Valor Econômico
Disputas pelas 27 cadeiras em disputa serão
cruciais
Senatus Populusque Romanus - o Senado e o
Povo de Roma. A sigla SPQR está presente em documentos, moedas e monumentos da
Roma Antiga. O seleto grupo de representantes das famílias mais poderosas
assumiu diferentes funções ao longo da monarquia, da República e do Império
Romano. No princípio tinha caráter consultivo, aconselhando o rei nos momentos
de crise; com o passar do tempo, seus decretos legislativos e suas orientações
jurisprudenciais passaram a orientar a evolução de uma das principais
civilizações da história.
O Senado brasileiro replica o arranjo
institucional criado pelos Estados Unidos em 1789. Enquanto o povo é
representado na Câmara dos Deputados, os Estados que compõem a Federação têm o
direito de eleger senadores para representar seus interesses nos desígnios da
nação.
No projeto concebido por Oscar Niemeyer
para o Congresso Nacional, as cúpulas destinadas à Câmara e ao Senado são
diferentes em relação ao tamanho, à posição e à distância em relação às torres
centrais - a semiesfera destinada a abrigar o plenário dos senadores é menor,
voltada para baixo e mais próxima ao centro do que a da Câmara. O arquiteto
buscou o equilíbrio não por meio da simetria entre as duas Casas, mas pelo
confronto de formas e volumes - tal qual acontece no jogo do poder.
Em 2021 o Senado Federal assumiu o papel de conter o avanço da agenda concebida pelo casamento de Bolsonaro com o Centrão, celebrado com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara.
Ao longo do ano, os senadores engavetaram
projetos tecnicamente muito ruins aprovados pela Câmara, como as “reformas”
administrativa e tributária. Eles também sepultaram (pelo menos pelos próximos
dois anos) as tentativas de ressuscitarem as coligações e de criarem o
famigerado distritão. Já na PEC dos Precatórios, o Senado praticou uma política
de contenção de danos para travar alguns dos atentados à responsabilidade
fiscal.
Com a CPI da Covid, o G-7 de senadores
oposicionistas e independentes colocou o governo Bolsonaro nas cordas, buscando
a responsabilização civil, criminal e sobretudo eleitoral pelos mais de 600 mil
brasileiros mortos na pandemia.
A geladeira de quatro meses imposta a André
Mendonça, antes de sua apertada aprovação pelo plenário do Senado na semana
passada, também foi significativa. Embora envolta em interesses mais mundanos e
paroquiais, serviu para amenizar o discurso e extrair declarações
desconfortáveis para o presidente que cismou em ter um ministro “terrivelmente
evangélico” no órgão máximo do Poder Judiciário.
O reposicionamento do Senado no jogo
político em Brasília neste ano sinaliza a todos os potenciais candidatos ao
Palácio do Planalto em 2022 a importância de se formar uma boa base na próxima
legislatura. Com as competências de ser a Casa revisora de todas as propostas
legislativas propostas pelo Executivo (de PECs a medidas provisórias), aprovar
autoridades (incluindo o futuro presidente do Banco Central e os substitutos de
Ricardo Lewandowski e Rosa Weber no STF) e, nunca é bom esquecer, ditar a
palavra final em processos de impeachment, vale a pena ficarem atentos às
movimentações eleitorais para o Senado.
Pelas regras constitucionais, teremos em
outubro de 2022 a escolha de 27 novos senadores, que compõem um terço do
plenário. A depender do desempenho dos partidos nessas eleições, o próximo
presidente da República terá mais ou menos força para impor sua agenda.
Um exemplo: se Lula quiser ter maior
independência frente ao Centrão num eventual terceiro mandato, vai precisar
ampliar bastante sua base no Senado, pois o bloco de partidos mais à esquerda
(PT, Rede e PDT) tem hoje apenas 11 senadores - e deles só 8 possuem presença
garantida na próxima legislatura.
Já entre as legendas mais ligadas a
Bolsonaro (PL, PP e Republicanos), se nada for feito o quantitativo de
parlamentares no Senado vai ser reduzido de 13 para 8 a partir de 2023.
O Podemos de Moro só tem asseguradas 6 das
atuais 9 cadeiras na Câmara Alta, e o PSDB de Doria precisará defender duas das
suas 6 posições de hoje. O PSD de Kassab, que pretende se cacifar para ser o
fiel da balança no próximo governo, buscará reeleger um quarto de seus 12
senadores atuais. E é justamente o partido de maior bancada atualmente que
enfrentará o maior desafio: nada menos do que 6 das 15 vagas do MDB serão
renovadas no ano que vem.
Mais do que o perde e ganha de cada
partido, a disputa para o Senado em outubro de 2022 traz consigo um conflito
geracional. Não é à toa que “Senado” e “senioridade” têm a mesma origem
semântica; a ideia de que a sabedoria vem com a experiência acompanha a
humanidade desde os seus primórdios.
Entre os senadores em fim de mandato estão
figuras experientes e que ocuparam postos de relevo na política brasileira nos
últimos anos, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), José Serra (PSDB-SP), Álvaro
Dias (Podemos-PR), Fernando Collor (Pros-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Paulo
Rocha (PT-PA), Antonio Anastasia (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS), Kátia Abreu
(PP-TO), Omar Aziz (PSD-AM), Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fernando Bezerra Coelho
(MDB-PE).
Caso pretendam continuar em Brasília,
muitos desses parlamentares enfrentarão campanhas difíceis em seus Estados de
origem, pois além de novos nomes que surgiram na política brasileira
recentemente (como alguns ministros de Bolsonaro), há uma leva de governadores
que se encontram no final do segundo mandato e que têm o Senado como caminho
natural para a continuidade de suas carreiras políticas. É o caso de Flávio
Dino (PSB-MA), Camilo Santana (PT-CE), Paulo Câmara (PSB-PE), Rui Costa
(PT-BA), Wellington Dias (PT-PI), Renan Calheiros Filho (MDB-AL), Waldez Góes
(PDT-AP), Reinaldo Azambuja (PSDB-MS) e Belivaldo Chagas (PSD-SE).
A partir de vários desses confrontos que se
desenham para o Senado podem ser definidas as chances de o próximo presidente
da República governar com mais ou menos tranquilidade no quadriênio 2003-2006.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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