quinta-feira, 3 de abril de 2025

Socorro do governo virá de saídas colegiadas - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Consensuado entre Poderes e repartido na federação, modelo projetado para a segurança é, até aqui, maior aposta para o governo sair das cordas

Ainda tem muita conta pra ser feita, mas o que sobrou para o Brasil de uma cerimônia cheia de operários com capacete e colete e indiferente ao destino de países pobres sobretaxados (Cambodja, Madagascar, Laos e Sri Lanka), é a inclusão do país no rol dos mais poupados pelo tarifaço americano. Ficou ainda bem posicionado para ocupar o mercado dos atingidos (China, UE, Índia, Japão, Coreia do Sul e Vietnã) nos EUA.

A vantagem comparativa pós-tarifaço não prescindiu da aprovação da lei de reciprocidade, vencendo a obstrução da pauta da Casa pela bancada da anistia. A aprovação ofereceu um exemplo claro do quanto o governo, para dar resultado, tem que se abrir, nem que seja com a divisão de louros.

A senadora Tereza Cristina (PP-MS), que encabeçou a aprovação sem um único voto contrário, pontificou no dia seguinte sobre o que faria se voltasse à Pasta que ocupou no governo Bolsonaro (Agricultura) para proteger o Brasil. É o preço. E até que foi barato.

A inclusão do Brasil no rol dos mais poupados, no limite, não vai piorar as condições para o governo reagir à queda ininterrupta de popularidade. A perspectiva de que a sangria havia estancado, acalentada pela comitiva presidencial da Ásia, não se confirmou nas últimas pesquisas. Por isso, o evento desta quinta está mais para uma tentativa de socorro do que de relançamento do governo. Se a viagem “melhorou o clima” com o Congresso, por aproximar Lula de suas lideranças, não desanuviou o queixume do povo.

É na segurança que o governo se mostra mais dramaticamente dependente de saídas colegiadas. O tema continua a dividir a conta do desgaste com a carestia. Cairá cada vez mais sobre as costas do governo federal a despeito de ser atribuição dos Estados.

Antes da viagem à Ásia, Lula reuniu os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça), Vinícius Carvalho (CGU), Jorge Messias (AGU), Rui Costa (Casa Civil), Sidônio Palmeira (Secom) e Andrei Rodrigues (PF). Lewandowski deu o estado da arte da PEC da Segurança. Foi então que Lula, instigado pela ideia de que leis não bastam, perguntou se o cidadão vai se sentir mais seguro no dia seguinte à aprovação da PEC.

Sidônio interveio: 85% dos gastos com segurança pública no país vêm dos Estados. Não dá pra dizer que o governo vai assumir a segurança. Isso custaria pelo menos uns R$ 150 bi aos cofres públicos. A narrativa tem que ser a de que o governo federal entendeu que o crime não tem fronteiras e precisa ajudar.

Foi na linha de que as medidas precisavam ter concretude que surgiu a ideia do aplicativo que vai avisar se o celular roubado for usado por outra pessoa. Rui Costa, polo de resistência, ainda reclamou da maquiagem de dados dos Estados (que aparecem melhor na fita que a Bahia), mas parecia capitulado.

À CGU coube elaborar medidas para identificar mais facilmente a lavagem de dinheiro em obras públicas, como meio de conter a infiltração do crime organizado no Estado. E, finalmente, houve consenso de que a demanda do Congresso por algum endurecimento de penas e progressão de regime penal pode ser abrigada.

Se um integrante do PCC tem bom comportamento na prisão, por exemplo, pode ter a mesma progressão de pena que o sujeito que furtou um xampu. À mudança desta situação se soma a ideia de que os presídios precisam competir com o crime organizado pelo futuro dos jovens infratores, com opções de educação e trabalho, como prevê o plano homologado pelo STF para enfrentar o “estado de coisas inconstitucionais” das prisões.

A PEC da Segurança, como carro-chefe das medidas, encontrou, nos municípios, uma saída para o governo enfrentar a resistência dos Estados. Como as guardas municipais são uma força de segurança mais barata, por não usufruir de prerrogativas militares, aos governadores interessa compartilhar atribuições de suas PMs de maneira a desinchar folhas de pagamentos que superam, em muitos Estados, aquelas da educação e da saúde.

Os representantes das PMs no Congresso têm manifestado preocupação com esta perspectiva, mas a pressão não demove o apoio de governadores, como Romeu Zema, de Minas, abertamente simpático à alternativa. Estão dispostos até a partilhar custos das guardas municipais para isso e baixaram o tom das críticas à PEC pela ingerência sobre suas políticas de segurança.

Antes de se articular na federação, a saída foi arquitetada entre os Poderes. Primeiro o Supremo Tribunal Federal acolheu a interpretação de que as guardas civis integram as forças de segurança do país, numa leitura alargada da Constituição. O STF abriu, assim, caminho para a PEC acolher as guardas municipais como parte do policiamento ostensivo e, com isso, angariar o apoio dos prefeitos que se transformaram em poderosa instância de pressão num Congresso cada vez mais municipalista.

É bem verdade que este protagonismo embute riscos. Tome-se, por exemplo, Washington Quaquá, prefeito de Maricá (RJ). Nas redes sociais, disse que bandido armado de fuzil “vai pra vala”. Indagado sobre este conceito alargado do excludente de ilicitude, vê-se coberto pela lei. “Não existe licença para matar na legislação brasileira”, rebate Lewandowski.

Quaquá se diz satisfeito com a “homenagem” do governador Claudio Castro: o 13º Batalhão da PM no município. Dirigente do PT, é o exemplo mais acabado de que o bolsonarismo, ainda que no banco dos réus, sobrevive em todos os partidos e terá que ser alcançado pelo governo.

 

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