terça-feira, 20 de maio de 2025

Cara de pau - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O viajante Hugo Motta, de passagem pela ilha da fantasia, teve a coragem de publicar isto em rede social: “Comuniquei aos líderes da Câmara dos Deputados que, na próxima semana, pautarei a urgência de projetos de lei destinados a impedir fraudes no INSS. Seguindo e sempre respeitando o regimento da Casa, vamos analisar, reunir e votar tudo o que pode compor um Pacote Antifraude. Esse tema, que é urgência para milhões de brasileiros, é urgência para a Câmara dos Deputados”.

Uau! Falou até em urgência. Urgência “para milhões de brasileiros”. Falou isso em 2025. Urgência para os brasileiros roubados desde – pelo menos – 2016. E roubados – o papo aqui é reto – sob chancela do Parlamento, pelo menos desde 2019. O cronista, um cético, desconfiado mesmo diante da previsibilidade com que, assaltado já o trigo, Maria Antonieta propõe brioches, foi ver para crer. Para crer em tamanha audácia. Duvidei de início.

Está lá, no X de Elon, desde sexta-feira, 19 de maio. O presidente da Câmara – informados os pares – comunicando à nação que pautará, com toda a pressa que a gravidade das fraudes longamente desimpedidas exige, “projetos de lei destinados a impedir fraudes no INSS”.

Inês mortinha, seca, seca – e o proativo Motta preocupado em impedir que, quando ressuscitar, ela morra sob o mesmo chupa-cabra.

Falou até em pacote antifraude. Que esculacho! Porque, em condições normais, a desconexão dessa rapaziada com o mundo real impõe presteza somente a que se aumente o número de deputados (querem ir de 513 a 531), ou a que se garanta o controle e a partilha de bilhões de reais em emendas parlamentares. Esses, corporativistas, são exemplos da prontidão regimental da Câmara dos Deputados.

A urgência de milhões de brasileiros – os que vendem o almoço para ter o que jantar – é por justiça: para que os roubados sejam ressarcidos, para que os ladrões sejam punidos com cana dura e para que os responsáveis por assegurar as condições ao pleno exercício da roubalheira sejam identificados, expostos e responsabilizados.

O Parlamento – papo reto – é pai dessa criança também. O esquema não seria bilionário – não teria se esparramado tanto, com tanta segurança – sem estímulos desde o Legislativo. E o senhor Motta estava lá, no curso da legislatura passada, quando o Congresso trabalhou para adiar a eficácia dos mecanismos de revalidação dos descontos e afinal de todo fulminá-los. Com o PT e seus satélites à frente, membros de 11 partidos – inclusive do PL – operaram para que se pudesse conceder as deduções descontroladamente.

Sejamos ainda mais claros: o Poder Legislativo, detentor dos meios, tinha os recursos – estava diante de propostas concretas, entre 2019 e 2022 – para estabelecer verificação rigorosa sobre as concessões dos descontos e decidiu deixar a porteira arreganhada. •

 

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