quinta-feira, 10 de julho de 2025

O Supremo conciliador - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

STF tem ido além do seu papel de baluarte da Constituição e, com frequência, tem atuado na mediação e conciliação

A revoada a Portugal de parlamentares, autoridades e VIPs do meio jurídico para participar do Fórum Jurídico de Lisboa nestes primeiros dias do mês é mais do que uma oportunidade para aproveitar o verão europeu, comer bem e discutir à distância os dilemas do país. É uma demonstração efusiva do poder político do STF na pessoa de seu decano, Gilmar Mendes. Criado por ele em 2013 para fomentar o debate jurídico das grandes questões do Estado e do Direito contemporâneos, o Gilmarpalooza, como a mídia apropriadamente batizou o evento, cresceu de importância em paralelo à atuação —a uma só vez extensa e sem limites precisos— da Suprema Corte brasileira na vida política do país.

De fato, o protagonismo do STF tem ido muito além do seu papel tradicional de baluarte da Constituição, ao julgar a conformidade da produção legislativa aos princípios da Lei Maior. Com alguma frequência tem atuado como instância de mediação e conciliação.

Veja-se o recente episódio da elevação da alíquota do IOF. Decreto presidencial definiu um percentual de aumento, afinal derrubado na Câmara dos Deputados —o que levou a AGU (Advocacia-Geral da União) a recorrer ao Supremo. Este, em vez de julgar a constitucionalidade do ato legislativo, suspendeu ambas as decisões e convocou para o próximo dia 15 uma audiência de conciliação.

Não é a primeira vez, na vigência da Carta, que STF assume papel moderador e chama ao entendimento entre as partes em disputa. Arbitrou disputas entre Executivo e Legislativo, como no caso do orçamento secreto; em impasses federativos, entre a União e estados ou municípios, por exemplo, durante a epidemia de Covid-19; em disputas entre o Estado, povos indígenas e interesses locais, como na demarcação das terras Raposa-Serra do Sol e, mais recentemente, na conciliação para definir o marco temporal da demarcação de territórios das populações originárias. Com esse objetivo, lançou mão de audiências públicas, grupos de trabalho e diálogos informais com os envolvidos.

O recurso à conciliação não é uma idiossincrasia nacional. Estudos mostram comportamento similar das altas cortes na Índia, África do Sul e Colômbia.

No Brasil, as bases institucionais do poder do STF foram definidas na Carta de 1988, mas a expansão do seu protagonismo deveu-se igualmente a circunstâncias políticas. A pandemia e os conflitos gerados pelo golpismo de Bolsonaro abriram uma avenida para o engajamento do Supremo.

Já o seu papel na conciliação de interesses se robusteceu à medida que o Executivo ou o Legislativo foram lhe delegando poder de lidar com questões muito controversas, impasses que não conseguiram resolver, ou cuja solução seria politicamente onerosa.

De toda forma, há riscos embutidos nessa forma de atuação que ultrapassa as fronteiras clássicas do Judiciário, não raro embaralhando a consagrada separação de poderes.

De um lado, ficaram menos precisos os limites entre o que é ditado pela técnica jurídica e o que resulta das preferências políticas dos togados. De outro, não existem mecanismos de monitoramento. Especialmente, falta o principal instrumento para julgar sua responsabilidade por decisões que venham a tomar: a prerrogativa dos cidadãos de puni-los nas urnas.

 

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