Valor Econômico
O resultado do PIB do quarto trimestre
confirmou a trajetória de desaceleração da economia brasileira ao longo de
2022, trajetória que tende a ser mantida na primeira metade de 2023. Nos três
últimos meses do ano passado, o PIB recuou 0,2% em relação aos três meses
anteriores, feito o ajuste sazonal. No terceiro trimestre, a economia havia
crescido 0,3% nessa base de comparação, já consideravelmente abaixo do ritmo de
cerca de 1% registrado nos trimestres anteriores. Em 2022, o crescimento foi de
2,9%, bem acima do 0,36% estimado pelo consenso dos analistas no fim do ano
anterior, puxado pela alta de 4,2% dos serviços, no lado da oferta, e pelo
aumento de 4,3% do consumo das famílias, no lado da demanda.
No fim do ano passado, porém, a economia brasileira já perdia fôlego de modo mais pronunciado. O ímpeto do setor de serviços já era bem menor, passada grande parte do efeito da reabertura da economia, após o fim das medidas de restrição à mobilidade social adotadas para combater a covid-19. O impacto das medidas eleitoreiras de estímulo à economia adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro também já tinha se tornado bem menos relevante. Com juros elevados, piora do crédito e incertezas em relação à trajetória das contas públicas, o cenário indica um ritmo fraco para a atividade econômica neste ano, especialmente no primeiro semestre.
Pelo lado da oferta, a indústria teve o
pior desempenho no quarto trimestre, com retração de 0,3% em relação ao
terceiro trimestre. Dentro do setor, os piores resultados foram da indústria de
transformação, com recuo de 1,4%, e da construção, com queda de 0,7%, os dois
segmentos em desaceleração expressiva. Já o segmento da indústria extrativa foi
bem, com expansão de 2,5%.
Os serviços, por sua vez, ainda tiveram
crescimento no quarto trimestre, mas de apenas 0,2%, bem inferior ao 0,9% do
trimestre anterior e do pouco mais de 1% de alta trimestral registrada na
segunda metade de 2021 e na primeira metade de 2022. A agropecuária, por sua
vez, avançou 0,3% nos três últimos meses do ano passado.
Pelo lado da demanda, o investimento teve
queda de 1,1% no período de outubro a dezembro, enquanto o consumo das famílias
cresceu 0,3%, perdendo força em relação ao 1% do terceiro trimestre. O consumo
do governo também subiu 0,3%. Com isso, a chamada demanda doméstica final
(consumo das famílias, consumo do governo e investimento, excluindo a variação
de estoques) ficou estável, nas contas de Alberto Ramos, diretor de pesquisa
para a América Latina do Goldman Sachs. Nos dois trimestres anteriores, houve
alta de 2% e de 1,4%, pela ordem.
Ainda pelo lado da demanda, chama a atenção
a contribuição positiva do setor externo. No quarto trimestre, as exportações
subiram 3,5%, enquanto as importações recuaram 1,9%. Pelos cálculos de Ramos, o
setor externo colaborou com 0,93 ponto percentual para o resultado do PIB nos
últimos três meses do ano. Já o investimento teve contribuição negativa de 0,2
ponto. A variação de estoques, por sua vez, tirou 1,17 ponto percentual do
crescimento no período, segundo Ramos.
Em 2022 como um todo, enquanto o destaque
pelo lado da oferta foram os serviços, com expansão de 4,2%, a indústria teve
uma alta de 1,6%. No setor, o melhor desempenho foi da construção, com avanço
de 6,9%. Já a agropecuária recuou 1,7% no ano. Pelo lado da demanda, o
investimento cresceu 0,9% e o consumo do governo, 1,5%, resultados bastante
inferiores aos 4,3% do consumo das famílias. No setor externo, as exportações
aumentaram 5,5% em 2022, ao passo que as importações subiram 0,8%.
Olhando para 2023, a atividade enfrenta uma
série de ventos contrários na primeira metade do ano, como destaca Ramos. O
impulso da reabertura da economia está desaparecendo, as condições financeiras
e monetárias estão mais apertadas e o endividamento das famílias é elevado.
Para completar, há pouca ociosidade na economia, a criação de empregos é
declinante, a confiança do consumidor e dos empresários piora e o ciclo de
crédito começa a virar, aponta o economista do Goldman Sachs. São todos fatores
que devem enfraquecer a economia na primeira metade do ano. Estímulos fiscais e
quase fiscais, por sua vez, jogam a favor de uma expansão da atividade nesse
período, diz Ramos, citando transferências adicionais para famílias de baixa
renda, com elevada propensão ao consumo. Também deve ajudar o PIB o setor
agrícola.
Incertezas sobre as contas públicas ainda
permanecem elevadas, o que mantém nas alturas os juros de longo prazo, um
movimento também alimentado pelas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ao Banco Central (BC) e ao nível da Selic. Esse cenário de indefinição
tem contribuído para a piora das expectativas de inflação, o que tende a fazer
o BC adiar o começo do ciclo de redução dos juros básicos, hoje em 13,75% ao
ano.
A herança estatística que o PIB de 2022
deixou para 2023 é de 0,2%, diz Ramos. Isso significa que, se o PIB ficar
estável em relação ao nível do fim do ano passado, a economia brasileira terá
um crescimento neste ano de 0,2%. O economista da Goldman Sachs reduziu a sua
estimativa para a expansão do PIB em 2023 de 1,4% para 1,2%, mas há números
mais baixos na praça, com alguns analistas prevendo uma economia em estagnação.
A apresentação de uma nova regra fiscal pelo Ministério da Fazenda, prevista para este mês, pode reduzir as incertezas sobre a trajetória das contas públicas. Se a âncora que substituir o teto de gastos for crível e apontar para o controle do endividamento público no médio e longo prazo, o quadro fiscal pode se tornar menos incerto, permitindo que o BC comece a cogitar a redução os juros. Para isso, também é importante que cessem de vez os ataques do governo à autoridade monetária, que só contribuíram para a piora das projeções de inflação. Se prevalecer o clima de incerteza, os juros permanecerão altos por mais tempo, os empresários pensarão duas vezes antes de investir e o custo do crédito seguirá muito elevado, afetando ainda mais as perspectivas já pouco animadoras para o crescimento em 2023.
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