Valor Econômico
Economia definha com a crise fiscal e a
falta de reformas
Os dados do Produto Interno Bruto (PIB) do
terceiro trimestre mostram que a economia está estagnada, e deverá continuar
assim no ano que vem. Qual é a culpa do Banco Central, que está apertando a
política monetária de forma acelerada para conter a alta inflação?
O diretor de política econômica do Banco
Central, Fabio Kanczuk, acha que os principais responsáveis são outros: os
ruídos da política fiscal e os velhos problemas estruturais, que limitam a
velocidade de expansão da economia. Os juros, claro, também têm a sua parcela
de responsabilidade, mas ainda não tiveram tempo de chegar à atividade
econômica.
Neste ano, o Congresso Nacional incluiu no mandato do Banco Central, na lei que deu autonomia à instituição, o objetivo secundário de suavizar a flutuação da atividade econômica, que deve ser perseguido desde que não comprometa a meta principal de estabilidade monetária. Mas o BC não faz milagres.
“Essa mudança na expectativa de crescimento
está menos relacionada à política monetária em si”, afirmou Kanczuk na semana
passada, em um encontro com investidores do banco JP Morgan, referindo-se à
redução das projeções de mercado para a expansão do PIB em 2022, atualmente em
0,57%. “A grande parte disso parece ligada ao baixo potencial de crescimento da
economia.”
Ele se refere à capacidade da economia
crescer no longo prazo sem gerar desequilíbrios, como a inflação. Essa
velocidade de cruzeiro é determinada pelos investimentos e ganhos de
produtividade.
A recuperação em “V” que o Brasil teve a
partir do segundo semestre do ano passado, depois da primeira onda da pandemia,
transmitiu a sensação de que a economia poderia se expandir a taxas mais
vigorosas. Esse sentimento estava por trás da euforia no mercado de ações e
também da recuperação do fluxo de capitais estrangeiros ao país.
Agora, quando o PIB do terceiro trimestre
registra uma queda de 0,1%, voltamos à realidade anterior ao choque do
coronavírus, disse Kanczuk. “É uma economia que cresce pouco, infelizmente.”
Depois da recessão do governo Dilma, o Brasil cresceu uma média de 1,53% por
ano, de 2017 a 2019.
O Banco Central não pode fazer muito para
ajudar a aumentar essa tendência de crescimento de longo prazo, além de
garantir a estabilidade monetária, um pré-requisito para qualquer ciclo
sustentado de expansão do PIB. Para cumprir a meta de inflação, apenas
administra a flutuação da atividade econômica em torno dessa tendência de
crescimento de longo prazo.
Os economistas do mercado financeiro, de
certa forma, acreditavam que as reformas aprovadas desde o governo Temer
poderiam ampliar a capacidade de crescimento da economia. Em meados deste ano,
as projeções de longo prazo para o PIB estavam em torno de 2,5%. Ainda pouco,
mas um avanço em relação à média de antes da pandemia. Mais recentemente,
porém, as estimativas caíram para 2%.
Kanczuk pontuou que, além disso, a
perspectiva mais imediata de crescimento econômico foi prejudicada pela crise
fiscal. “Quando você se move para uma história de problemas fiscais, você tem
menos crescimento e mais inflação”, disse. “É como um choque de oferta.”
Desde que o governo resolveu burlar o teto
de gastos para bancar gastos eleitoreiros, as condições financeiras da economia
se apertaram. A alta do risco-país, do dólar e dos juros de mercado, combinada
com a queda da bolsa, joga a economia para baixo. Mas essa desaceleração
econômica não é forte o suficiente para compensar a alta da inflação provocada
pelo aumento dos riscos fiscais. “Nesse caso, não há o que o Banco Central
possa fazer para ajudar”, afirmou Kanczuk.
Ele não é o único, dentro do Banco Central,
que vem alertando para as consequências do baixo PIB potencial brasileiro. O
presidente da instituição, Roberto Campos Neto, destacou recentemente que esse
é um fator-chave para determinar a sustentabilidade fiscal e o fluxo de
investimentos estrangeiros ao Brasil.
O cenário central do mercado financeiro,
afirma, é de uma gradual queda da dívida pública. Mas se, em vez de um PIB
potencial de 2,5%, o Brasil tiver um PIB de 1%, a dívida volta a subir, em
especial se a taxa de juros de longo prazo também aumentar.
“O dinheiro saiu muito dos países emergentes
[durante o pico da pandemia], e agora volta mais para a Ásia”, disse ele, num
evento recente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “O que a gente vê
é que hoje o dinheiro está buscando crescimento sustentado com disciplina
fiscal.” Para ele, é fundamental que, tão logo seja superada a PEC dos
Precatórios, o governo comunique uma política fiscal sólida e retome a agenda
de reformas econômicas.
Mas a acelerada alta de juros não está
puxando a economia para baixo? A política monetária atinge a atividade
econômica com defasagens, de seis a nove meses. Assim, no terceiro trimestre, a
economia ainda estava refletindo o forte impulso do juro de 2% ao ano fixado
pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no fim de 2020, combinado com o
“forward guidance”, que era a promessa então vigente de não subir a taxa Selic
tão cedo.
O aperto monetário só começou a acontecer a
partir de agosto. Os juros reais de mercado com prazo de um ano chegaram,
naquele mês, a 4% ao ano, considerando a inflação prevista pelo mercado para os
12 meses seguintes. Nesse patamar, já começava a superar a taxa neutra de
juros, que então era estimada pelo mercado em 3% ao ano, mas que pode ter
subido para cerca de 4% com a derrapagem fiscal.
O aperto só se materializou de fato entre
outubro e novembro, com os juros reais ao redor de 6% ao ano. Parte disso é
apenas a piora das condições financeiras, devido ao acirramento da incerteza
fiscal, mas há também os efeitos das decisões de política monetária. Pelas
defasagens das altas de juros sobre a atividade, essa contenção monetária
deverá desacelerar ainda mais a economia apenas no segundo semestre de 2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário