segunda-feira, 21 de julho de 2025

A favela paga. O Estado não retorna - Preto Zezé

O Globo

É preciso parar de tratar o consumo das periferias como fonte de receita e enxergar esses territórios como prioridade

No Brasil, é sempre a mesma história: quando o governo precisa arrecadar mais, olha para baixo. O recente tarifaço sobre o IOF é mais uma prova disso. O imposto, cobrado sobre operações financeiras como crédito, seguros e câmbio, poderia ser um mecanismo para tributar fortunas e grandes transações financeiras. Mas, na prática, quem sente o peso são os pequenos empreendedores, os trabalhadores endividados e as famílias das favelas.

Dados do Data Favela mostram que as favelas brasileiras têm uma renda total de R$ 300 bilhões ao ano, valor maior que a renda de 22 estados brasileiros e que o PIB de países como Paraguai ou Bolívia. É uma economia pulsante, criativa, capaz de gerar empregos e renda. Mas é também uma economia que sobrevive a duras penas, com acesso restrito a crédito e a juros muito mais altos que os praticados para grandes empresas.

Quando o IOF sobe, os juros bancários aumentam. O carnê da máquina de costura fica mais caro. O empréstimo para comprar mercadoria para o salão de beleza sobe. A prestação para reformar a laje pesa mais. Enquanto isso, as grandes empresas continuam beneficiadas por bilhões em isenções fiscais, segundo a Receita Federal. Os ricos seguem blindados, e as favelas pagam a conta.

O sistema tributário brasileiro continua invertido. Tributa pesadamente consumo e renda baixa, alivia para lucros, dividendos e patrimônios bilionários. Isso aprofunda desigualdades, sufoca a base da economia e perpetua um racismo estrutural que criminaliza a pobreza e subsidia a elite.

Favela não é problema. É solução. São as economias locais que mantêm as cidades vivas, reinventam empregos, movem o comércio de bairro. Quando essas economias são sufocadas por impostos e juros abusivos, o país inteiro perde.

É hora de encarar a discussão sobre justiça fiscal no Brasil. Não basta taxar os invisíveis. É preciso olhar para onde a riqueza realmente está e cobrar de quem pode pagar. As favelas já deram prova do seu potencial e da sua resiliência. Só falta o Estado deixar de ser sócio da desigualdade.

Isso passa por mudança na lógica de arrecadação e investimento público. O Estado precisa parar de tratar o consumo das periferias como fonte de receita e passar a enxergar esses territórios como prioridade de investimento. Cada real investido em educação, infraestrutura e crédito acessível nas favelas retorna multiplicado para a sociedade como um todo.

Não se constrói um país justo penalizando quem menos tem. A justiça fiscal é o primeiro passo para um Brasil mais igual, mais democrático e mais forte. As favelas não podem continuar pagando a conta sozinhas, enquanto o topo da pirâmide segue ileso. Está na hora de inverter essa lógica — e começar a cobrar a fatura de quem sempre saiu com o troco.

Sem justiça fiscal, não há justiça social — e, sem isso, não há democracia que se sustente.


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