segunda-feira, 21 de julho de 2025

Hora de ser brasileiro – Fernando Gabeira

O Globo

Desejar uma unidade nacional que transcenda nossas divergências políticas não significa que elas desapareceram

Isso de ser brasileiro é estranho porque, às vezes, passa um tempo esquecido; às vezes, uma certa decepção com as elites políticas aborrece. Mas, ao contrário do verso de Drummond, há um momento em que todos os bares se abrem, e todas as virtudes se afirmam. A carta de Trump fixando uma tarifa absurda sobre os produtos brasileiros é um desses momentos. Como assim, logo o Brasil, que tem déficit comercial com os Estados Unidos?

Felizmente, sou carta fora do baralho em Brasília. Mas isso não me exime de pensar e fazer algo. É uma oportunidade para que todos façam, pois é um tipo de luta aberta a todos, por menor que seja a contribuição de cada um. Pelo menos é assim na visão estratégica que me parece adequada.

Creio que, apesar de certo conformismo nos Estados Unidos, ainda existe capacidade crítica no país. Dentro de nossos limites, precisamos despertá-la por meio de microiniciativas que podem ser cartas, mensagens, conversas em fóruns internacionais. Temos algo a dizer: somos um exemplo singular de injustiça e de truculência de Trump.

Minhas expectativas vão se confirmando progressivamente. No início, um Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, ressaltou o absurdo da medida. Outros economistas também a criticaram. Hillary Clinton, adversária de Trump na primeira campanha, se manifestou contra a decisão.

Em seguida, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos pediu revisão. Afinal, mais de 6 mil empresas americanas comerciam com o Brasil e serão atingidas pela tarifa draconiana. Em pouco tempo, a Justiça poderá ser acionada, pois a fixação de tarifas extraordinárias depende de condições legais. No caso brasileiro, estão ausentes.

Há uma luta de longo alcance a travar, e isso pode nos revigorar como país. Certamente, beneficia o governo, influencia as eleições e pode marcar nosso futuro, pelo menos até 2030.

Isso não significa que se deva concordar com tudo. Já fiz críticas à política externa de Lula, argumentando que não expressa a frente democrática que o levou ao poder. É algo dele e do PT. Mas essa é uma questão que tem de ser resolvida no debate democrático interno. Parceiros de Lula na frente, Alckmin e Simone Tebet jamais se pronunciaram, pois estão satisfeitos em seus cargos e não querem transtornos, como criticar Putin e sua política nefasta na Ucrânia.

Da mesma forma, a cruzada para desbancar o dólar parece um pouco voluntarista. O que mantém o dólar como padrão são fatores econômicos e políticos desde 1944, com o Acordo de Bretton Woods. Discretamente, em vez de discursar, a China criou um banco de pagamentos e negocia em sua própria moeda. Já alcança 4% do movimento mundial. Se, de um lado, não se derruba o dólar apenas com discurso, de outro, não se mantém o dólar na base da repressão, como quer fazer Trump. É algo que desafia a vontade de um governante.

De qualquer forma, desejar uma unidade nacional que transcenda nossas divergências políticas não significa que elas desapareceram. Significa apenas que podem ser tratadas num contexto democrático e apenas nele. De modo geral, sanções contra um país fortalecem governos e empobrecem o povo. Isso é válido para alguns, mas, no caso brasileiro, com uma economia mais poderosa, as chances de atenuar o baque econômico são maiores.

Resta esperar o resultado da investigação que os americanos farão no Brasil, baseados na Seção 301 do Trade Act. Ela é pensada para investigar países hostis aos interesses americanos. Será que o Brasil é realmente hostil? De qualquer forma, estamos diante de um processo longo e difícil. Começou um novo tempo — não nos afastemos uns dos outros.

A unidade nacional implica usar toda a nossa imaginação. Mas não pode se tornar um mecanismo de unanimidade forçada, sobretudo porque não há concordância total com a política externa do PT.

 

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