segunda-feira, 21 de julho de 2025

Cenário complicado com sanção de Trump e mais vendas chinesas - Assis Moreira

Valor Econômico

Produtor nacional terá mais dificuldade para exportar para os EUA e mais pressão interna de produtos chineses

O governo brasileiro começou o ano projetando uma ligeira queda de 5% no saldo da balança comercial neste ano, ficando em torno de US$ 70 bilhões. Recentemente, na segunda previsão, em meio a persistentes turbulências na cena global, Brasília previu -32% no saldo comercial, encolhendo para US$ 50 bilhões, ou US$ 24 bilhões a menos do que em 2024.

Agora, a ameaça de sanção contra o Brasil anunciada por Donald Trump torna a situação ainda mais delicada, ao coincidir com um momento de retração do superavit brasileiro com a China, seu principal parceiro comercial.

Quando Trump deflagrou sua guerra comercial contra boa parte do mundo, e especialmente contra a China, na sua volta à Casa Branca, muita gente viu uma oportunidade para o Brasil ampliar rapidamente as exportações, estimando que boa parte podia tomar o rumo do mercado chinês.

Mas está acontecendo o contrário. O Brasil é que está sendo uma das alternativas da China para desovar excedentes de produção que não podem entrar nos EUA e na União Europeia (UE).

As exportações do Brasil para a China no primeiro semestre registraram a maior queda desde 2015. O recuo de 7,5% comparado ao mesmo período de 2024, foi provocado sobretudo pela desvalorização dos preços das principais commodities exportadas, como soja e minério de ferro.

Já as importações que o Brasil fez vindas da China aumentaram 22% na comparação com o primeiro semestre de 2024, um recorde. Superaram as altas de produtos importados pelo Brasil vindos dos EUA (11,5%), UE (4,5%) e Argentina (1,6%).

A compras de carros híbridos chineses, por exemplo, dispararam antes do aumento gradual da tarifa de importações. As vendas de eletrônicos e químicos chineses também cresceram para o mercado brasileiro.

Com isso, nos primeiros seis meses deste ano o superavit do Brasil foi de US$ 12 bilhões na balança comercial com a China – praticamente a metade do saldo obtido no mesmo período de 2024 e o menor desde 2019, como nota o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

Ainda assim, esse montante correspondeu a 40% do superavit total do comércio exterior brasileiro, ilustrando a dependência brasileira nas trocas com a segunda maior economia do mundo.

As estatísticas publicadas pelo governo chinês são bem diferentes das brasileiras, o que tem a ver com uma série de fatores, incluindo inclusive onde o navio com as mercadorias ainda se encontra.

Pelos dados de Pequim, o comércio com o Brasil fez foi cair 11,3% no primeiro semestre. Suas exportações teriam diminuído 3,2% para o Brasil, enquanto suas compras no país teriam declinado 16,2%.

Certo mesmo é que a sanção anunciada por Trump, ainda não implementada, já causou transtornos e prejuízos para produtores brasileiros. Deixam de vender para os EUA e ao mesmo tempo veem aumentar a concorrência chinesa no mercado brasileiro.

A China e os EUA, juntos, respondem por cerca de 40% das exportações e importações brasileiras. Para os EUA, quase metade das vendas brasileiras em 2024 foram concentradas em cinco produtos: petróleo, semiacabados de ferro/aço, ferro-gusa, café e aeronaves. Para a China, em soja, petróleo, minério de ferro, carnes e celulose.

Um estudo do Banco Central do Brasil, publicado em junho, mostra como a China ganhou relevância nas importações brasileiras. Em 2024 o volume importado da China foi 98% superior ao observado em 2019, antes da pandemia de Covid. As importações foram particularmente elevadas a partir de 2021 e aceleraram no ano passado. Em 2024, o Brasil foi o país para onde a China mais aumentou as exportações, com alta de 22%.

Desde 2019 a China superou os EUA na venda de produtos classificados como de alta e média/alta tecnologia.

Como mostra o BC, os preços de produtos provenientes da China diminuíram 11% entre 2019 e 2024 (2,4% ao ano), enquanto os preços de bens vindos do resto do mundo subiram 24% no período (4,4% ao ano). Nesse contexto, diz o BC, os dados de volume e preços de importação revelam que, mesmo antes da recente imposição das tarifas pelos EUA, a economia brasileira já vem sendo afetada pela entrada expressiva de produtos chineses a preços mais baixos.

O detalhamento do CEBC sobre o comércio bilateral entre janeiro e junho mostra, em todo o caso, que a indústria de transformação brasileira ganhou espaço nas vendas para a China, alcançando 20% do total, ou 4 pontos percentuais a mais em relação ao mesmo período de 2024.

As exportações de terras raras nos primeiro semestre chegaram ao triplo do valor vendido em todo o ano de 2024, mas ainda somam modestos 6,7 milhões. As vendas de minério de cobre, ferro-liga e manganês seguem em expansão. Já a exportação de petróleo tem a maior queda desde 2020.

De outro lado, a indústria de transformação responde por quase 100% das importações brasileiras provenientes da China. As compras de laminados de aço tiveram forte crescimento. As compras de carros híbridos passaram as de carros elétricos. A China é o principal fornecedor de carros híbridos do Brasil, com 84% das importações nacionais.

A depender do impacto que as tarifas de Trump continuarão a ter na economia mundial, algumas commodities poderão ser mais afetadas.

Para o diretor do Departamento de Estatísticas e Estudos de Comércio Exterior do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Herlon Brandão, ainda é cedo para quantificar com precisão o tamanho do impacto da sanção anunciada por Trump contra o Brasil.

Herlon explica que os modelos de previsão do MDIC são atualizados trimestralmente com base em variáveis econômicas observadas, como taxa de câmbio, preços internacionais e indicadores de atividade econômica. Diz que eles não trabalham com cenários hipotéticos, como anúncios de políticas que ainda não foram implementadas ou cujos efeitos ainda não se manifestaram nos dados.

Se as tarifas nos EUA forem de fato implementadas e tiverem impacto relevante sobre essas variáveis, os modelos irão capturar esse movimento nas próximas atualizações, diz ele. A próxima revisão está prevista para o início de outubro, quando o governo terá dados mais consolidados para avaliar a magnitude de qualquer mudança.


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