Valor Econômico
Consensuado entre Poderes e repartido na
federação, modelo projetado para a segurança é, até aqui, maior aposta para o
governo sair das cordas
Ainda tem muita conta pra ser feita, mas o
que sobrou para o Brasil de uma cerimônia cheia de operários com capacete e
colete e indiferente ao destino de países pobres sobretaxados (Cambodja,
Madagascar, Laos e Sri Lanka), é a inclusão do país no rol dos mais poupados
pelo tarifaço americano. Ficou ainda bem posicionado para ocupar o mercado dos
atingidos (China, UE, Índia, Japão, Coreia do Sul e Vietnã) nos EUA.
A vantagem comparativa pós-tarifaço não prescindiu da aprovação da lei de reciprocidade, vencendo a obstrução da pauta da Casa pela bancada da anistia. A aprovação ofereceu um exemplo claro do quanto o governo, para dar resultado, tem que se abrir, nem que seja com a divisão de louros.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS), que
encabeçou a aprovação sem um único voto contrário, pontificou no dia seguinte
sobre o que faria se voltasse à Pasta que ocupou no governo Bolsonaro
(Agricultura) para proteger o Brasil. É o preço. E até que foi barato.
A inclusão do Brasil no rol dos mais
poupados, no limite, não vai piorar as condições para o governo reagir à queda
ininterrupta de popularidade. A perspectiva de que a sangria havia estancado,
acalentada pela comitiva presidencial da Ásia, não se confirmou nas últimas
pesquisas. Por isso, o evento desta quinta está mais para uma tentativa de
socorro do que de relançamento do governo. Se a viagem “melhorou o clima” com o
Congresso, por aproximar Lula de suas lideranças, não desanuviou o queixume do
povo.
É na segurança que o governo se mostra mais
dramaticamente dependente de saídas colegiadas. O tema continua a dividir a
conta do desgaste com a carestia. Cairá cada vez mais sobre as costas do
governo federal a despeito de ser atribuição dos Estados.
Antes da viagem à Ásia, Lula reuniu os
ministros Ricardo Lewandowski (Justiça), Vinícius Carvalho (CGU), Jorge Messias
(AGU), Rui Costa (Casa Civil), Sidônio Palmeira (Secom) e Andrei Rodrigues
(PF). Lewandowski deu o estado da arte da PEC da Segurança. Foi então que Lula,
instigado pela ideia de que leis não bastam, perguntou se o cidadão vai se
sentir mais seguro no dia seguinte à aprovação da PEC.
Sidônio interveio: 85% dos gastos com
segurança pública no país vêm dos Estados. Não dá pra dizer que o governo vai
assumir a segurança. Isso custaria pelo menos uns R$ 150 bi aos cofres
públicos. A narrativa tem que ser a de que o governo federal entendeu que o
crime não tem fronteiras e precisa ajudar.
Foi na linha de que as medidas precisavam ter
concretude que surgiu a ideia do aplicativo que vai avisar se o celular roubado
for usado por outra pessoa. Rui Costa, polo de resistência, ainda reclamou da
maquiagem de dados dos Estados (que aparecem melhor na fita que a Bahia), mas
parecia capitulado.
À CGU coube elaborar medidas para identificar
mais facilmente a lavagem de dinheiro em obras públicas, como meio de conter a
infiltração do crime organizado no Estado. E, finalmente, houve consenso de que
a demanda do Congresso por algum endurecimento de penas e progressão de regime
penal pode ser abrigada.
Se um integrante do PCC tem bom comportamento
na prisão, por exemplo, pode ter a mesma progressão de pena que o sujeito que
furtou um xampu. À mudança desta situação se soma a ideia de que os presídios
precisam competir com o crime organizado pelo futuro dos jovens infratores, com
opções de educação e trabalho, como prevê o plano homologado pelo STF para
enfrentar o “estado de coisas inconstitucionais” das prisões.
A PEC da Segurança, como carro-chefe das
medidas, encontrou, nos municípios, uma saída para o governo enfrentar a
resistência dos Estados. Como as guardas municipais são uma força de segurança
mais barata, por não usufruir de prerrogativas militares, aos governadores
interessa compartilhar atribuições de suas PMs de maneira a desinchar folhas de
pagamentos que superam, em muitos Estados, aquelas da educação e da saúde.
Os representantes das PMs no Congresso têm
manifestado preocupação com esta perspectiva, mas a pressão não demove o apoio
de governadores, como Romeu Zema, de Minas, abertamente simpático à
alternativa. Estão dispostos até a partilhar custos das guardas municipais para
isso e baixaram o tom das críticas à PEC pela ingerência sobre suas políticas
de segurança.
Antes de se articular na federação, a saída
foi arquitetada entre os Poderes. Primeiro o Supremo Tribunal Federal acolheu a
interpretação de que as guardas civis integram as forças de segurança do país,
numa leitura alargada da Constituição. O STF abriu, assim, caminho para a PEC
acolher as guardas municipais como parte do policiamento ostensivo e, com isso,
angariar o apoio dos prefeitos que se transformaram em poderosa instância de
pressão num Congresso cada vez mais municipalista.
É bem verdade que este protagonismo embute
riscos. Tome-se, por exemplo, Washington Quaquá, prefeito de Maricá (RJ). Nas
redes sociais, disse que bandido armado de fuzil “vai pra vala”. Indagado sobre
este conceito alargado do excludente de ilicitude, vê-se coberto pela lei. “Não
existe licença para matar na legislação brasileira”, rebate Lewandowski.
Quaquá se diz satisfeito com a “homenagem” do
governador Claudio Castro: o 13º Batalhão da PM no município. Dirigente do PT,
é o exemplo mais acabado de que o bolsonarismo, ainda que no banco dos réus,
sobrevive em todos os partidos e terá que ser alcançado pelo governo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário