Valor Econômico
Produtor nacional terá mais dificuldade para exportar para os EUA e mais pressão interna de produtos chineses
O governo brasileiro começou o ano projetando
uma ligeira queda de 5% no saldo da balança comercial neste ano, ficando em
torno de US$ 70 bilhões. Recentemente, na segunda previsão, em meio a
persistentes turbulências na cena global, Brasília previu -32% no saldo
comercial, encolhendo para US$ 50 bilhões, ou US$ 24 bilhões a menos do que em
2024.
Agora, a ameaça de sanção contra o Brasil anunciada por Donald Trump torna a situação ainda mais delicada, ao coincidir com um momento de retração do superavit brasileiro com a China, seu principal parceiro comercial.
Quando Trump deflagrou sua guerra comercial
contra boa parte do mundo, e especialmente contra a China, na sua volta à Casa
Branca, muita gente viu uma oportunidade para o Brasil ampliar rapidamente as
exportações, estimando que boa parte podia tomar o rumo do mercado chinês.
Mas está acontecendo o contrário. O Brasil é
que está sendo uma das alternativas da China para desovar excedentes de
produção que não podem entrar nos EUA e na União Europeia (UE).
As exportações do Brasil para a China no
primeiro semestre registraram a maior queda desde 2015. O recuo de 7,5%
comparado ao mesmo período de 2024, foi provocado sobretudo pela desvalorização
dos preços das principais commodities exportadas, como soja e minério de ferro.
Já as importações que o Brasil fez vindas da
China aumentaram 22% na comparação com o primeiro semestre de 2024, um recorde.
Superaram as altas de produtos importados pelo Brasil vindos dos EUA (11,5%),
UE (4,5%) e Argentina (1,6%).
A compras de carros híbridos chineses, por
exemplo, dispararam antes do aumento gradual da tarifa de importações. As
vendas de eletrônicos e químicos chineses também cresceram para o mercado
brasileiro.
Com isso, nos primeiros seis meses deste ano
o superavit do Brasil foi de US$ 12 bilhões na balança comercial com a China –
praticamente a metade do saldo obtido no mesmo período de 2024 e o menor desde
2019, como nota o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Ainda assim, esse montante correspondeu a 40%
do superavit total do comércio exterior brasileiro, ilustrando a dependência
brasileira nas trocas com a segunda maior economia do mundo.
As estatísticas publicadas pelo governo
chinês são bem diferentes das brasileiras, o que tem a ver com uma série de
fatores, incluindo inclusive onde o navio com as mercadorias ainda se encontra.
Pelos dados de Pequim, o comércio com o
Brasil fez foi cair 11,3% no primeiro semestre. Suas exportações teriam
diminuído 3,2% para o Brasil, enquanto suas compras no país teriam declinado
16,2%.
Certo mesmo é que a sanção anunciada por
Trump, ainda não implementada, já causou transtornos e prejuízos para
produtores brasileiros. Deixam de vender para os EUA e ao mesmo tempo veem
aumentar a concorrência chinesa no mercado brasileiro.
A China e os EUA, juntos, respondem por cerca de 40% das exportações e importações brasileiras. Para os EUA, quase metade das vendas brasileiras em 2024 foram concentradas em cinco produtos: petróleo, semiacabados de ferro/aço, ferro-gusa, café e aeronaves. Para a China, em soja, petróleo, minério de ferro, carnes e celulose.
Um estudo do Banco Central do Brasil,
publicado em junho, mostra como a China ganhou relevância nas importações
brasileiras. Em 2024 o volume importado da China foi 98% superior ao observado
em 2019, antes da pandemia de Covid. As importações foram particularmente
elevadas a partir de 2021 e aceleraram no ano passado. Em 2024, o Brasil foi o
país para onde a China mais aumentou as exportações, com alta de 22%.
Desde 2019 a China superou os EUA na venda de
produtos classificados como de alta e média/alta tecnologia.
Como mostra o BC, os preços de produtos
provenientes da China diminuíram 11% entre 2019 e 2024 (2,4% ao ano), enquanto
os preços de bens vindos do resto do mundo subiram 24% no período (4,4% ao
ano). Nesse contexto, diz o BC, os dados de volume e preços de importação
revelam que, mesmo antes da recente imposição das tarifas pelos EUA, a economia
brasileira já vem sendo afetada pela entrada expressiva de produtos chineses a
preços mais baixos.
O detalhamento do CEBC sobre o comércio
bilateral entre janeiro e junho mostra, em todo o caso, que a indústria de
transformação brasileira ganhou espaço nas vendas para a China, alcançando 20%
do total, ou 4 pontos percentuais a mais em relação ao mesmo período de 2024.
As exportações de terras raras nos primeiro
semestre chegaram ao triplo do valor vendido em todo o ano de 2024, mas ainda
somam modestos 6,7 milhões. As vendas de minério de cobre, ferro-liga e
manganês seguem em expansão. Já a exportação de petróleo tem a maior queda
desde 2020.
De outro lado, a indústria de transformação
responde por quase 100% das importações brasileiras provenientes da China. As
compras de laminados de aço tiveram forte crescimento. As compras de carros
híbridos passaram as de carros elétricos. A China é o principal fornecedor de
carros híbridos do Brasil, com 84% das importações nacionais.
A depender do impacto que as tarifas de Trump
continuarão a ter na economia mundial, algumas commodities poderão ser mais
afetadas.
Para o diretor do Departamento de
Estatísticas e Estudos de Comércio Exterior do MDIC (Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Herlon Brandão, ainda é cedo
para quantificar com precisão o tamanho do impacto da sanção anunciada por
Trump contra o Brasil.
Herlon explica que os modelos de previsão do
MDIC são atualizados trimestralmente com base em variáveis econômicas
observadas, como taxa de câmbio, preços internacionais e indicadores de
atividade econômica. Diz que eles não trabalham com cenários hipotéticos, como
anúncios de políticas que ainda não foram implementadas ou cujos efeitos ainda
não se manifestaram nos dados.
Se as tarifas nos EUA forem de fato
implementadas e tiverem impacto relevante sobre essas variáveis, os modelos
irão capturar esse movimento nas próximas atualizações, diz ele. A próxima
revisão está prevista para o início de outubro, quando o governo terá dados
mais consolidados para avaliar a magnitude de qualquer mudança.
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