Coisa de mafiosos
O Estado de S. Paulo
Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha a democracia
O presidente americano, Donald Trump, enviou carta ao presidente Lula da Silva para informar que pretende impor tarifa de 50% para todos os produtos brasileiros exportados para os EUA. Da confusão de exclamações, frases desconexas e argumentos esquizofrênicos na mensagem, depreende-se que Trump decidiu castigar o Brasil em razão dos processos movidos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado e também por causa de ações do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas que administram redes sociais tidas pelo STF como abrigos de golpistas. Trump, ademais, alega que o Brasil tem superávit comercial com os EUA e, portanto, prejudica os interesses americanos.
Não há outra conclusão a se tirar dessa mixórdia: trata-se de coisa de mafiosos. Trump usa a ameaça de impor tarifas comerciais ao Brasil para obrigar o País a se render a suas absurdas exigências.
Antes de mais nada, os EUA têm um robusto superávit comercial com o Brasil. Ou seja, Trump mentiu descaradamente na carta para justificar a medida drástica. Ademais, Trump pretende interferir diretamente nas decisões do Judiciário brasileiro, sobre o qual o governo federal, destinatário das ameaças, não tem nenhum poder. Talvez o presidente dos EUA, que está sendo bem-sucedido no desmonte dos freios e contrapesos da república americana, imagine que no Brasil o presidente também possa fazer o que bem entende em relação a processos judiciais.
Ao exigir que o governo brasileiro atue para interromper as ações contra Jair Bolsonaro, usando para isso a ameaça de retaliações comerciais gravíssimas, Trump imiscui-se de forma ultrajante em assuntos internos do Brasil. É verdade que Trump não tem o menor respeito pelas liturgias e rituais das relações entre Estados, mas mesmo para seus padrões a carta endereçada ao governo brasileiro passou de todos os limites.
A reação inicial de Lula foi correta. Em postagem nas redes sociais, o presidente lembrou que o Brasil é um país soberano, que os Poderes são independentes e que os processos contra os golpistas são de inteira responsabilidade do Judiciário. E, também corretamente, informou que qualquer elevação de tarifa por parte dos EUA será seguida de elevação de tarifa brasileira, conforme o princípio da reciprocidade.
Esse espantoso episódio serve para demonstrar, como se ainda houvesse alguma dúvida, o caráter absolutamente daninho do trumpismo e, por tabela, do bolsonarismo. Para esses movimentos, os interesses dos EUA e do Brasil são confundidos com os interesses particulares de Trump e de Bolsonaro. Não se trata de “América em primeiro lugar” nem de “Brasil acima de tudo”, e sim dos caprichos e das ambições pessoais desses irresponsáveis.
Diante disso, é absolutamente deplorável que ainda haja no Brasil quem defenda Trump, como recentemente fez o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que vestiu o boné do movimento de Trump, o Maga (Make America Great Again), e cumprimentou o presidente americano depois que este fez suas primeiras ameaças ao Brasil por causa do julgamento de Bolsonaro.
Vestir o boné de Trump, hoje, significa alinhar-se a um troglodita que pode causar imensos danos à economia brasileira. Caso Trump leve adiante sua ameaça, Tarcísio e outros políticos embevecidos com o presidente americano terão dificuldade para se explicar com os setores produtivos afetados.
Eis aí o mal que faz ao Brasil um irresponsável como Bolsonaro, com a ajuda de todos os que lhe dão sustentação política com vista a herdar seu patrimônio eleitoral. Pode até ser que Trump não leve adiante suas ameaças, como tem feito com outros países, e que tudo não passe de encenação, como lhe é característico, mas o caso serve para confirmar a natureza destrutiva desses dejetos da democracia.
Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump, de Bolsonaro e de seus associados liberticidas. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros, seja qual for o partido em que militam, não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha os ideais da democracia.
A nova investida petista no BNDES
O Estado de S. Paulo
Decisão do banco estatal de voltar a comprar participações acionárias em empresas, sob pretexto de incentivar a inovação, lembra política estatólatra malsucedida dos ‘campeões nacionais’
O anúncio de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltará ao mercado acionário, investindo diretamente no capital de empresas de variados portes e setores, é capaz de provocar desconfiança até no observador mais ingênuo. Mesmo com o cuidado de destacar que a retomada será dirigida a projetos de inovação e economia verde, o comunicado do banco remete inevitavelmente à época da política das “campeãs nacionais”, de gestões petistas passadas, quando dezenas de bilhões de reais foram aportados em companhias “eleitas” pelo BNDES.
A apreensão aumenta diante da declaração do presidente do banco, Aloizio Mercadante, de que, depois de dez anos sem investimentos em renda variável, “o governo do presidente Lula retoma a missão da BNDESPar de desenvolver o País com o fortalecimento do mercado de capitais”. Fala como se os empréstimos de mais de R$ 440 bilhões do Tesouro Nacional ao banco entre 2008 e 2014 – em parte usados em operações de compra de participações – tivessem produzido um mercado de capitais pujante, o que obviamente não é o caso.
Em 2015, a BNDESPar – subsidiária do banco que administra as participações acionárias da instituição – tinha posição em 125 empresas dos mais diversos setores, como telecomunicações, alimentos, varejo, energia, mineração, siderurgia, logística, tecnologia da informação, enfim, uma infinidade de áreas. A partir de 2016, no governo Michel Temer, o banco passou a adotar outra política, buscando sair de empresas consideradas maduras, que já não precisavam do apoio da instituição.
Hoje, a carteira da BNDESPar reúne participações em 13 companhias listadas em bolsa de valores a um valor total de R$ 78,7 bilhões (março/2025). Detém, ainda, R$ 5,6 bilhões em outras 67 companhias fechadas ou com baixa liquidez. De algumas é sócia há 50 anos, como a Metanor, petroquímica da qual a Petrobras se retirou no ano passado; outras já tiveram falência decretada, como a Mesbla, que passou a atuar como marketplace. Há, ainda, participações consideradas “estratégicas”, como Eletrobras e Petrobras, mesmo que não haja uma noção clara de tal estratégia.
Durante o período em que o BNDES atuou agressivamente no mercado acionário ficaram notórios casos como o da indústria de alimentos JBS, que recebeu do banco R$ 8,1 bilhões em compra de ações. A participação da BNDESPar na empresa chegou a 22,17%, reduzida depois para 20,81% e mais recentemente – cerca de um mês antes do anúncio do restabelecimento da política acionária – para 18,18%. Apesar dos questionamentos que cercaram as operações, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que não houve irregularidades. O BNDES, por sua vez, alegou ter obtido retorno significativo com a participação.
E é aí que reside a questão de fundo sobre o papel que cabe ao banco de fomento federal: como instrumento de desenvolvimento, é papel do BNDES incentivar projetos de infraestrutura que contribuam para reduzir custos de produção, logística e transporte no País, o conhecido custo Brasil, que dificulta a competitividade das empresas nacionais. Também é razoável que se dedique a corrigir falhas de mercado que emperrem financiamentos a determinadas iniciativas. No entanto, é difícil encontrar justificativa para fazer do Estado acionista de empresas privadas, a não ser pela visão estatólatra do lulopetismo.
Até o fim do ano, a BNDESPar pretende investir R$ 10 bilhões em ações de empresas, diretamente ou por meio de fundos de participações. É muito dinheiro em curto prazo. E mesmo o banco ressaltando que utilizará recursos de vendas de outras participações e dividendos, não há como desvincular a ação do erário público. Afinal, o único acionista do banco é o Tesouro, o caixa que concentra os recursos pagos pelos contribuintes brasileiros.
Fomentar inovação é função do banco, e para isso existem fundos específicos, como o Criatec. A chamada economia verde está também no foco econômico mundial, e o apoio do BNDES a iniciativas do tipo é justificável. Mas o ingresso na composição acionária de empresas é um caminho no mínimo questionável.
A volta da Petrobras petista
O Estado de S. Paulo
Estatal retoma obra bilionária em meio a comício no qual Lula diz que será reeleito ‘pelos braços do povo’
O roteiro foi cuidadosamente planejado para a Petrobras dar a Lula da Silva o palco de que precisava para um anúncio espalhafatoso de investimento durante uma esvaziada cúpula do Brics, no Rio de Janeiro. A notícia só não foi bombástica porque, por exigências legais, teve de ser comunicada ao mercado no dia anterior e detalhada pela presidente da companhia, Magda Chambriard. Mas os R$ 9 bilhões adicionais que a Petrobras vai destinar ao Complexo de Energias Boaventura, o antigo Comperj, representam 45% a mais no volume previsto de R$ 20 bilhões e abre a temporada dos “megaprojetos”, tão ao gosto do petista.
O palanque foi armado na refinaria Duque de Caxias (Reduc) e, no comício fora de época, Lula fez acenos à classe média e ao agronegócio, garantiu que a taxa de juros vai cair e confirmou, mais uma vez, que pretende se lançar à reeleição: “Se preparem, porque se tudo tiver como estou pensando, este país vai ter pela primeira vez um presidente eleito quatro vezes pelos braços do povo”. Soou quase como ameaça.
O Complexo de Energias Boaventura, em Itaboraí (RJ), é o item mais caro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, quando ainda era Comperj, foi o maior símbolo da corrupção revelada pela Lava Jato em gestões petistas. O projeto, de 2006, previa um polo petroquímico e de refino cercado por fábricas, formando uma verdadeira cidade industrial do segmento de plásticos. Em sua versão mais ambiciosa, o projeto chegou a ser avaliado em mais de US$ 26 bilhões. Em 2017, o Tribunal de Contas da União já avaliava o prejuízo com as obras em US$ 12,5 bilhões (ao câmbio atual, cerca de R$ 67 bilhões).
A revolução que o complexo causaria na indústria petroquímica nacional ficou somente nos delírios lulopetistas. No ano passado, Lula da Silva “inaugurou” o polo, 16 anos depois das primeiras obras de terraplenagem, com apenas uma unidade de processamento de gás. Agora, a Petrobras dá sequência ao plano de integração do complexo de Itaboraí com a Reduc, e a presidente da companhia já se refere à obra como “megaprojeto” com promessa (mais uma vez) de dezenas de milhares de empregos. Mereceu do chefe um elogio bem ao estilo de Lula, que disse que a executiva, a despeito de parecer “bobinha”, tem “inteligência tratada de veneno”.
Entre promessas, bravatas e projetos faraônicos, o lulopetismo prepara para 2026 a campanha de um presidente que não consegue ganhar a confiança popular exatamente por insistir em repetir iniciativas que deixaram um rastro de prejuízos incalculáveis para o País, além de ficarem marcadas de forma indelével pela pecha da corrupção. Assombra a naturalidade com que Lula recorre de novo à Petrobras em suas apostas arriscadas. Demorou muito até que a Petrobras recuperasse sua vitalidade depois da razia petista, e em grande medida isso se deveu à desistência de investimentos irracionais – que, ao que tudo indica, estão de volta.
O Globo
Uso de conteúdo jornalístico sem autorização
não passa de roubo — e assim deve ser tratado pelas autoridades
Mais uma vez legisladores e autoridades se mostram incapazes de dar conta do avanço tecnológico. Como revelou O GLOBO, reportagens e artigos jornalísticos passaram a ser copiados por plataformas digitais ou sites sem autorização nem pagamento de direitos autorais. Robôs de inteligência artificial (IA) fornecem resumos ou simplesmente reproduzem o conteúdo, às vezes até com a marca da publicação. São jornais sem jornalismo. Faturam com a audiência gerada, sem gastar um centavo. “São parasitas que capturam conteúdo e tentam se beneficiar dele, o que é claramente ilegal”, diz Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
A pirataria é praticada em todo o mundo, seja
por pequenas organizações que montam sites oportunistas com conteúdo roubado,
seja por grandes plataformas digitais com festejados modelos de IA. Nos Estados
Unidos, o jornal The New York Times processou a OpenAI e sua sócia Microsoft
pela invasão de seus arquivos para treinar o ChatGPT. O Times bloqueou acesso
de sistemas de IA — decisão que, no Brasil, também foi tomada pelos veículos do
Grupo Globo. Mas as ameaças persistem. Como mostrou a reportagem do GLOBO,
colunas e artigos continuam a ser copiados sem autorização.
A revista Wired revelou que a plataforma
Perplexity driblou as barreiras de proteção da Forbes, publicação americana de
economia e negócios, para produzir textos sem autorização. No ano passado, a
mesma plataforma foi processada pela News Corp por surrupiar conteúdos do Wall
Street Journal e do New York Post.
Na União Europeia, três entidades abriram
processo contra o Google, acusando o novo serviço AI Overview, oferecido em cem
países (Brasil inclusive), de editar textos resumidos a partir de conteúdo
capturado sem autorização. Há também ações nos Estados Unidos pelo mesmo
motivo, mostrando que o sistema tem reduzido a procura pelos sites de onde o
Google copia os textos para resumir. O prejuízo causado é duplo. Primeiro, a
plataforma não paga direitos autorais. Segundo, provoca queda de tráfego nos
sites, resultando em queda na receita publicitária. É um golpe para qualquer
veículo da imprensa profissional, pois prejudica sua capacidade de produzir
reportagens originais e de investigar fatos inéditos.
As plataformas de IA repetem o comportamento
de rapina voraz com que foram construídos os mecanismos de busca. Para
discipliná-los, vários países aprovaram legislação exigindo que produtores de
conteúdo autorizassem seu uso em tais sistemas, recebendo por isso. Primeiro na
Austrália, depois na Europa, no Canadá e nos Estados Unidos, a mobilização de
empresas de jornalismo profissional resultou em diversos acordos de remuneração
— caso da News Corp com Google, Apple e Meta. Esse é o caminho a seguir. Qualquer
que seja o arranjo — remunerado ou não —, não pode se repetir com a IA o
ocorrido com mecanismos de busca.
Trata-se de problema global, por isso foi
positiva a defesa da remuneração do jornalismo profissional, incluída na
declaração final da reunião do Brics no Rio de Janeiro. É essencial que
produtores do conteúdo estejam de acordo com qualquer uso que dele se faça. No
Brasil, há projetos de lei impondo tal exigência. Devem ser aprovados. O uso de
conteúdo alheio sem autorização não passa de roubo. Assim deve ser tratado
pelos legisladores e pela Justiça.
Confusão em torno do Jaé é reflexo da inépcia
de estado e município
O Globo
Exigir novo bilhete carioca sem integrar
transportes gera transtorno ao usuário e prejuízo ao planejamento
É patética a confusão em torno do lançamento
do cartão Jaé,
exigido desde o último fim de semana para usuários com direito a gratuidade nos
transportes municipais do Rio de Janeiro —
ônibus, BRT, VLT e vans. A obrigatoriedade será estendida a todos os
passageiros a partir de 2 de agosto. Quem usa trens, metrô, barcas e ônibus
intermunicipais, sob controle do estado, precisará ter outro cartão.
Trata-se de uma irracionalidade. A exigência
de dois cartões é incompatível com as boas práticas de qualquer metrópole. É
incompreensível a incapacidade de município e estado se entenderem para
integrar seus sistemas. É verdade que há negociações em andamento, mas o
bilhete unificado deve ser pré-condição em qualquer mudança, não objeto de
tratativas intermináveis. São Paulo tem seu Bilhete Único, Paris o Navigo,
Londres o Oyster, e todos funcionam há anos praticamente em qualquer meio de
transporte. No Rio? Os passageiros que se virem.
O Jaé foi lançado em julho de 2023 como parte
de uma mudança para conferir à prefeitura o controle dos dados e da operação
dos transportes. Até então, ela se baseava em informações das próprias
empresas, e isso prejudicava o planejamento. A ideia é que, a partir de agora,
haja maior transparência. É uma medida bem-vinda, uma vez que o cálculo de
tarifa e subsídios precisa ser feito com base em informações precisas. Mas,
antes disso, é preciso haver coordenação com o governo estadual. Do contrário,
as informações terão valor reduzido para planejamento. Como prever as
necessidades de quem usa van e metrô ou VLT e barca?
A implantação do Jaé já sofreu pelo menos
quatro adiamentos por motivos diversos: demora nos testes, atraso na instalação
de validadores (investimento desnecessário se o bilhete fosse unificado),
pendências jurídicas envolvendo as empresas de ônibus ou dificuldades para
comprar o cartão. A prefeitura se mostra despreparada. Prova disso foi o caos
no posto de cadastramento de Botafogo. Como mostrou reportagem do GLOBO, a
aglomeração e a espera revoltaram os usuários, na maioria idosos. Muitos foram
obrigados a ir pessoalmente em razão das falhas no cadastro biométrico da
prefeitura. A pedido do MP, a Justiça suspendeu a exigência do cartão para
idosos.
Problemas são esperados, mas dois anos são
tempo suficiente para que prefeitura e estado tivessem chegado a entendimento.
É lamentável que o Rio, cidade com mais de 6,2 milhões de habitantes e polo
turístico, dificulte a vida de quem usa transporte público. A prefeitura tem
dito que usuários do Bilhete Único Intermunicipal (para cidadãos com renda de
até R$ 3,2 mil), administrado pelo estado, poderão passá-lo nos validadores
municipais. É pouco. Os sistemas precisam ser totalmente integrados, de modo a beneficiar
a todos, de preferência com integração de tarifas e alívio no preço das
passagens. É improvável que se consiga em três semanas o que não se conseguiu
em dois anos. Mas é preciso persistir na busca de consenso. Que os exemplos
nacionais e internacionais bem-sucedidos sirvam de inspiração.
Para Plano Safra melhorar, é preciso a queda
na Selic
Valor Econômico
Plano bilionário não agradou o setor
agropecuário que critica o volume de recursos oferecidos, que não acompanhou a
inflação, e os juros elevados
O anúncio de um Plano Safra bilionário na
semana passada não ajudou a amenizar as relações geralmente tensas entre o
setor agropecuário e o governo. As queixas foram várias, e mesmo quem critica
os gastos governamentais reclamou mais ajuda. Os produtores consideraram o
volume de dinheiro oferecido pequeno e os juros praticados elevados, apesar de
inferiores à taxa básica, a Selic. A expectativa do setor, que prevê que o
agronegócio vai representar 29% do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e
quase metade das receitas das exportações, era de um tratamento mais compatível
com essa importância.
O Plano Safra 25/26 será de R$ 594,4 bilhões,
dos quais R$ 516,2 bilhões para os médios e grandes produtores e R$ 78,8
bilhões para a agricultura familiar. Serão pouco menos de R$ 10 bilhões a mais,
ou 1,69% acima dos R$ 584,5 bilhões da safra anterior, correção abaixo dos
5,32% da inflação do período.
Os juros do novo Plano Safra subiram entre
1,5 e 2 pontos percentuais, em comparação com os 4,5 pontos de reajuste da
Selic, que passou de 10,5% a 15% ao ano nesse intervalo de tempo. A taxa e o
ajuste aplicado ao crédito rural variam conforme a estratégia do governo para a
linha. As linhas de financiamento para conversão de pastagens e para
infraestrutura de armazenagem até 12 mil toneladas subiram 1,5 ponto
percentual. Produtores rurais que adotam práticas sustentáveis podem ter
desconto de até meio ponto percentual no juro cobrado. Houve aumento na oferta
de recursos para armazenagem, um dos gargalos da logística para o escoamento
das safras recordes que o Brasil vem conseguindo.
Para investimentos, os juros vão variar entre
8,5% e 13,5%. A expectativa do próprio governo e dos produtores é que a demanda
de recursos por investimentos vai diminuir, dado o patamar de juros. Por isso,
o montante para essa finalidade foi reduzido em 5%, de R$ 107,3 bilhões da
safra 2024/25 para R$ 101,5 bilhões na nova temporada.
Os recursos aumentaram, sobretudo, para o
custeio, de R$ 401,3 bilhões para R$ 414,7 bilhões. Para os médios produtores,
a linha Pronamp vai crescer de R$ 65,2 bilhões para R$ 69,1 bilhões, mas os
juros também vão subir de 8% para 10%. Para os grandes produtores, o crédito
disponível irá de R$ 443,4 bilhões para R$ 447 bilhões, sendo a taxa elevada de
12% para 14%.
As críticas foram imediatas, muitas vezes sem
esconder o tom político. O principal ponto foi o volume de recursos oferecidos,
que não acompanhou a inflação com o aumento de 3% no caso da agricultura
familiar e de 1,5% nas linhas para os produtores empresariais. A escalada dos
juros também desagradou, embora reconheçam as limitações causadas pela própria
elevação da Selic, de resto criticada pelo próprio ministro da Agricultura,
Carlos Fávaro.
Para os agricultores, os juros são resultado
das fragilidades fiscais, que também criam o receio de que os seguidos
contingenciamentos orçamentários que o governo tende a fazer para respeitar o
arcabouço fiscal prejudiquem a liberação dos recursos prometidos.
Na prática, dos R$ 516,2 bilhões anunciados
para a agricultura empresarial, a grandes e médios produtores, somente R$ 113,8
bilhões são recursos a juros controlados pelo governo, de toda forma acima dos
R$ 92,8 bilhões do Plano Safra anterior. O restante, ou seja, 78%, são juros de
livre mercado, calcula a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do
Sul (Farsul). Somados aos recursos de custo controlado sem equalização, como os
depósitos à vista, chega-se a R$ 189 bilhões.
O que sai, de fato, dos cofres públicos para
que o produtor consiga acessar o crédito a taxas mais baixas é o recurso para
equalização dos juros do patamar de mercado para os níveis oferecidos pelo
Plano Safra. Nesta temporada, o valor de equalização chegará a R$ 13,5 bilhões,
sendo R$ 9,5 bilhões para a agricultura familiar e R$ 3,9 bilhões para os
grandes e médios produtores.
A ausência de referência ao Programa de
Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) foi outro foco de crítica do setor da
agropecuária. O ministro Fávaro prometeu novidades em setembro. Mas o grande
receio dos produtores é de falta de recursos por motivos fiscais. O orçamento
do PSR sofreu corte e congelamento de cerca de R$ 435 milhões em 2024,
reduzindo os recursos previstos em R$ 1,06 bilhão. Somente R$ 67 milhões foram
acessados pelo setor produtivo, pouco mais de 6% do total.
Na prática, o governo teve que recorrer a
alguma ginástica orçamentária para pôr de pé o Plano Safra. “Eu não posso
inventar dinheiro”, chegou a dizer o subsecretário de Política Agrícola e
Negócios Agroambientais da Pasta, Gilson Bittencourt (Valor 4/7), negando que
tenha feito alguma pedalada fiscal.
Além das restrições orçamentárias, houve
escassez de recursos nas fontes tradicionais do crédito rural, seja por
comprometimento com prorrogações de operações ou pela fuga de investidores de
aplicações como a poupança rural. A saída foi aumentar as exigibilidades dos
depósitos à vista, atualmente de 31,5%, e das Letras de Crédito do Agronegócio
(LCA), de 50% para 60%, o que pode liberar cerca de R$ 64 bilhões
adicionais sem custo direto ao Tesouro.
O governo buscou encurtar prazos de reembolso
de operações de crédito e dividir a aplicação dos recursos equalizados em duas
partes: uma no primeiro semestre do Plano Safra, de julho a dezembro, e a outra
de janeiro a julho de 2026, já com outra verba orçamentária. A regra será
divulgada na portaria do Ministério da Fazenda. Haverá autorização para
empréstimo de cerca de 80% do custeio e 50% dos investimentos equalizados até
dezembro, cujo custo será de R$ 1,3 bilhão em 2025. O restante fica para o Orçamento
do próximo ano. Para o custo menor se confirmar, o governo conta com a queda da
Selic no longo prazo.
Demagogia avilta debate sobre justiça
tributária
Folha de S. Paulo
Governo acerta ao rever privilégios, mas não
em cobrir gastos com mais carga; melhorar distribuição nada tem a ver com IOF
O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) não é nem
nunca será um instrumento de justiça tributária. Ele incide sobre transações
como empréstimos e financiamentos, com a finalidade de torná-las mais caras ou
baratas conforme os objetivos da política econômica. Quando é elevado, onera o
crédito, com custos para empresas e famílias, ricos e pobres.
Ao tentar promover uma alta de alíquotas para
tapar um buraco no Orçamento, o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) desvirtuou
os objetivos do tributo. Agora, ao querer transformar
a medida em cavalo de batalha pela distribuição de renda, propaga
falsidades que aviltam um debate político essencial.
O sistema tributário brasileiro está, sim,
repleto de injustiças. Da arrecadação pública total, uma fatia muito elevada,
de ao menos 40%, provem de impostos e contribuições incidentes sobre o consumo
—o que é regressivo, ou seja, onera proporcionalmente mais os pobres.
Já no Imposto de
Renda, o tributo de maior vocação progressiva, há brechas de todo tipo que
favorecem os mais abonados. Estes, porém, não são apenas os grandes
bilionários, como martela a retórica petista de forma demagógica e caricatural.
Os ajustes necessários no IR vão muito além
de isentar uns e taxar outros. Há que discutir a situação de pessoas jurídicas
e terceirizados, a distribuição de dividendos, que não afeta só grandes
empresários, e deduções de gastos com saúde e educação, que beneficiam uma
assim chamada classe média na qual está grande parte dos 10% mais ricos.
Uma agenda de justiça tributária deveria
buscar a diminuição do peso do consumo como base de arrecadação e o aumento do
peso da renda, além de rever os subsídios excessivos para setores e atividades.
Não há grande margem para elevar a carga total, que ronda já excessivos 33% do
PIB, mas há de sobra para uma distribuição menos iníqua.
A reforma dos tributos sobre o consumo
mostrou mais uma vez como o Congresso Nacional —da esquerda à oposição de
direita que usa o discurso liberal para rechaçar mais impostos— é receptivo
a lobbies
de grupos influentes que desejam preservar seus privilégios. Quanto mais
pessoas e empresas livres de taxação, maior será o custo para as demais.
Nesse sentido, foram corretas, se analisadas
isoladamente, muitas das iniciativas do governo Lula para rever benefícios
tributários. O erro da administração petista é fazer crer que será possível,
econômica e politicamente, elevar indefinidamente a carga tributária para fazer
frente a uma alta contínua do gasto público.
Assim, proliferam discursos simplórios e
maniqueístas de lado a lado, como se qualquer imposto fosse a redenção dos
desvalidos ou um assalto ao contribuinte. O discurso fácil pode ter apelo
eleitoral, mas em nada contribui para a compreensão e o enfrentamento das
injustiças tributárias que grassam no país.
Pé-de-Meia no Orçamento
Folha de S. Paulo
Programa para conter evasão no ensino médio é
meritório, mas só é sustentável se estiver incluído nos limites para gastos
A má gestão das contas públicas, além de
pressionar inflação e juros, também
impacta setores fundamentais como saúde e educação. O
resultado é o recurso a improvisos para custear programas de forma pouco
transparente.
Um deles é o Pé-de-Meia, de 2024, que oferece
ajuda financeira a alunos pobres do ensino médio. A iniciativa, criada como
marca de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) no ensino, encontra respaldo entre especialistas por contribuir para a
redução da evasão escolar, que é alta nessa etapa.
O custo do programa em 2025 é de R$ 12
bilhões. Neste mês, o Ministério
do Planejamento enviou pedido ao Congresso
Nacional para retirar R$ 685,9 milhões de R$ 1,5 bilhão destinado ao
apoio à escola de tempo integral e
direcioná-los ao Pé-de-Meia.
Isso porque os recursos do ensino integral
vêm do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que
não está sujeito às limitações das regras fiscais como as demais despesas do
Orçamento.
Essa modalidade de ensino melhora a
aprendizagem e também ajuda na diminuição da evasão, ao aumentar a carga
horária e adaptar o currículo aos interesses do alunado. Sua execução cabe
basicamente a estados e municípios, recebendo apenas suporte do Ministério da
Educação (MEC).
O problema revelado pela manobra do governo
federal em busca de recursos está no financiamento do Pé-de-Meia.
As verbas para o lançamento do programa foram
alocadas em fundos de natureza jurídica privada —uma gambiarra para driblar os
limites ao gasto público, já que assim os desembolsos não transitam pelo
Orçamento.
Do total previsto para o programa neste ano,
só R$ 1 bilhão entrou na lei orçamentária de 2025, aprovada em março.
Em junho, por meio de medida provisória
destinada a reduzir o rombo fiscal, o governo estabeleceu que, a partir de
2026, os pagamentos do Pé-de-Meia passarão a ser contabilizados para o
cumprimento do piso constitucional de gastos com educação, equivalente a 18% da
receita líquida de impostos. A MP ainda precisa ser votada pelo Congresso.
Em fevereiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) liberou
recursos do programa que havia bloqueado e deu 120 dias para que os
gastos sejam incluídos no Orçamento deste ano. O prazo esgotou-se no final
de junho e nada foi feito.
O cumprimento da norma implicará cortes de outras despesas, mas é o correto a ser feito. O Pé-de-Meia só será sustentável se for compatível com a capacidade financeira do Estado.
Investir em crianças e jovens é a melhor
aposta do país
Correio Braziliense
Brasil precisa avançar em investimentos
voltados às novas gerações, mas, diante da realidade econômica, não é não é
exagero esperar novas quedas no financiamento das políticas sociais para
crianças e adolescentes
Os gastos sociais do governo com crianças e
adolescentes chegaram a 4,9% do Orçamento do ano passado — aquém dos 5,31% de
2023. Ambas as taxas são maiores do que as dos dois últimos anos da gestão de
Jair Bolsonaro, mas sequer representam 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O
levantamento, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), teve como foco
brasileiros com até 17 anos no intervalo de 2019 a 2024 e ilustra o quanto o Brasil
precisa avançar em investimentos voltados às novas gerações.
O cenário, porém, pode piorar. Diante da
realidade econômica do país, em que o Executivo tem direcionado suas forças ao
equilíbrio das contas públicas, não é exagero esperar novas quedas no
financiamento das políticas sociais para crianças e adolescentes. Uma retração
mais aguda nos gastos sociais poderá causar graves prejuízos sobretudo àqueles
em situação de vulnerabilidade, que precisam das políticas para ascensão
socioeconômica. Essa preocupação leva em conta outros fatores, como a queda das
natalidade e a longevidade dos idosos.
Investir nas crianças e nos jovens é política
essencial para o crescimento da economia nacional e para manter em queda o
número de brasileiros que vivem na extrema pobreza, como ocorreu em 2023,
quando 8,7 milhões de brasileiros deixaram esse patamar, de acordo com os dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Há de ressaltar que, dentro do período
analisado, o Brasil e o mundo enfrentaram a maior pandemia ocorrida nos últimos
100 anos, a da covid-19, que impossibilitou quaisquer avanços nas políticas
públicas. Afetou projetos e iniciativas da maioria dos grupos sociais e corroeu
57% (R$ 125,4 bilhões) do total de verbas para gastos sociais com crianças e
adolescentes brasileiros. De acordo com o estudo divulgado ontem, 71% desse
recurso foram destinados às ações para aliviar as situações de pobreza e
assistência social e 28% para a área de saúde.
Superada a tragédia provocada pela pandemia,
continua sendo fundamental saber quanto o governo federal investe em crianças e
adolescentes, pois, "sem orçamento, não temos políticas públicas",
alerta Enid Rocha, técnica de planejamento e pesquisa do Ipea e uma das
responsáveis pelo estudo. Acrescente-se que torna-se imprescindível também
saber, com transparência, como estados e municípios utilizam os repasses de
recursos federais destinados a investimentos para esse público.
Entre 2021 e 2023, às vésperas das eleições
municipais, o levantamento revela que o recurso passou de R$ 54 bilhões para R$
159 bilhões, devido à expansão do programa Bolsa Família, como elemento para
alívio à pobreza e assistência social. Em 2022, a educação obteve mais dinheiro
do que a saúde, devido ao financiamento da educação básica. No entanto, no
montante a verba destinada às ações para proteção à infância foi reduzida.
Na divulgação do estudo, a chefe de Políticas Sociais do Unicef no Brasil, Liliana Chopitea, destacou que os dados colaboraram para "melhorar os investimentos em políticas sociais e para fortalecer a garantia de direitos de crianças e adolescentes". E arrematou: "Investir nas crianças e nos adolescentes é a melhor aposta que o país pode fazer agora e para o futuro". Não há dúvida.
A corrupção nas emendas parlamentares
O Povo (CE)
É preciso lembrar aos senhores parlamentares
que vige no Brasil o sistema presidencialista, segundo a Constituição, e pela
vontade do povo brasileiro, reafirmada em plebiscito
As emendas parlamentares, da forma como
operam no Brasil, revelam-se um equívoco por si só. O caso brasileiro é único
no mundo, tanto pelo alto volume de recursos destinados, quanto pela forma
obscura como são distribuídos.
Nos poucos países em que o sistema é adotado,
os recursos destinados às emendas representam no máximo 2% das despesas
discricionárias. Além disso, a palavra final sobre a liberação dos recursos
cabe ao Executivo.
A Lei Orçamentária Anual aprovada pelo
Congresso brasileiro destinou R$ 50 bilhões às emendas parlamentares. O volume
representa cerca de 25% das despesas discricionárias.
É fácil entender que a pulverização desses
recursos facilita a execução de pequenas obras eleitoreiras, espalhadas pelas
áreas de influência dos parlamentares, em detrimento de uma política integrada
que possa verificar onde os investimentos são mais necessários.
Não bastassem esses problemas estruturais, os
maus políticos viram nas emendas novas possibilidades para a prática de
corrupção.
A investigação mais recente, envolvendo
possíveis desvios, atingiu o deputado federal cearense Júnior Mano (PSB). Por
ordem do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia
Federal (PF) realizou buscas em cinco municípios do Ceará, no gabinete do
deputado em Brasília, e em sua residência oficial.
A PF investiga crimes de organização
criminosa, captação ilícita de sufrágio, falsidade ideológica e lavagem de
dinheiro nas eleições de 2024. O esquema envolveria o desvio de emendas
parlamentares em 51 municípios cearenses, os quais, supostamente, estariam sob
a influência do deputado.
Júnior Mano teve ascensão rápida na política,
sendo atualmente cotado para integrar uma das vagas de candidato a senador na
chapa do governador Elmano de Freitas (PT), em 2026.
Sem julgar o caso citado — tarefa que cabe à
Justiça —, é fácil verificar que as emendas tornaram-se uma nova porta por onde
transita a corrupção. Os casos vão desde asfaltamento de condomínios
particulares, passando por favorecimento a parentes e até "venda" de
emendas. Afora que as falcatruas são operadas por organizações criminosas, que
não vacilam em usar a violência.
O fato é que o parlamento brasileiro passou a
exercer funções que, constitucionalmente, pertencem ao Executivo. Frente a
esses fatos, duas medidas urgentes precisam ser tomadas. A primeira é combater
com rigor a corrupção, que já vem sendo feito pela PF e pelo Ministério
Público.
A segunda, é cobrar do Congresso o fim das emendas como se apresentam hoje. É preciso lembrar aos senhores parlamentares que vige no Brasil o sistema presidencialista, segundo a Constituição, e pela vontade do povo brasileiro, reafirmada em plebiscito.
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