Folha de S. Paulo
País tem de lidar com EUA e mundo novo
pensando na reviravolta política e econômica geral
Faz meses, há falação sobre como o governo do
Brasil deve reagir ao aumento do imposto de importação americano sobre produtos
brasileiros. No
caso do Brasil, o tributo fica em 10%, o piso. Saiu até barato —vai ficar
em 10%, ante 20% para a União
Europeia, 24% para o Japão, 34% para
a China e
46% para o Vietnã.
Vale a pena "reagir" a esse imposto
maluco de Trump ou repensar o lugar do Brasil nessa nova situação global?
Pouca gente pergunta "reação ao quê?". Discute-se em geral retaliação tributária ou medida qualquer que pudesse provocar dores em negócios americanos. O contra-ataque renderia alguma concessão, se imagina ou fantasia.
É uma reação pensada nos mesmos termos
de Donald
Trump —pelo menos, é tão mercantilista quanto. É uma reação que: 1)
pode provocar danos à economia brasileira —encarecer insumos e produtos de
exportação; 2) mal pensa no tamanho do problema e da reviravolta nas relações
econômicas mundiais, que de resto vão muito além das reações de governos. Mais
do que isso, se Trump prevalecer, a política vai mais e mais mandar a lógica
econômica para o vinagre.
Para começar, pode haver sobras de produção
por aí, que poderiam ser exportadas para o Brasil ou afetar preços de produtos
exportados pelo Brasil. A depender do tamanho, duração e variedade da pancada
americana, vai haver paulatina reorganização de empresas, de relações e acordos
comerciais entre países, mudanças de padrão de investimento. A reação tem de
levar em conta outros países e o longo prazo.
Logo, essa conversa futebolística e militar
de ataque e contra-ataque é um modo muito limitado, para dizer o mínimo, de
pensar o problema.
O Brasil exporta por ano uns US$ 40 bilhões
para os Estados
Unidos, uns R$ 230 bilhões. Será ou seria conveniente evitar a perda desses
dinheiros —isso se as contramedidas não forem contraproducentes, se o remédio
não for pior do que a doença.
Mais importante é saber como levar alguma
vantagem ou evitar danos extras tanto na negociação com os americanos como
naquela que sobrevirá com o restante do mundo.
Para começar: o país ganharia com a redução
de impostos de importação e outras barreiras? A proteção a certos setores
econômicos contra a concorrência externa rende resultados? Em quais setores?
Para novos setores e negócios?
Segundo, quais novos acordos podem ser
firmados, nesse execrável mundo novo? O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
acaba de falar de acordo Mercosul-Japão. Até o ano passado, seria fantasia.
Agora, ainda que qualquer tratativa consequente demore muito, algum acordo pode
sair.
Até a França deu sinalzinho de que pode criar
menos problema para o acordo com a União Europeia. Pode haver revisão mais
ambiciosa das relações de investimento e comércio com a China? Por que o
comércio com o México e a América do Sul, é tão pequeno?
Por que a atenção quase exclusiva a essa
conversa mercantilista de retaliar? O assunto é muito maior, haverá problemas
em muitas outras partes. Protecionismos e políticas setoriais
("industriais") erradas (pode haver das boas) já prejudicam a economia
brasileira.
Sim, Trump é um desastre e uma ameaça, mas
pensar a guerra
comercial como um Fla x Flu, Brasil x EUA, será um erro, uma burrice e
não vai resultar em nada de bom para o futuro comercial e econômico do Brasil.
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