista. Também sobraram ameaças ao Pix.
Em sua triste galhofa, Trump torna as vítimas
de investigação comercial pelo governo ianque em terroristas armados da bomba H
que seria lançada sobre o déficit global norte-americano. O Calígula da
Casa Branca impôs, a partir de 1º de agosto, 50% de imposto sobre importação de
produtos brasileiros. Remember my dear friends, ao som de aquarela do Brasil:
os norte-americanos são superavitários nos últimos 15 anos. Nosso grande
Projeto Manhattan não estaria em Los Álamos, mas na Rua 25 de Março e no Pix, com
o propósito de implodir a economia de Tio Sam e deletar o poder de sua
moeda reserva, o dólar. É de rir para não chorar.
O imperialismo e o colonialismo andam de mãos
dadas, não morrem, mudam de forma. Mas o objetivo é sempre tirar vantagens
econômicas por meio do uso da força militar ou econômica. É a política,
estúpido. A imposição imperial de tarifas nada mais é que um neocolonialismo,
uma forma de extração de renda sem invadir e conquistar territórios.
No estudo Intercâmbio Desigual e Relações
Norte–Sul: Evidências dos Fluxos Comerciais Globais e a Balança Mundial de
Pagamentos, Gastón Nievas e Thomas Piketty afirmam: “As relações econômicas
globais parecem ser caracterizadas por desequilíbrios persistentes e relações
de poder, não por mecanismos de mercado autocorretivos. Mudanças no poder de
barganha e nos termos de troca podem ter enormes consequências sobre a riqueza
relativa das nações e sobre suas oportunidades de
desenvolvimento”. Financiar seu déficit crônico de conta corrente,
extraindo valor por meio do comércio internacional. Tudo isso garantido pela
força do dólar como moeda reserva. As declarações e ações pessoais de
Trump mostram ansiedade, neurose e temor pela perda da hegemonia monetária. O
fim do dólar como moeda reserva tornaria o déficit do balanço de pagamentos
impagável, perdendo a senhoriagem, e o poder de emissão entraria em colapso.
Nievas e Piketty tocam o ponto
crucial: “Com efeito, Trump parece acreditar que o bem público global
fornecido pela ‘Pax Americana’ deve ser mais bem recompensado pelo resto do
mundo, por exemplo, por meio de transferências financeiras pagas por aliados
para compensar os gastos militares e/ou por meio da apropriação direta de
recursos minerais e outros ativos na Groenlândia, Ucrânia ou em outros
lugares”.
Alerta John Maynard Keynes nas “Notas Sobre o
Mercantilismo”: “A política de restrições comerciais é um instrumento perigoso
mesmo quando utilizado para os seus objetivos ostensivos, visto que os
interesses particulares, a incompetência administrativa e a dificuldade
intrínseca da tarefa podem desviá-la e levá-la a produzir resultados
diretamente opostos aos pretendidos”.
Imperialismo e colonialismo andam de mãos
dadas, não morrem, mudam de forma
O míssil
tarifário lançado ao país do Carnaval, do samba e do futebol desvia o
olhar para o verdadeiro alvo, a China. O disfarce é engalanado pela
interferência no Judiciário brasileiro, nas eleições presidenciais, ameaça
à soberania e ao patriotismo. Esse atentado à soberania brasileira tem o
propósito de reforçar o domínio, para além de qualquer fronteira territorial,
das big techs do Vale do Silício, que disparam suas garras sobre as mentes e
dados pessoais no mundo inteiro.
Neste momento, a corrida pela Inteligência
Artificial, construção de data centers e garantia de energia juntam-se às
terras-raras, metais essenciais para o avanço das novas tecnologias. A China
detém 70% da oferta das terras-raras e 80% do refinamento desses metais. O
Brasil é agraciado por reservas estimadas de 11 milhões a 21 milhões de
toneladas, que podem mudar de vez suas relações comerciais com os chineses. Não
é a 25 de Março que preocupa o fanfarrão-fujão, mas Pequim. “Como observam
David Autor, do Massachusetts Institute of Technology, e Gordon Hanson, da
Universidade Harvard, o desafio para os EUA, hoje, é a ascensão da China como
superpotência tecnológica e científica”, anota Katie Martin no diário Financial
Times. O plano quinquenal chinês destacou a inteligência inspirada no
cérebro, a informação quântica, a tecnologia genética, as redes futuras, o
desenvolvimento aeroespacial e em águas profundas e a energia e o armazenamento
de hidrogênio, áreas nas quais o país pretende garantir a liderança.
A “ordem mundial” pretendida por Trump reafirma
o exercício, sem peias, do poder dos Estados Unidos. Mas, na verdade, o projeto
MAGA comprova o declínio da hegemonia norte-americana. Rui Barbosa, talvez
o único liberal autêntico produzido nestas plagas, temia as inclinações
imperiais do Grande Irmão do Norte. Sua admiração pelas instituições
republicanas dos Estados Unidos não o impediu de perscrutar, sob o véu da
democracia na América, os arroubos da ambição imperialista. Esses impulsos
secretos irromperam na guerra contra a Espanha pelo domínio de Cuba. Daí para a
frente, cresceram e se multiplicaram.
Concluímos com as palavras de Elisabeth
Roudinesco no livro Eu Soberano: “…Os humanos se assemelham a crianças
insaciáveis que não suportam a felicidade de seus vizinhos: não satisfeitos com
seus brinquedos, querem pegar os dos outros também”.
Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.
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