quinta-feira, 3 de abril de 2025

Estados e municípios em descontrole fiscal - Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Os investimentos subnacionais parecem seguir os ciclos políticos, aumentando antes das eleições e caindo depois delas

As discussões sobre a questão fiscal focam usualmente no caso federal e só muito raramente alcançam Estados e municípios. Assim, foi com prazer e surpresa que em jornais do dia 1.º de abril – e não é mentira –, quando escrevia este artigo, achei dois textos mostrando ser preciso cuidar também da área fiscal de Estados e municípios, além da federal.

O primeiro foi um informativo artigo de Luiz Schymura, pesquisador do Ibre-FGV, no jornal Valor. Ele aponta que “(...) o que se constata é o governo federal contendo gastos, enquanto Estados e municípios aumentam suas despesas. Com isso, (...) a fragilidade fiscal não cede”. Eles também aumentaram as suas receitas. No seguinte, trechos entre parênteses são de minha iniciativa ou do autor.

Buscando uma comparação, ele aponta que “(...) os gastos primários trimestrais do governo federal nos últimos dez anos (dessazonalizados e deflacionados pelo deflator do PIB; a base é o último trimestre de 2024) têm girado, em média, em torno de R$ 473 bilhões (extraindo-se do cálculo os dois trimestres nos quais a pandemia de covid teve seu período mais crítico no ano de 2020, resultando em gasto extraordinários do governo federal). No dado referente ao quarto trimestre de 2022, (...) a despesa primária incorrida pelo governo federal é de R$ 483 bilhões.”

“(...) Segundo levantamento de ( seu colega Manoel) Borges, ao longo dos últimos dez anos, os gastos primários trimestrais dos governos subnacionais ( ajustados da mesma forma que os gastos federais, conforme acima) apresentaram o seguinte desempenho: entre 2015 e 2021 ficaram gravitando em torno da média de R$ 500 bilhões por trimestre; a partir daí, começaram a apresentar crescimento consistente, atingindo nos três últimos trimestres de 2024, o patamar trimestral de R$ 650 bilhões. Como se vê, tem havido uma apropriação crescente do Orçamento público por Estados e municípios.”

Schymura concluiu seu texto com informações sobre os chamados gastos tributários, que são incentivos fiscais concedidos a determinados grupos, que nos Estados subiram de 1% do PIB em 2002 para 2,4% do PIB em 2024, outra distorção fiscal.

De minha parte, o grande esclarecimento do artigo foi o de informar que o conjunto dos governos subnacionais têm gastos bem superiores aos do governo federal, mas usualmente só se discute a questão fiscal deste último. Nos governos subnacionais esses gastos não só são maiores, mas são de difícil análise e de medidas em sentido contrário em razão da dispersão dos governos pelo País.

O segundo texto, também publicado no dia 1.º de abril, veio também no jornal Valor, escrito pela jornalista Marta Watanabe e com o título Estados e municípios puxam os investimentos públicos. Isso me animou bastante, pois tenho argumentado, usando dados do Ibre-FGV, que uma razão das baixas taxas de crescimento do PIB tem sido a redução dos investimentos públicos no período pós-1980, avaliados como porcentagem desse PIB.

Passando aos dados do artigo, eles apontam inicialmente que de “(...) 2018 a 2024 os investimentos do setor público cresceram mais de 80% em termos reais, puxados principalmente por Estados e municípios. Enquanto os investimentos da União aumentaram 9,6% no período, os dos Estados, incluindo o Distrito Federal, avançaram 81%. Nos municípios, o último dado mostra que o aumento foi de 140% de 2018 a 2023. Com base em dados parciais disponíveis, estima-se que o aumento tenha alcançado 183,1% em 2024 em relação a 2018. Considerando esses indicadores, a fatia da União no total investido pelo setor público caiu de 38,7% em 2018 para 23,2% em 2024, enquanto a dos governos regionais aumentou de 61,3% para 76,8% em igual período.”

Quanto a valores em reais, “(...) no ano passado, o investimento federal foi de R$ 70,9 bilhões, bem abaixo dos R$ 99,4 bilhões dos Estados e de estimados R$ 134,6 bilhões de prefeituras”. Os investimentos subnacionais parecem seguir os ciclos políticos, aumentando antes das eleições e caindo depois delas. Assim, isso aconteceu durante o ciclo municipal recente e devem estar crescendo agora nos Estados, de olho nas eleições de 2026.

Esses números podem impressionar os leitores, mas é bom saber que como porcentagem do PIB não significam um acréscimo relevante, dado que o valor deste chegou a R$ 11,7 trilhões (!) em 2024. Também é bom saber que os Estados e municípios estão investindo mais do que a União, que sabidamente investe muito pouco. Talvez isso sirva de lição a ela, para que invista mais.

Os últimos dados do PIB publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que o Brasil investe muito pouco, 17% do PIB, quando para crescer bem mais seria preciso algo próximo de 20%, e buscando níveis ainda maiores. A queda dos investimentos públicos teve grande papel na chegada a esses 17%. Os dados dos textos citados aqui, que eu não conhecia, indicam que, além da União, será também preciso recorrer aos Estados e municípios para que estes invistam ainda mais.

 

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