sexta-feira, 3 de março de 2023

Claudia Safatle - Regra fiscal pode desagradar céticos

Valor Econômico

Pela proposta, redução da dívida vai levar tempo

O anúncio do novo arcabouço fiscal pode frustrar os mais céticos do mercado porque, tal como está sendo concebido, eles não vão conseguir enxergar na regra uma redução imediata da dívida pública bruta. Vai levar tempo para que isso aconteça. E vai ser menos por causa da redução de despesa, pois o ajuste vai se dar forte na receita, que não vem da regra, mas da reforma tributária. Segundo certo compromisso assumido pelo governo, a reforma tributária terá que render ao menos R$ 100 bilhões aos cofres da União.

Logo, eles (os céticos) não vão conseguir enxergar o todo do arcabouço fiscal de médio prazo na regra, diz uma fonte que está acompanhando a discussão da proposta, que ainda está em construção, de vincular a despesa ao PIB per capita e a receita ao PIB cheio.

Como o PIB cheio é maior do que o per capita, ele vai reduzir a dívida bruta ao longo do tempo. A trajetória da dívida será ainda de aumento, depois de ter caído para 73,1% do PIB em janeiro, para depois se estabilizar e começar a cair.

Isso vai depender da aprovação da reforma tributária relativa ao IVA - que será federal e terá também o IVA dos Estados e municípios. Nesse quesito haverá um longo debate e, novamente, os céticos vão olhar para um “copo meio vazio”, diz a fonte oficial.

“Não tem bala de prata para a questão fiscal”, diz uma outra fonte, que lembra que, no segundo semestre haverá a continuação da reforma tributária, relativa ao imposto sobre a renda e sobre o patrimônio.

Enquanto isso, os estrangeiros estão voltando para investir em renda fixa, observa a fonte. A preferência deles é por papéis públicos que se situem na parte longa da curva de juros, que tem pouca liquidez. Os investidores brasileiros ainda devem demorar um pouco para aplicar em títulos da dívida, suspeita a fonte.

Dados do Banco Central indicam que nas últimas semanas houve um ingresso mais substancial de investidores não residentes. No ano, até o dia 24 de fevereiro, houve ingresso tanto no comercial quanto no financeiro, de US$ 8,7 bilhões, o que não é pouco.

O arcabouço fiscal tende a ter uma regra única e será calculado com base em projeções quer o Ministério da Fazenda fará para o PIB per capita assim como para o PIB cheio.

Vai ser uma regra única: a despesa cresce de acordo com o PIB per capita e as receitas serão corrigidas pelo PIB integral. Não contém, portanto, um sistema de incentivos para o governo cortar gastos, de forma a se aproximar de uma dívida de 60% do PIB, que se convencionou ser o limite para os países emergentes.

Há a expectativa de que o mercado doméstico se acalme a partir de alguns elementos que começariam a mudar o jogo. Sejam os anúncios de medidas fiscais, seja o humor dos não residentes, que estão mais serenos. Os residentes estão com um mau humor exagerado, na opinião de fontes oficiais.

“Estamos, em comparação com o resto do mundo, relativamente bem. Estamos com a dívida menor que estava antes da pandemia. Gastamos muito e mesmo assim terminamos melhor do que era antes da pandemia”, comenta a fonte. Apenas dez países no mundo conseguiram se manter com as contas em equilíbrio e com a dívida menor do que antes da covid-19

O fato de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter sido bem-sucedido na reoneração dos combustíveis e enfrentado a área política do PT é um outro fator que conta muito para virar o jogo junto ao mercado financeiro doméstico. Acredita-se, no meio oficial, que o mercado já estaria “se acalmando”. A curva de juros estava fechando nos últimos dias, mas essa é uma percepção muito recente.

Exemplo do mau humor foi a reação contra o aumento do salário mínimo e o reajuste da tabela do Imposto de Renda. Ambas representariam um impacto sobre a despesa de pouco mais do que R$ 5 bilhões. “Isso é nada!”, comenta a fonte, e o governo comprometeu-se em fazer compensação - provavelmente ele vai cortar gastos equivalentes de forma que o impacto seja neutro.

A taxa de juros alcançou os níveis do período pré-impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Atingiu 6,5% em termos reais e agora começou a cair para algo próximo a 6,2% e 6,3%, patamar ainda bastante alto.

Segundo as fontes oficiais, Haddad anuncia ainda em março o novo arcabouço fiscal, que substituirá o teto de gastos. Mas a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) deverá chegar ao Congresso Nacional em abril. A PEC vai, como dito no início da coluna, dar um norte, mas não vai resolver nada no curto prazo. Quanto à dívida, ela garante que não vai explodir para 90%, 100% do PIB. “É positiva, tem uma história boa para contar, mas é um esquema de médio prazo”, comenta.

Turma do projeto

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reiterou, ontem, o pedido da cabeça do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O argumento para que o governo o convença a renunciar ou o presidente Lula o demitir - duas soluções apontadas por ela - é que Campos Neto não faz parte da turma do projeto que venceu as eleições.

O projeto, no entanto, não deve ser a mera repetição do então presidente do BC, Alexandre Tombini, que deu um cavalo de pau na taxa básica de juros (Selic) em agosto de 2011, porque o ministro da Fazenda de então, Guido Mantega, acenou com um reforço da meta de superávit primário de R$ 10 bilhões.

Depois de aumentar os juros para 12,5% ao ano, o Copom cortou os juros na reunião seguinte em 0,5 ponto percentual, dando início a um processo de queda da Selic que foi até 7,25%. Pressões inflacionárias, porém, o levaram o comitê a aumentar os juros até 14,25% ao ano. Esses são atalhos que já experimentamos e não deram certo. Agora, tem gente no PT que cobra uma queda dos juros por causa da medida de reoneração dos combustíveis.

Amigos do presidente do BC dizem que Gleisi está blefando.

“Eles querem que o Roberto permaneça para ser responsabilizado pelo que der errado. São os amigos do Roberto que querem que ele renuncie”, disse um deles.

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