segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O novo ministro

Folha de S. Paulo

Mendonça poderá interferir em pautas cruciais; STF deve fortalecer colegialidade

Tão logo vista a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal, em posse marcada para 16 de dezembro, André Mendonça terá uma série de oportunidades para mostrar a quem servirá ao ocupar uma das 11 cadeiras da mais alta corte do país.

Após ser sabatinado por oito horas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça foi aprovado pelo plenário da Casa legislativa com o placar historicamente apertado de 47 votos a favor, 32 contra e 2 abstenções.

Parte considerável das dúvidas e temores em torno de sua indicação está relacionada à promessa, feita pelo presidente Jair Bolsonaro, de levar um ministro "terrivelmente evangélico" ao STF —Mendonça, o escolhido, é pastor.

Não há problema nenhum, obviamente, em um magistrado professar qualquer religião; errado será se suas crenças prevalecerem em decisões que devem estar baseadas na leitura da Constituição.

De maneira análoga, é perfeitamente legítimo que um juiz tenha posições conservadoras, desde que respeite a legislação em vigor —e, mais ainda, que não se paute pelos interesses imediatos do governo que o levou ao posto.

Neste ponto, não se mostra promissora a atuação de Mendonça no Executivo, marcada por adesão ao pior do bolsonarismo, aí incluída a intimidação de críticos do governo com a extinta Lei de Segurança Nacional. Tampouco passa no teste da autonomia, até aqui, o primeiro indicado por Bolsonaro ao STF, Kassio Nunes Marques.

O STF possui mecanismos institucionais para balancear o impacto individual de magistrados, como decisões colegiadas no âmbito das turmas e do plenário, além do poder da agenda do presidente da corte. Não obstante, ministros podem ser decisivos.

Eles têm a capacidade de atrasar julgamentos com pedidos de vista; podem submeter casos ao plenário; por vezes, têm o voto de desempate em temas polêmicos.

Ao herdar o acervo de Marco Aurélio Mello, que se aposentou em julho, Mendonça terá em sua mesa 991 processos. Entre eles, há pautas que mobilizam o bolsonarismo, como o marco temporal para demarcação de terras indígenas e a possibilidade de travestis e transexuais optarem pela unidade prisional em que cumprirão a pena.

Serão cruciais, além disso, posições relacionadas à Operação Lava Jato, como a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância —seja no plenário, onde as votações costumam ser apertadas, seja na Segunda Turma.

Perto de completar 49 anos de idade, Mendonça poderá ficar por mais de duas décadas no posto, o que é um incentivo à autonomia. Em qualquer hipótese, o STF deveria fortalecer a colegialidade, para que não seja um conjunto de 11 ministros apartados em suas idiossincrasias e convicções individuais.

Polícia gravada

Folha de S. Paulo

Experiência com câmeras corporais na PM paulista merece ser replicada no país

A Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo concluiu as investigações de um caso em que o uso de câmeras corporais por agentes policiais foi decisivo para comprovar a morte de um suspeito desarmado.

De acordo com relatório obtido pela Folha, o episódio foi descoberto apesar da tentativa dos PMs envolvidos de obstruir a gravação. Há ao menos dois outros casos semelhantes em análise.

O uso crescente desses artefatos em São Paulo teve como primeiro efeito uma redução significativa da letalidade policial —ainda que os resultados devam ser considerados preliminares. Em julho, dois meses depois de o programa ser ampliado para 18 batalhões, num total de 3.000 câmeras, as mortes decorrentes de intervenção policial tiveram uma queda de 40%.

Diferentemente de sistemas utilizados em outros países, no estado a gravação é automática e contínua, não cabendo ao policial ligar ou desligar o aparelho.

Nos próximos meses, a presença de câmeras na PM paulista deverá mais do que dobrar, passando a 7.000. Embora alguns críticos argumentem que a medida possa interferir negativamente nas ações policiais, é evidente que se trata de um programa positivo, que vai no sentido correto de coibir abusos.

Num país em que confrontos armados entre policiais e quadrilhas de criminosos tornaram-se rotina, a letalidade policial atinge patamares assustadores —sem que se conheçam, muitas vezes, as circunstâncias que provocaram as mortes.

No ano passado, registraram-se 6.416 vítimas resultantes de ações fatais das forças de segurança. É seis vezes o número dos EUA, país que tem população 60% maior do que a brasileira —e convive com padrões de violência bem acima dos que se observam na Europa.

Paralelamente aos habituais enfrentamentos armados, sofre a população de bairros pobres, onde atuam grupos ligados ao narcotráfico. São frequentes os episódios obscuros de morticínios e violações de direitos.

É portanto louvável que o governo de São Paulo venha adotando procedimentos para coibir a prevalência da lógica da barbárie nas corporações. As câmeras corporais, bem como a aquisição de armamentos não letais, fazem parte dessas providências, que merecem ser elogiadas e replicadas.

O fiasco da reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Fatiamento da proposta em etapas não prosperou, mas inflação impulsiona arrecadação recorde e devedores poderão contar com mais um Refis

As prometidas mudanças ficarão, como de hábito, para as calendas

Demanda histórica do setor privado há pelo menos 30 anos, as prometidas mudanças no sistema tributário brasileiro ficarão, como de hábito, para as calendas. Nesta semana, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deixou claro aquilo que todos já sabiam. O fatiamento em quatro propostas diferentes, divididas entre Câmara e Senado, representou uma pá de cal nas chances de avanço de uma reforma tributária estrutural para o País.

O projeto que altera o Imposto de Renda, aprovado pela Câmara em setembro, não será analisado pelo Senado neste ano, admitiu Pacheco. Aposta do governo para financiar o Auxílio Brasil, já que impunha a tributação sobre lucros e dividendos, o texto, na melhor das hipóteses, será votado em 2022 – algo bastante improvável em meio a um ano eleitoral. O relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), concorda apenas com a atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física. O fato de que isso pode ser feito por decreto presidencial só enfraquece ainda mais o parecer.

Na melhor das hipóteses, a Câmara aprovará mais um programa de parcelamento de dívidas tributárias que pode perdoar até R$ 60 bilhões. Como revelou o Estadão, o projeto é uma promessa de Pacheco e se tornou moeda de troca para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL): enquanto os senadores não votassem a PEC, os deputados não apreciariam o Refis.

Para reforçar o “pedido”, Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes, cobraram dos empresários que pressionem o Senado a aprovar a PEC de uma vez, pois somente com a “folga” de R$ 106,2 bilhões – aberta por meio do calote nas dívidas já reconhecidas pela Justiça e pelo drible no teto de gastos – será possível prorrogar a desoneração da folha de pagamento para 17 dos setores que mais empregam no País. A chantagem se tornou a linguagem oficial nas relações com o Congresso.

Sobre o projeto que fundia PIS e Cofins e que criava a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de 12%, ninguém ouve mais falar. Tampouco há notícias sobre a proposta que estabelecia um imposto seletivo em substituição ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Haveria ainda uma provável quinta etapa: a recriação de um imposto sobre transações, nos mesmos moldes da antiga CPMF, desejada por Guedes e rejeitada por toda a sociedade.

Impossível não culpar o governo por mais este fracasso, que começou quando o ministro da Economia resolveu retaliar o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-rj) e esvaziar a comissão mista que analisava uma reforma tributária ampla, que criava o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao Pis/cofins, IPI, ICMS e ISS. Até lá, haveria fundos que compensariam eventuais perdas de Estados e municípios, além de um período de transição.

O objetivo da proposta era gerar efeitos duradouros para a melhoria do ambiente de negócios, estimular o crescimento e evitar um novo aumento da carga. O desrespeito com todos aqueles que participaram das discussões nos últimos dois anos foi tamanho que Lira extinguiu o colegiado no mesmo momento em que o parecer era lido pelo relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) – aliado de Maia, assim como o autor do texto, Baleia Rossi (MDB-SP). Agora, o governo colhe o resultado da política feita com o fígado: mesmo com maioria no Congresso, conquistada por meio de repasses bilionários envolvendo o orçamento secreto, foi incapaz de aprovar um modesto arremedo de reforma que nem sequer incluía Estados e municípios.

O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, não pode nem vai reclamar. Impulsionados pela inflação, os recordes de arrecadação conquistados a cada mês revelam a vantagem de manter tudo como está. Editar um Refis atrás do outro é um estímulo à existência do contribuinte que atua como devedor contumaz. Eles terão agora a companhia da União, que institucionalizará seu próprio calote com a aprovação da PEC dos Precatórios. Era essa a “reforma possível” mencionada por Lira em defesa do fatiamento?

A grande obra chavista

O Estado de S. Paulo

A Venezuela ultrapassou o Haiti como o país mais miserável das Américas. A destruição tomou anos, e a reconstrução também tomará

Há 50 anos a Venezuela era uma democracia estável e um dos países mais ricos da América Latina. Até 2012, o país ainda tinha o terceiro maior PIB per capita da região. No final de 2021, segundo o FMI, superará o Haiti como o país mais pobre. Uma destruição tão completa não é obra de um dia, mas de décadas de incompetência e má-fé. A Venezuela ilustra o que ocorre quando as fragilidades de uma economia dependente de commodities – no caso, de uma só, o petróleo – não só não são compensadas por políticas anticíclicas e de diversificação, mas são amplificadas a ponto da catástrofe por uma ditadura populista.

Historicamente, a base da economia da Venezuela é o petróleo. Ele responde por mais de 90% das exportações venezuelanas. Praticamente todos os outros bens, das necessidades básicas a artigos de luxo, são importados. Uma baixa de duas décadas nos preços do petróleo ajudou o demagogo esquerdista Hugo Chávez a assumir o poder em 1998. O boom dos anos 2000 lhe permitiu consolidar sua ditadura capturando as instituições políticas e econômicas venezuelanas. Com o fim deste ciclo, em 2014, o país entrou na espiral de devastação que condenou os venezuelanos a uma miséria política, econômica e humanitária irremediável num futuro próximo.

Nos primeiros anos de Chávez, o discurso oficial era de desenvolvimento com base na produtividade e diversificação, acompanhado de um modelo importado de Cuba de programas sociais massivos. Na prática, esses programas foram custeados com o aprofundamento da dependência do petróleo.

Os preços do petróleo, porém, são cíclicos. Por isso, todo petroestado utiliza as altas para gerar reservas. Na Venezuela, não só todo o dinheiro do petróleo foi consumido, como a partir de 2006 o regime começou a se endividar como se não houvesse amanhã e embarcou no processo agressivo de estatização da economia que destruiu sua capacidade produtiva. Entre 2001 e 2015, 52% das empresas venezuelanas fecharam as portas.

Quando os preços do petróleo começaram a embicar e o mercado de capitais passou a restringir os empréstimos, as lideranças bolivarianas corruptas começaram a saquear o pouco que restava da economia antes do colapso total. A distância entre a elite e o povo se transformou num abismo.

As sanções impostas pelos EUA dificultaram ainda mais a rolagem da dívida venezuelana. Sem dólares para importar bens de consumo, a escassez escalou. O País mergulhou na pior recessão da história do hemisfério ocidental, quase duas vezes pior que a Grande Depressão dos EUA.

Em 2012, a taxa de desemprego na Venezuela era de 7,8% e o salário mínimo, US$ 289. Hoje o desemprego bate 60% e o salário mínimo encolheu para US$ 3,2. Em 2019, o Banco Central admitiu uma hiperinflação de 53.789.500% em três anos. Entre 2010 e 2018, a dívida pública saltou de 34,6% do PIB para 161%.

As consequências sociais são aterrorizantes. Em 2019, cerca de 7% da população havia se refugiado da repressão e da recessão em outros países. Entre 2016 e 2017, segundo o Ministério da Saúde, a mortalidade materna aumentou 65% e as mortes infantis, 30%. No mesmo período, o custo da moradia subiu 667%. A evasão escolar aumentou entre 40% e 50%. Desde que Nicolás Maduro assumiu o poder, em 2013, a economia encolheu 75%. Hoje, mais de 80% dos venezuelanos vivem na pobreza.

A situação deve piorar antes de melhorar. Estima-se que Maduro tenha 15% de aprovação. Seria impossível manter-se no poder em uma democracia. Mas, quanto mais cai a sua popularidade, mais recrudesce a repressão política e mais se multiplicam as medidas populistas de curto prazo que aprofundarão a longo prazo o buraco em que o país está metido.

Uma solução pacífica para a pior crise política e humanitária das Américas deve ser uma prioridade da comunidade internacional. Não há alternativa senão pressionar por negociações entre o governo e a oposição. Mas, realisticamente, essa pressão só será efetiva se o mundo for capaz de envolver os principais fiadores do regime chavista: Irã, Rússia, Cuba e, sobretudo, a China.

Avaliação da Lei de Cotas exige debate sereno

O Globo

A Lei de Cotas nas instituições do ensino federal foi criada em 2012 com prazo de dez anos. No ano que vem, o Congresso tem a missão de avaliar os resultados dessa política pública e decidir se a renovará. A discussão promete ser passional. Dividirá os autodeclarados “progressistas” e “conservadores”. Quem é contra dirá que se trata de política “injusta e não meritocrática”. Os defensores tacharão os críticos de “racistas”. Os parlamentares farão um serviço ao país se examinarem a fundo as pesquisas realizadas sobre o assunto, em especial uma com 21.284 vestibulandos da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), entre 2006 e 2011, de autoria de Ana Trindade Ribeiro, doutoranda na Universidade Stanford, e Fernanda Estevan, da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.

A primeira conclusão das pesquisadoras não surpreende: as cotas aumentam as chances de graduação dos beneficiados em instituições públicas de ponta, uma das intenções da lei. Em cada grupo de dez cotistas que passaram no vestibular por pouco, oito estavam formados nove anos depois. Entre os candidatos a cotas reprovados por pouco que estudaram noutras instituições, o percentual foi bem menor, de 63%.

Um argumento usado por quem faz ressalvas à lei é dizer que ela compromete o futuro dos candidatos não cotistas reprovados. A pesquisa desmente essa tese. Um percentual acima de 80% desse grupo acabou se formando noutra universidade. Outra crítica sustenta que os graduados que entraram no ensino superior graças à lei seriam profissionais menos qualificados por terem sido aprovados com nota mais baixa no vestibular (apenas 2% dos vestibulandos cotistas seriam admitidos se o critério fosse o usado para os não cotistas). Os críticos esquecem que há cota para entrar na universidade, não para sair. Todo profissional graduado recebeu em tese a mesma formação.

O trabalho mostra, porém, que há um hiato no desempenho de cotistas e não cotistas na prova da OAB, um indicador do nível de conhecimento dos advogados. Outras pesquisas que tentam medir qualificação costumam usar o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), aplicado no último ano da graduação, mas ele tem menos relação com a realidade profissional. No caso da prova da OAB, a chance de um cotista que passou por pouco no vestibular ser aprovado é 58%, ante 63% de não cotista que também entrou raspando.

Essa diferença reforça a necessidade de examinar o que falta para que todos os cotistas, em geral oriundos de escolas piores, recuperem o tempo perdido na graduação. Políticas como bolsas de estudos ou aulas de reforço podem fazer parte da solução. Negar o problema certamente não ajudará.

A pesquisa também mostra que tem muito chão o combate ao racismo e ao preconceito contra deficientes e pobres. Dez anos após o vestibular, não cotistas ganham em média mais que o dobro dos cotistas. O estudo é um bom retrato do que se passa numa universidade de renome, mas não esgota o assunto. Para uma análise profunda, os congressistas terão de buscar pesquisas que preencham as lacunas, investigar outros cursos e outras regiões. Será importante avaliar também, com base noutros estudos, a diferença de impacto entre cotas raciais e sociais. Para isso, será preciso examinar apenas análises sérias e imunes às paixões que o tema costuma provocar.

Tropas russas perto da Ucrânia elevam temor de novo conflito

O Globo

O presidente russo Vladimir Putin tem muitos defeitos, mas ninguém pode acusá-lo de não ter senso de oportunidade. Com a Europa preocupada com a escalada de preços de energia, o frio aumentando e vários países dependentes do gás russo, Putin ordenou que suas tropas, parte delas voltando de um exercício militar na Bielorrússia, montassem acampamento próximo à fronteira com a Ucrânia. O movimento causou alarme no país vizinho, nas capitais europeias e em Washington. Pelos cálculos do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, são por volta de 100 mil soldados. Um relatório da inteligência americana revelado pelo jornal The Washington Post fala em planos para uma ofensiva de 175 mil, incluindo 100 batalhões táticos, blindados e artilharia pesada.

Um movimento menor também provocou preocupação em abril, depois foi desfeito. Desta vez, ninguém sabe ao certo as intenções de Putin. A inflação está em alta na Rússia, a pandemia está longe de controlada. É bastante provável que atrair a atenção para a Ucrânia seja uma clássica manobra diversionista. Se for apenas isso, as tropas provavelmente voltarão logo para casa. Mas há dúvidas.

Para os serviços de inteligência do Ocidente, há motivos para acreditar que Putin não esteja blefando e talvez planeje anexar mais um naco do território ucraniano. No dia 1º deste mês, Putin pediu “garantias legais” de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não se estenderia mais para o leste. Para ele, uma aliança entre a Ucrânia e o Ocidente configura uma ameaça existencial.

Quando os ucranianos estavam prestes a aderir à União Europeia, em 2014, a Rússia anexou a Península da Crimeia. Há sete anos tem apoiado grupos de origem russa que lutam pela independência de parte da Ucrânia, num conflito que já matou mais de 14 mil. Agora Putin quer evitar a entrada na Otan, que permitiria o avanço na região de tropas lideradas pelos Estados Unidos.

Num esforço diplomático, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, encontrou o chanceler russo, Sergey Lavrov. Em novembro, o presidente americano Joe Biden mandara o chefe da CIA, William J. Burns, viajar para Moscou para avisar aos russos que, caso fossem adiante com uma invasão, as represálias econômicas viriam em seguida. Até agora, os russos não levaram a ameaça a sério, talvez contando com falta de cooperação dos europeus, dependentes do seu gás.

Para a Rússia, o conflito vai além da questão militar. O tema gera alta carga emocional. Os dois países têm fortes laços culturais. A disputa militar tem separado famílias com o fechamento da fronteira. Para Putin e seus apoiadores, a visão pró-Ocidente de Zelensky é uma traição. A Ucrânia, pelo prisma russo, deveria continuar como integrante inalienável da esfera de influência de Moscou. É o que leva analistas a dizer que a invasão até pode não acontecer desta vez, mas ocorrerá algum dia.

Boa hora para refletir sobre as lições do ‘quase’ racionamento

Valor Econômico

Frear a derrubada das florestas e recuperar bacias hidrográficas tornam-se emergências nacionais

Com chuvas muito próximas da média histórica em outubro e novembro, o que tem se tornado cada vez mais exceção em vez de regra nos últimos tempos, ficam praticamente eliminadas as chances de um racionamento de energia em 2022. Até o risco de blecautes - fruto de desequilíbrio entre oferta e demanda por eletricidade nos horários de pico do consumo - parece já ter sido devidamente afastado no curto prazo.

Os reservatórios do subsistema Sudeste/ Centro-Oeste, principal caixa d’água do país, interromperam a curva descendente antes do previsto e começaram a encher. Na semana passada, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) previu que eles devem atingir 55,9% do volume útil ao fim de maio de 2022, quando se encerra de vez o período chuvoso, um aumento de 12,9 pontos percentuais em relação ao mesmo período de 2021. Além disso, pela primeira vez desde o início desta temporada de crise hídrica, o CMSE limitou em 15 mil megawatts (MW) a geração de energia térmica e a importação de eletricidade dos países vizinhos, alegando que busca diminuir o custo total de operação do sistema. Trata-se de um nível ainda bastante elevado de energia cara e poluente, praticamente o dobro do que se vê normalmente até em meses de estiagem, mas não deixa de ser uma primeira boa notícia.

Passada a ameaça mais iminente, a hora é propícia para fazer um balanço das medidas adotadas e de lições que podem ser anotadas para o futuro. A maior delas: essa não foi a última crise, e não poderemos mais contar com regimes pluviométricos minimamente previsíveis. Um levantamento do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) apontou que, entre 2016 e 2020, a afluência que chega às represas de hidrelétricas como resultado das chuvas ficou muito abaixo da média verificada nas últimas nove décadas. Foi de 88,4% no Sul, 85,6% no Sudeste/Centro-Oeste, 76,2% no Norte e 49,3% no Nordeste. O volume de chuvas no sistema interligado ficou acima da média histórica em apenas oito anos desde o começo deste século. Na década passada, a hidrologia superou esse patamar em só duas ocasiões.

O avanço do desmatamento na Amazônia, bem como o descaso com matas ciliares em todo o país, deixa reflexos cada vez mais evidentes. As mudanças climáticas já são uma realidade. Frear a derrubada das florestas e recuperar bacias hidrográficas tornam-se, sem nenhum exagero, emergências nacionais.

Desde 2001, quando o Brasil vivenciou seu último racionamento, o parque gerador saiu de 75 mil MW para 175 mil MW. A rede de transmissão aumentou de 70 mil para 165 mil quilômetros, possibilitando maiores transferências de energia entre regiões com sobra e com déficit. A fatia das hidrelétricas na matriz encolheu de 83% para 62%. Subiu a participação das térmicas, mas também de outras fontes renováveis, como eólica e solar.

Critica-se o Ministério de Minas e Energia pela suposta demora em acionar as térmicas, mas é fato que elas começaram a ser ligadas em outubro de 2020, quando apareceram sinais de esvaziamento dos reservatórios. Há que se tomar nota, também, das providências adotadas para dotar importações de energia da Argentina e do Uruguai de previsibilidade maior. Houve flexibilização de restrições operativas, como mudanças em vazões de hidrelétricas e em critérios de segurança na rede de transmissão, que deram certo em uma situação de contingência, apesar de consequências negativas nos transportes (a paralisação da hidrovia Tietê-Paraná).

O risco de racionamento demonstrou a necessidade de mais térmicas operando na base do sistema - preferencialmente a gás natural, um combustível menos danoso que outras fontes fósseis. Infelizmente, porém, o governo e o Congresso acertaram a exigência de novas usinas em localidades onde hoje não existe suprimento de gás, como contrapartida ao aval legislativo para a privatização da Eletrobras.

O ministério criou ainda um programa de redução voluntária da demanda de energia pela indústria. Ótima iniciativa, que deveria continuar, talvez analisando a conveniência de ajustes. Acabou sendo abandonada subitamente. Vira uma oportunidade perdida e perde-se a confiança do mercado, que abraçou o programa, em ações semelhantes no futuro.

Faltou, sobretudo, clareza na comunicação com a sociedade. A câmara de gestão criada por medida provisória para tomar medidas excepcionais, por exemplo, evitou a palavra “crise”. A publicidade oficial, pedindo uso mais racional da energia, foi tímida e nem de longe influenciou decisivamente na resolução dos problemas. Essa não foi a última crise. Que aprendamos, sem excesso de rigor nas críticas e sem soberba, as melhores lições para a próxima.

 

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