quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Rompimento à vista – Editorial / O Estado de S. Paulo

Bem a seu estilo, cauteloso e elegante, depois de encontro com Dilma Rousseff na segunda-feira, o vice-presidente Michel Temer anunciou o que já havia antecipado em conversas com correligionários: deixou a “articulação política do governo”, como se convencionou designar a missão de que fora incumbido pela presidente da República. Ou seja, de negociar com os partidos aliados o toma lá dá cá indispensável à recomposição da base de apoio ao Planalto no Congresso. 

Para conter a repercussão de sua decisão nos limites do movimento tático que ela significa no conjunto de seu relacionamento político com o governo, Temer foi categórico: “Não vou desembarcar do governo, até porque sou o vice-presidente”. Mas sua atitude sinaliza, sim, um primeiro passo em direção ao rompimento da aliança de seu partido com o governo do PT, a ser formalizada se e quando ocorrerem, num futuro provavelmente não muito distante, as condições políticas apropriadas.

O distanciamento de Michel Temer e de seu partido do Palácio do Planalto era claramente previsível desde que o governo Dilma começou a soçobrar no oceano de suas próprias contradições e incompetência. Ou seja, logo depois da posse do segundo mandato. A vocação do PMDB pós-democratização sempre foi governista, como demonstra o retrospecto dos últimos trinta e tantos anos. E o acurado pragmatismo político de suas principais lideranças é particularmente atento às ameaças ao conforto do poder.

Do ponto de vista do apego ao poder como um fim em si mesmo não há nenhuma diferença relevante entre PMDB e PT. Pois o partido de Lula, por assim dizer, “peemedebezou-se”, converteu-se ao mais despudorado pragmatismo político quando decidiu que esse era o caminho para chegar ao poder e, principalmente, lá se manter. O que distingue as duas legendas é que os peemedebistas são geralmente mais hábeis e tolerantes, até porque não têm a cínica pretensão de serem salvadores da pátria.

Foi exatamente por seus atributos políticos que Michel Temer foi contemplado por Dilma com a terceirização – mais aparente do que real – da articulação do varejo político de seu governo. Mas era esperar demais que os petistas aceitassem essa novidade de bom grado. Principalmente porque, para o PT, aliança boa é aquela em que ele manda e os aliados obedecem. Mas também não ajudou em nada a Temer a austeridade que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem tentado impor, ainda que canhestramente, às finanças públicas. Ficou, assim, muito difícil articular o Tesouro com a compreensível ambição dos parlamentares de canalizar recursos para suas bases eleitorais. E, por sua vez, a Casa Civil do ministro Aloizio Mercadante nunca foi exatamente ágil no trabalho de encaminhar as nomeações resultantes dos acordos selados por Temer e seu braço direito, o ministro Eliseu Padilha.

Em bom português, Temer tentou remontar, sem dispor dos recursos financeiros e políticos para tal, o esquema fisiológico de apoio que Dilma, contando com tudo o que faltava ao vice, organizou formalmente, mas nunca conseguiu fazer funcionar. E isso porque os sacripantas que venderam seu apoio tiveram a esperteza de nunca entregá-lo.
Além disso, quando cometeu o sincericídio de proclamar que “alguém” deveria assumir a responsabilidade de unir os brasileiros, Temer forneceu farta munição para os petistas encherem o ouvido de Dilma com alertas sobre as “verdadeiras intenções” do vice-presidente. A partir de então, Dilma colocou um assessor de sua confiança para “ajudar” na articulação política.

Se, por um lado, Michel Temer teve todos os motivos para se sentir desprestigiado no papel de “articulador político”, por outro passou a ser pressionado por seus correligionários, especialmente o deputado Eduardo Cunha, a afastar-se do governo e logo com ele romper. Este, porém, não é o estilo de Temer, mesmo que ele esteja, no íntimo, convencido daquilo que a esmagadora maioria dos brasileiros já se deu conta: esse governo não tem salvação.
De qualquer maneira, Michel Temer entrou como um cavalheiro nesse lance de articulação política, num gesto de boa vontade e, quem sabe, de sincera homenagem à chefe do governo. A presidente Dilma Rousseff não espere atitude lhana como esta da tigrada que a cerca.

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