quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Hélio Schwartsman - Fofocas, ministérios e mitos

- Folha de S. Paulo

Na entrevista que concedeu a veículos de comunicação, a presidente Dilma Rousseff fez algumas reflexões sobre o caráter da fofoca como agente promotor da sociabilidade, que atribuiu ao livro "Sapiens - Uma Breve História da Humanidade", do historiador israelense Yuval Noah Harari.

De fato, Harari expõe a teoria de que a linguagem humana, que parece ter surgido 70 mil anos atrás, evoluiu não só para que as pessoas dividissem conhecimento sobre o mundo –a manada de bisões está na clareira perto do rio–, mas principalmente para que trocassem informações sociais, isto é, para que fofocassem, cimentando a coesão do grupo.

Só que o autor vai além e apresenta sua tese de que notícias sobre bisões e vizinhos são apenas parte da história. Para ele, o que possibilitou a cooperação social em escalas antes inimagináveis foi ao poder da linguagem de transmitir informações sobre coisas que não existem, como deuses, direitos etc. Segundo Harari, o que verdadeiramente permitiu que o homem deixasse de ser um primata sem nada de especial para tornar-se a espécie dominante do planeta foi sua capacidade de forjar realidades ficcionais, que resultaram em instituições fortemente motivadoras como religião, nação, dinheiro.

Essa noção de que ficções podem produzir consensos sociais talvez explique os últimos passos do governo Dilma. Na segunda-feira, o Planalto anunciou o corte de dez ministérios, gesto que a presidente classificava como de "cegueira tecnocrática" durante a campanha eleitoral, e, pela primeira vez, a mandatária ensaiou um mea-culpa econômico, atitude que vinha até aqui evitando. No discurso oficial, o culpado pela crise era o baixo crescimento mundial. Agora ela já admite que pode ter errado.

Não dá para recriminar Dilma por buscar uma saída, mas minha impressão é que ela já abusou tanto dos mitos e ficções que eles agora perderam sua força agregadora.

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