sexta-feira, 3 de março de 2023

Nelson Motta - Ódio à razão

O Globo

Depois da tragédia do antagonismo que vivemos com a divisão, e separação, nas famílias, nos amigos, nos colegas de trabalho, sinto que a Terra voltou a ser redonda e que estamos voltando, lentamente, ao modo back to basics: educação, civilidade, respeito — não só às instituições democráticas, à Constituição e às leis, mas principalmente ao outro, seja quem for o outro.

Amar o próximo como a si mesmo é um exagero cristão psicanaliticamente inalcançável, mas respeitá-lo como a si próprio não é tão difícil assim (chama-se civilização), embora muita gente não se respeite, esculhambando seu corpo, suas ideias, sua vida e tentando esculhambar a dos outros. Qual a graça de criticar e reprimir comportamentos e atitudes que em nada afetam a sua vida, ou da comunidade? Então qual é o problema de duas mulheres se beijando no bar, de homens de mãos dadas, de um grupo de jovens fumando um baseado ? Como eles interferem na sua felicidade? Me sinto um idiota escrevendo coisas tão óbvias há tanto tempo, e só um período de regressão como o que vivemos explica tanta resistência, e ódio, ao império da razão.

Agora vejo que passamos por um processo de destruição da razão, como método, para tornar um boçal um mito e estabelecer uma linguagem tosca e grosseira em que verdade e mentira se confundem, em nome do slogan salazarista Deus, Pátria e Família. Só que a família é assunto privado, Deus, cada um tem o seu, e alguns, nenhum, e Pátria não é o Estado oprimindo, controlando e explorando o cidadão que paga impostos para sustentá-lo.

Quanto a Bolsonaro, entendo que o reverso do amor não é o ódio e o rancor — mas o desprezo e o esquecimento.

Busões negreiros

Que estupidez, ou forças satânicas, levam uma vinícola rica e poderosa do Rio Grande do Sul a importar mão de obra barata, e preta certamente, da Bahia, para trabalhar no frio, em uma cultura que não conhecem? Os gaúchos já não querem trabalhar por salários tão baixos em condições tão duras, os uruguaios, nem pensar, mas só um racismo estrutural e perverso explica os busões-negreiros Salvador-Bento Gonçalves. Os catarinas e os paranaenses lourinhos estão mais próximos e também precisam trabalhar... Economizariam no transporte da carga, (mal) paga, mas sempre escrava.

Com Tim, Tom e Elis em Paris

Muito feliz por ser o homenageado do 25º Festival do Cinema Brasileiro em Paris, de 3 a 10 de abril, no histórico Cinema Arlequin, com a exibição do lindo “Elis e Tom”, de Roberto Oliveira, de que fui roteirista, do filme de Mauro Lima baseado em meu livro “O som e a fúria de Tim Maia”, e principalmente de três episódios da série sobre Tim que codirigi com Renato Terra para o Globoplay, em tela grande e com som nas caixas.

O pessoal que está fazendo as legendas em francês está penando com o vocabulário de Tim:

Comment traduire “baurétte”? “Esquentá-suvacô” ? “Melá-cuecá”?

Voilá! “Le son et la furie de Tim Maia” por épater Paris.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito! Que bom ler um texto tão claro e bem escrito! Parabéns ao colunista e ao blog que nos mostra seu trabalho!

Anônimo disse...

Nelson Mota é uma piada, das boas, e musicada!

ADEMAR AMANCIO disse...

Elis e Tom,não vi e já gostei.