• Fundamentos da crise atual não estão fora do país
- Valor Econômico
Soa a tática diversionista a tentativa da presidente Dilma Rousseff em afirmar que demorou a perceber a gravidade da crise econômica e que, por isso, seu governo não reagiu antes para mitigar os efeitos da turbulência. Mais uma vez, Dilma tenta convencer o distinto público de que a crise surgiu fora do país e que, portanto, é um evento fora do controle de seu governo.
A presidente usou o mesmo argumento, em agosto de 2011, quando decidiu mudar a política econômica que herdara dos governos FHC e Lula. A alegação era a de que a Europa, atingida severamente pela crise mundial de 2007-2009, estava novamente entrando em depressão. Em que pese o baixo crescimento europeu no período, a tal crise nunca veio, mas o Brasil não perdeu a oportunidade de viver uma aventura.
Quando escolheu Dilma candidata do PT à sua sucessão, Lula sabia das ressalvas da então ministra à política econômica. Nas reuniões internas, desde o primeiro mandato, Dilma verbalizava oposição feroz ao caráter "neoliberal" daquela política, que se amparava no tripé superávit primário, câmbio flutuante e metas para inflação.
Foi por essa razão que o então presidente chamou o ex-ministro Antonio Palocci para chefiar a campanha, dialogar com empresários e banqueiros e assumir cargo estratégico (o de chefe da Casa Civil) no futuro governo. Lula achava que, tendo Palocci a seu lado, Dilma não mexeria em seu legado.
Os primeiros seis meses da nova administração representaram, de fato, uma continuidade quase perfeita do governo Lula. O ambiente interno, contudo, era hostil ao tripé. Havia muito mais críticos àquela política do que defensores. Em junho, Palocci deixou o cargo e, dois meses depois, o rumo das coisas começou a mudar.
Num movimento inesperado, o Banco Central (BC), a despeito do descontrole das expectativas inflacionárias, cortou a taxa básica de juros (Selic) e adotou meta informal - baixar a Selic, em termos reais, a 2% ao ano até 2014. Em pouco mais de um ano, mesmo com a inflação girando em torno do limite de tolerância (6,5%), o BC reduziu os juros para 7,25% ao ano e cumpriu a promessa feita a Dilma.
Ainda em 2011, o Ministério da Fazenda adotou várias medidas para forçar uma desvalorização do real. Em seguida, passou a administrar a taxa de câmbio. O objetivo era dar maior competitividade à indústria. Além disso, foram adotadas medidas protecionistas, como a elevação de alíquotas de importação e a imposição de políticas de conteúdo nacional.
Quando, ao longo de 2012, ficou claro que o setor produtivo não reagia favoravelmente àqueles estímulos, a área econômica começou a adotar medidas a esmo para acelerar o crescimento a qualquer preço. Setores específicos foram beneficiados com desonerações e o BNDES recebeu novos aportes do Tesouro para conceder crédito subsidiado.
Foi ali que o governo decidiu abrir mão da política de geração de superávits primários, condição necessária para a redução da dívida pública como proporção do PIB. Ao fim de 2012, o Tesouro enfrentou sérias dificuldades para entregar a meta fiscal fixada em lei, o que acabou ensejando a adoção da contabilidade criativa e das "pedaladas fiscais".
No início de 2013, depois de avisar que manteria a taxa Selic em 7,25% por "tempo suficientemente prolongado", o BC se viu diante de uma forte inflação de demanda provocada pelo excesso de estímulos ao consumo. E começou a elevar os juros, conduzindo o mais longo ciclo de aperto monetário desde a implantação do regime de metas.
Em maio de 2013, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) sinalizou pela primeira vez, desde a crise de 2008, que começaria a desmontar a política monetária expansionista adotada cinco anos antes. Praticamente todas as moedas começaram a perder valor frente ao dólar, mas não houve crise alguma.
Naquele momento, a presidente Dilma abandonou a meta de juros. Cedeu na política monetária, mas não na fiscal. Tinha uma reeleição pela frente e, por isso, abriu o cofre. Com a "nova matriz econômica", derrubou a níveis historicamente baixos os índices de confiança de empresários e consumidores. Produziu uma crise genuinamente nacional, sem participação do setor externo.
O gráfico abaixo mostra que o ICI, índice do Ibre-FGV que mede a confiança dos consumidores brasileiros, está em queda desde meados de 2013 e, hoje, é muito menor que o de um grupo representativo de países emergentes e desenvolvidos.
"Talvez, em função da resiliência do mercado de trabalho nos primeiros anos do governo Dilma, a confiança tenha mantido tendência ascendente, com poucas exceções, entre 2005 e 2012, atingindo, neste último ano, os maiores níveis, ao contrário da maioria dos outros países, em que a confiança do consumidor não retornaria, após 2008-2009, ao nível anterior", explica Aloisio Campelo Jr., superintendente adjunto de Ciclos Econômicos do Ibre. "Depois disso, houve queda sistemática até chegarmos aos mínimos históricos de hoje. O gráfico reforçaria a interpretação de que teríamos passado por uma fase idiossincraticamente melhor para o consumidor brasileiro, que agora está sofrendo fortemente, enquanto a sensação em outros países não é ruim no momento."
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