Valor Econômico
Corporações do serviço público buscam ficar a
salvo do ajuste fiscal e ter liberdade para autoconceder benefícios
Enquanto a sociedade se distrai com os
tarifaços de Trump ou as reviravoltas do processo contra Bolsonaro, a
deterioração fiscal e a apropriação de recursos públicos por grupos privados
correm soltas.
Na semana passada, usei este espaço para
denunciar os pagamentos de honorários para advogados públicos, que estavam
sendo realizados em valores superiores a centenas de milhares de reais sem a
divulgação no portal de transparência do governo federal desde novembro do ano
passado.
Num caso raro de resposta rápida a uma cobrança pública, que foi amplificada por reportagens em diversos veículos de imprensa, o governo disponibilizou as informações sobre os valores na quinta-feira. No dia seguinte, uma procuradora da Fazenda Nacional que recebeu R$ 193.226,92 em honorários apenas no mês de janeiro deste ano me procurou numa rede social para me acusar de estar agindo em nome dos grandes escritórios de advocacia da Faria Lima para “sucatear os serviços públicos”.
Entre acusações pessoais, a procuradora usou
um argumento repetido à exaustão pelos integrantes da AGU e das procuradorias
da Fazenda, do Banco Central e de autarquias federais. Para eles, os honorários
usados para turbinar os seus rendimentos são “verba privada” - ou seja, na sua
visão, não integram o orçamento público.
Desde 2017 a União já transferiu, em valores
corrigidos pelo IPCA, mais de R$ 18,5 bilhões à associação privada (!!!) que
administra os pagamentos aos integrantes das suas carreiras. Apesar de ser uma
aberração, a apropriação de recursos públicos ameaça se tornar uma tendência
entre a elite do serviço público brasileiro.
Na quarta-feira (16) o plenário da Câmara dos
Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 1872/2025, que cria o Fundo de
Fortalecimento da Cidadania e Aperfeiçoamento do Ministério Público da União.
Para quem acompanha a fábrica de privilégios que é o Estado brasileiro, fica
uma dica: sempre desconfie dos nomes bonitos, principalmente aqueles que usam
“cidadania”, “democracia”, “social” e afins - é bandeira vermelha de que vem
alguma tungada no Erário ou, de forma direta, no contribuinte brasileiro.
O fundo do Ministério Público não tem nada de
medida para fortalecer a cidadania. Seu objetivo é garantir para o MPU recursos
orçamentários, receitas de inscrições de concursos e ainda 10% da arrecadação
de custas judiciais, multas aplicadas pela Justiça e alienação de bens
considerados abandonados. Tal qual acontece com o Conselho Curador dos
Honorários Advocatícios, a gestão do montante arrebanhado pelo fundo do MPU
ficará totalmente a cargo de integrantes do órgão, sem nenhuma supervisão de
representantes externos à corporação.
Em termos práticos, se virar lei, o fundo
garantirá ao MPU a liberdade para administrar recursos bilionários que ficarão
a salvo das imposições dos ajustes fiscais. E muito embora a versão final
aprovada pela Câmara tenha vedado a aplicação das receitas do fundo com
despesas de pessoal, não será surpresa se essa trava for retirada ou
simplesmente ignorada no futuro.
A corrida pela privatização do orçamento
público é generalizada entre as carreiras (ou seriam castas?) do serviço
público. Proposta parecida está na pauta da Câmara contemplando a Defensoria
Pública da União (com seu “Fundo de Fortalecimento do Aceso à Justiça e
Promoção dos Direitos Fundamentais”, mais um nome bonito). Da mesma forma,
magistrados, delegados da Polícia Federal, auditores da Receita Federal e
técnicos do Banco Central, entre outras corporações, têm propostas para
assegurar para si a destinação de recursos a fundos parafiscais que poderão ser
administrados livremente.
Essa situação se replica nos Estados. No fim
de 2024, o governador Romeu Zema (Novo-MG) sancionou lei criando fundos para o
Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia-Geral do Estado
mineiros. Para turbinar esses instrumentos financeiros, além de dotações
orçamentárias repassadas pelo Estado, a norma garante aos respectivos órgãos
parte do valor recolhido com emolumentos cartoriais e valores provenientes de
acordos firmados com entes públicos ou privados - aí incluídos os famosos
Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).
Os fundos do MP, da Defensoria e da AGE
mineiros poderão ser utilizados para múltiplas funções, desde a construção e
reforma de imóveis até a aquisição de equipamentos e o treinamento de pessoal.
No rol de possibilidades de uso do dinheiro do fundo consta a “realização de
despesas de caráter indenizatório”. Em outras palavras: o MP, a Defensoria e a
AGE deram um jeito de assegurar recursos para pagar, com total liberdade, os
penduricalhos milionários para promotores, procuradores e defensores públicos.
Nesta lógica privatizante do orçamento levada
a cabo pelas instituições que deveriam zelar pela boa aplicação dos recursos
públicos, em breve precisaremos trocar o lema da bandeira nacional: sai o
“Ordem e Progresso” e deveria entrar o “Farinha Pouca, Meu Pirão Primeiro”. É
muito mais apropriado.
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