Maior risco da gripe aviária está na economia
O Globo
Vírus ainda não foi transmitido entre
humanos. São essenciais medidas para garantir exportações
O caso de gripe aviária (vírus H5N1) detectado numa granja em Montenegro (RS) exige atenção redobrada das autoridades agropecuárias, mas não deve ser motivo de preocupação para a população. Não há até agora razão para temer nova pandemia. O exemplo recente dos Estados Unidos é ilustrativo. Lá, o primeiro sinal do vírus foi detectado em aves silvestres em janeiro de 2022. Em todo o ano passado, apenas 67 americanos foram infectados, e não há caso de transmissão entre humanos. A única morte registrada, de um idoso com saúde comprometida que cuidava de pássaros doentes, aconteceu em janeiro. No Brasil, outros vírus respiratórios para os quais há vacinas comprovadamente eficazes merecem mais atenção. De janeiro até 10 de maio, 2.966 morreram em decorrência deles.
É o dano econômico que desperta mais
preocupação. Os riscos não são nulos. A precaução tem levado vários países a
suspender a compra de carne de frango do Brasil, maior exportador mundial do
produto. No ano passado, o país vendeu o equivalente a US$ 9,9 bilhões em aves
e US$ 39 milhões em ovos. A China interrompeu a importação por 60 dias. Dos dez
maiores mercados externos, ao menos cinco fecharam as portas total ou
parcialmente.
Dá alento o fato de o Brasil ter boa
reputação no setor. Na ausência de novos casos, as suspensões não terão razão
de existir. Por isso a necessidade de prevenir. Nos Estados Unidos, mais de 168
milhões de aves foram sacrificadas para deter o vírus. O gado leiteiro também
foi infectado por lá. Ainda assim, os americanos exportaram mais de 3,5 milhões
de toneladas de carne de frango em 2024 para mais de 120 países.
O plano de contingência do Ministério da
Agricultura, com cooperação dos governos estaduais, permitirá que regiões não
afetadas do Brasil continuem exportando. “A
maior produção de ovos está em São Paulo e Minas Gerais” disse ao GLOBO José
Carlos Hausknecht, sócio da consultoria MB Agro. Em Montenegro, foi
declarada emergência num raio de 10 quilômetros da granja afetada. Empresas que
receberam ovos da propriedade gaúcha já começaram a descartá-los. Passado o
impacto inicial, a vigilância deve se manter constante, com rastreamento e
coletas periódicas de amostras em todas as regiões produtoras.
Na inflação, o impacto da gripe aviária ainda
é incerto. Se a quantidade de aves abatidas for considerável a ponto de reduzir
a oferta, os preços deverão subir. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos. A
dúzia de ovos que saía por US$ 2 em 2020 era vendida a US$ 3,65 ao fim do ano
passado. A persistirem suspensões de importação de áreas não afetadas, a
produção que iria para o exterior poderá abastecer o mercado local, mantendo os
preços estáveis.
Em razão do risco de mutações que tornem o
vírus transmissível entre humanos, é essencial acelerar a parceria entre o
Ministério da Saúde e o Instituto Butantan para fabricar a vacina contra a
gripe aviária. Desenvolvida desde 2023, ela já passou por testes pré-clínicos.
Falta a Anvisa liberar o início dos estudos com humanos. Vacinar quem trabalha
nas granjas será crucial para diminuir os temores causados pelo H5N1. Mais
importante ainda é vacinar a população contra a gripe comum em circulação, que
continua a provocar centenas de mortes.
Queda no desmatamento não traz motivo para
tranquilidade
O Globo
Dados resultam de políticas exitosas, mas
revelam falhas no combate a queimadas e agropecuária predatória
Foi um alento a queda do desmatamento
registrada no ano passado. Apesar disso, não há certeza de que a devastação
ambiental continuará a retroceder. Os dados do MapBiomas mostram que a área
destruída diminuiu 32,4% em relação a 2023, depois de queda de 11% ante 2022.
Pela primeira vez, houve retrocesso em todos os biomas nas zonas de mata
nativa. A estabilização na Mata Atlântica se deveu ao impacto das enchentes no
Rio Grande do Sul — sem as enxurradas, é provável que também tivesse havido
recuo no estado. Mas nada disso significa motivo para tranquilidade.
O MapBiomas emite alertas de desmatamento a
partir de imagens de satélites desde 2019. Em 2024, lançou 60.983 avisos sobre
1.242.079 hectares devastados. A fronteira de desmatamento que mais avança tem
sido o Cerrado. Com 652.197 hectares de vegetação perdida, o bioma representou
52,5% da área desmatada. A região campeã é conhecida como Matopiba (reúne áreas
de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Nela,
concentrou-se 75% do desmatamento do Cerrado e 42% do país. Da perda de
vegetação nativa, 97% decorreram da agropecuária. Quando o Brasil conseguir que
todos os pecuaristas usem métodos modernos, em vez de apenas derrubar árvores
para abrir mais pastos, haverá enorme avanço na preservação ambiental.
Somados, Cerrado e Amazônia responderam
por 83% do desmatamento. Na Amazônia, segundo bioma com maior destruição, os
377.708 hectares devastados foram a menor área atingida nos seis anos da série
histórica. Fica no Pará a maior área desmatada entre 2019 e 2024 — 2 milhões de
hectares. A Caatinga, terceiro bioma no ranking do desmatamento, abrigou pela
primeira vez a propriedade em que houve maior perda de árvores em uma só
fazenda. Ela fica no Piauí, com 13.628 hectares destruídos em apenas três meses
— ou seis hectares por hora.
No ano passado, contudo, o fogo destruiu mais
do que motosserras e tratores. Segundo o MapBiomas, houve aumento de 79% das
áreas atingidas por incêndios. Secas decorrentes de alterações no clima
favorecem o alastramento de queimadas. A Amazônia exige atenção especial. Nela
foram incinerados 17,9 milhões de hectares, ou 58% dos incêndios no país.
Um país em que há perdas em unidades de conservação — 57.930 hectares no ano passado — precisa comemorar qualquer avanço. Os dados positivos do MapBiomas são resultado de políticas bem-sucedidas de fiscalização e punição que voltaram a ser aplicadas no atual governo. Ao mesmo tempo, revelam os desafios futuros. Tanto no que diz respeito às queimadas quanto no combate às práticas predatórias na agropecuária. Não adianta só reprimir o madeireiro. É preciso contar com o engajamento dos governos estaduais, e os bancos devem manter a política, adotada desde 2023, de vedar o crédito rural a fazendas que desmataram. Não faltam informações para cuidar do meio ambiente. É preciso analisar os dados em detalhes para chegar a uma política bem estruturada que integre União, estados e municípios.
Déficits fiscais pressionam juros dos papéis
americanos
Valor Econômico
Ação da Moody’s acentuou a percepção de que os EUA estão deixando rapidamente de ser o país da estabilidade e da previsibilidade econômica
As empresas de avaliação de risco não
consideram mais que os títulos emitidos pelo governo dos Estados Unidos são os
mais seguros que sua classificação concebe - pela primeira vez em 100 anos. A
Moody’s, muito depois da S&P e da Fitch, rebaixou em um grau a dívida
soberana do país. O rebaixamento fez os papéis do Tesouro de 20 anos
ultrapassarem por alguns momentos a faixa dos 5%, a mais elevada desde novembro
de 2023, para recuar em seguida. Seu efeito, porém, é fortemente simbólico e
vem em má hora para o presidente Donald Trump, às voltas com riscos de uma
séria desaceleração da economia, de aumento da inflação e de manutenção dos
juros restritivos do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), graças
ao caos tarifário que instalou no mundo. A ação da Moody’s acentuou a percepção
de que os EUA estão deixando rapidamente de ser o país da estabilidade e da
previsibilidade econômica.
O dólar, com suas oscilações, está 6% abaixo
do valor do início do ano, perdeu força com o unilateralismo tarifário e com o
esfriamento no horizonte da economia americana. O rebaixamento feito pela
Moody’s coloca mais dúvidas sobre até quando a moeda americana continuará a ser
predominante nas transações globais e a moeda de reserva praticamente
universal.
A S&P, em 2011, e a Fitch, em 2023,
haviam retirado o grau máximo de segurança dos EUA por motivos semelhantes,
embora distantes no tempo. Os sucessivos impasses sobre o teto da dívida, que
ameaçaram o governo de interrupção de atividades básicas (shutdown) e de um
calote na dívida pública, mostraram pelo menos a possibilidade de que, em algum
momento, os EUA interromperiam o pagamento de suas obrigações. A Moody’s
constatou um agravamento significativo das dívidas. “Não acreditamos que as
propostas fiscais atualmente em discussão levarão a reduções significativas e
sustentadas nos gastos obrigatórios ou nos déficits”.
A Moody’s não vê sinais de que o governo
americano e o Congresso irão agir de forma diferente do passado recente, que
resultou em endividamento cada vez maior. Para ela, não haverá inversão de rota
com as “propostas fiscais agora em consideração”. A descrença se estende a
Trump, mas não só a ele. Gestões democratas foram propensas a ampliar gastos
com expansão fiscal, e seu rivais republicanos no poder, sob a bandeira da
austeridade, reduziram impostos que ampliaram os déficits. Trump vai na mesma
toada. Seus cortes de impostos, não igualados por reduções de gastos,
produzirão um aumento do déficit estimado pelo Comitê por um Orçamento
Responsável entre US$ 3,5 trilhões e US$ 4 trilhões em dez anos. A proposta
oficial estende as reduções feitas no primeiro mandato de Trump e acrescenta
outras.
A conta de juros da dívida atual de US$ 29
trilhões bateu em US$ 1 trilhão. Segundo a Moody’s, a trajetória é
insustentável. Os juros absorviam 9% das receitas em 2021, saltaram para o
dobro, 18%, em 2024 e atingirão 30% em 2035. Nesse período, se nenhuma mudança
importante for feita, a dívida total irá dos atuais 98% do PIB para 134% do
PIB.
Enquanto reduz impostos dos mais ricos, Trump
pretende cortar programas sociais e ambientais - estes últimos, para ele,
partes da “agenda climática globalista” - em 22,6% e encolhê-los ao menor valor
desde 2017. Por outro lado, propôs aumentar os gastos de defesa em 13% e os de
segurança interna, para combater a imigração, em 65%. Além de ceifar a ajuda
externa da Usaid em US$ 49 bilhões, o presidente não poupou a Receita (IRS) da
tesoura nas despesas. O trabalho de Elon Musk foi pirotécnico, destrutivo e fantasioso.
Dos US$ 2 trilhões de eliminação de gastos prometidos, há rastros de US$ 170
bilhões possíveis e apenas US$ 31,8 bilhões comprováveis, segundo apurou o
“Financial Times”.
A Moody’s prevê que as receitas mal
crescerão, os déficits se expandirão e a performance fiscal do país “se
deteriorará em relação a seu próprio passado e na comparação com outros países
com alto grau de classificação de títulos soberanos”. Apesar da pujança
econômica e da força financeira dos EUA, a agência de classificação não crê que
esses atributos “contrabalancem inteiramente o declínio das métricas fiscais”.
Ainda que as taxas dos títulos do Tesouro não
disparem, como ocorreu no dia seguinte à decisão da Moody’s, esses papéis
passaram a ser comprados com um “prêmio” que representa o aumento de risco. A
diferença entre Aaa e Aa1 não é determinante, e, sim, se os títulos se
enquadram na categoria de grau de investimento de baixo risco. Como as
captações dos demais países pagam também um prêmio de risco em relação ao
título americano, mais seguro, papéis do Brasil, por exemplo, refletirão o
aumento dos juros para financiar o déficit crescente dos EUA - logo, as
captações externas de empresas e as soberanas brasileiras deverão ficar mais
caras. Por outro lado, a desaceleração americana, com risco inflacionário, não
sugere espaços para valorizações significativas do dólar, ou até mesmo pode dar
alguma continuidade de queda em relação ao real, o que ajudaria o BC brasileiro
a debelar a alta dos preços domésticos.
Disposição de apertar os cintos na Petrobras
é bom sinal
Folha de S. Paulo
Estatal sinaliza prudência diante da queda
dos preços do petróleo; resta saber se governo pressionará por investimentos
A Petrobras anunciou
lucro de R$ 35,2 bilhões no primeiro trimestre de 2025, 48%
a mais que no mesmo período de 2024, mas parte relevante do resultado
decorreu da apreciação do real —que impactou favoravelmente o resultado em
razão do endividamento em moeda estrangeira da empresa.
Descontados os fatores pontuais, o lucro cai
a R$ 23,6 bilhões, com queda de 12,1% na comparação anual. Nesse contexto, a
presidente da estatal, Magda Chambriard, alertou para a
necessidade de "apertar os cintos" diante da queda no preço
do petróleo.
A cotação do barril Brent, referência
internacional, ronda hoje US$ 65, muito abaixo dos patamares do início deste
terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), em torno de
US$ 85. A redução, por óbvio, impacta diretamente as receitas das empresas do
setor e, no caso brasileiro em particular, põe em xeque planos ambiciosos de
investimentos.
Fatores como a desaceleração econômica
global, que pode resultar da guerra tarifária iniciada pelos Estados
Unidos, e o aumento da oferta recente de produtores da Opep indicam
que é preciso maior prudência na gestão de projetos e controle de custos.
É positivo que a administração petista,
historicamente alinhada a condutas temerárias na petroleira, desta vez aparente
ter maior preocupação com a sustentabilidade dos resultados para preservar a
solidez no longo prazo.
Parece um sinal de que as melhorias
introduzidas na governança das estatais a partir de 2016 —após a ruína
produzida sob Dilma
Rousseff (PT)— resistem às pressões ideológicas e corporativistas por
mais intervencionismo na economia.
Outra boa indicação vem da política de
preços, que não se desviou em demasia das cotações internacionais, um risco que
vinha sendo considerado pelo mercado e que poderia afetar o abastecimento
interno. Afinal, um eventual populismo tarifário impediria importações, que são
necessárias diante da insuficiência da oferta interna de combustíveis.
Quanto a controle de custos, a Petrobras já
demonstrou que é capaz de reduzir despesas operacionais, como visto em gestões
anteriores que arrumaram a casa depois dos desmandos passados.
Quanto aos projetos, a estatal deve
concentrar esforços em ativos de alta rentabilidade na área de exploração e
produção, que são viáveis em sua maior parte desde que o preço do petróleo se
mantenha acima de US$ 45 por barril de maneira duradoura.
A seletividade é crucial para manter a
geração de caixa no cenário de preços mais baixos. Mesmo assim, está por ser
verificado se a atual direção será capaz de resistir à insistência do governo
de fazer da empresa um motor de investimentos menos rentáveis para
atender a desígnios políticos, ainda mais diante da aproximação das eleições de
2026.
Se infelizmente a privatização é tabu para os
petistas, que ao menos se preserve a saúde financeira da maior empresa do país.
Ultradireita abala arquitetura política de
Portugal
Folha de S. Paulo
Eleição antecipada não garante maioria para o
premiê Montenegro, de centro-direita, e coroa ascensão do radical Chega
Como parecia previsível, a
terceira eleição antecipada em pouco mais de três anos em Portugal não
garantiu ao premiê Luís Montenegro a sonhada maioria de 116 dos 230 deputados
na Assembleia Nacional. Vê-se agora um sismo inaudito na outrora estável
democracia lusa.
Desde o fim da ditadura salazarista, em 1974,
a política portuguesa no mais das vezes se dividiu em blocos centristas ao
estilo da Europa do
pós-guerra, o mais à direita liderado pelo PSD de Montenegro, e o mais à
esquerda, pelos socialistas.
Houve também governos de coalizão, inclusive
um envolvendo os rivais, e a experiência da união do Partido Socialista (PS)
com siglas esquerdistas, conhecida como geringonça, de 2015 a 2019.
De lá para cá, com a pandemia, pressões
migratórias, a Guerra da Ucrânia e
o fortalecimento do populismo de cepa trumpista, o cenário mudou. A
instabilidade passou a marcar Portugal, culminando na tentativa
de Montenegro de nivelar o jogo a seu favor.
Sua coligação elegeu, faltando definir 2 de 4
cadeiras oriundas do voto de expatriados, 89 deputados. O PS sofreu derrota
histórica, punido pela pressão aplicada ao premiê que levou à crise, caindo de
78 para 58 assentos.
Mas a estrela da jornada de domingo (18) foi
o Chega, partido identificado com a ultradireita da Alternativa para a Alemanha ou
da Reunião Nacional francesa. Com discurso antissistema análogo ao bolsonarismo
de 2018, a agremiação se multiplicou.
Passou de um único deputado eleito em 2019,
no mais recente pleito ocorrido em condições normais no país, para 58 agora. É
possível que ainda ultrapasse o PS quando forem contabilizados os votos do
exterior.
Com isso, meio século de história política
foi reescrita, e a oposição poderá ser liderada por um partido radical de
direita. Mesmo que a igualdade com o PS permaneça, nunca houve uma divisão
tripartite de poder como agora. Nota lateral, a esquerda mais militante foi
dizimada.
Montenegro descarta uma aliança com o Chega
e, por ora, diz que seguirá com um governo minoritário. Sendo essa a receita
para mais turbulência, é possível que haja rearranjos.
A legenda da ultradireita portuguesa é parte de um processo mais amplo, pelo qual forças antes execradas no contexto europeu vão sendo assimiladas na paisagem política. No mesmo domingo, o candidato trumpista perdeu a eleição presidencial na Romênia, enquanto a Polônia viu seu pleito encaminhar um segundo turno entre um nacionalista e um pan-europeu.
Quando o PT ganha, o Brasil perde
O Estado de S. Paulo
Mais fraco e desconfiado, Lula 3 consolida um
governo mais petista do que nunca, incapaz de dividir poder e preso à crença na
hegemonia de seu partido, sacrificando a governabilidade
Com quase dois anos e meio de mandato, Lula
da Silva já realizou 12 trocas de ministros. Nenhuma delas, porém, foi
suficiente para abalar uma cláusula pétrea do modo lulopetista de governar: a
excessiva concentração de poderes nas mãos do PT e dos aliados mais próximos e
fiéis ao presidente. Ao contrário, conforme mostrou reportagem do Estadão,
este terceiro mandato de Lula revela-se mais petista do que nunca, no qual se
nota que 38% dos ministérios estão sob o comando do PT. É a maior proporção
registrada desde 2003, quando o partido chegou à Presidência da República pela
primeira vez. As cores petistas de Lula 3 superam seus dois mandatos
anteriores: o PT comandava 36% dos ministérios em 2003 e 33% em 2007. No
governo de Dilma Rousseff, concentrava 32%. Na Presidência de Michel Temer, o
MDB, partido do então presidente, tinha o controle de 34% das pastas. Na gestão
de Jair Bolsonaro, o PL comandava 9%.
A comparação confirma uma das facetas do
evangelho: Lula e o PT nunca souberam dividir o poder. Nem mesmo o peso da
chamada “frente ampla” para que Lula conseguisse derrotar Bolsonaro por uma
diferença de apenas 2,1 milhões de votos foi suficiente para o presidente fazer
jus à ideia de coalizão que sedimentou a história recente da democracia
brasileira. Acreditou quem quis na ideia de que Lula iniciaria o novo mandato
de forma diferente. Em 2023, ao tomar posse, a coalizão governista exibia a
marca de 14 partidos, dez dos quais ocupavam ministérios. O PT detinha dez
pastas, ou 27% dos ministérios, mas, em compensação, o número de ministros sem
filiação partidária chegava a 11, ou quase 30%, e ainda assim muitos deles
apresentavam notória proximidade com o PT – o que restava pouco para os demais
partidos.
Apesar desta sina longeva do lulopetismo, há
uma novidade mais grave no atual mandato, expressada numa soma de fatores que
explicam a concentração de poder ainda maior nas mãos do PT. Lula é hoje um
presidente mais desconfiado dos aliados que o cercam, precisa lidar com um
Congresso mais poderoso e independente dos recursos do Executivo, em razão das
regras de imposição das emendas parlamentares, e, por fim – mas não menos
importante –, parece mais fatigado com a lida parlamentar. Em abril, este
jornal mostrou que, no atual mandato, Lula se reúne bem menos com deputados e
senadores do que Bolsonaro, Michel Temer e até mesmo Dilma Rousseff, que nunca
foi propriamente conhecida por sua habilidade e pendor para a articulação com o
Legislativo. A agenda presidencial revela um presidente mais autocentrado do
que nunca, com nenhuma paciência para as rotinas do governo e com pouca
disposição para receber e negociar com parlamentares.
Mesmo nos poucos casos em que Lula atraiu
partidos mais à direita para o seu governo, a adesão se deu por meio de alas
minoritárias dessas siglas, sem o aval das cúpulas nacionais – o que explica a
dificuldade crescente de manter a coesão nas votações partidárias no Congresso
em favor do governo. Não à toa, com indisfarçável frequência, União Brasil, PP,
MDB, PSD e Republicanos não só se posicionam contra o governo em votações
relevantes, como alguns deles apresentam pré-candidatos que podem se opor a Lula
em 2026. A dificuldade para manter a base governista não se resume hoje aos
partidos poderosos do Centrão, cuja agenda está longe de coincidir com a do PT.
Lula tem sido fustigado até por legendas de baixa estatura, como se viu no
recente desalinhamento do PDT por ocasião da demissão de Carlos Lupi do
Ministério da Previdência Social.
Evidências científicas informam que, quanto
maior o número de partidos, quanto mais ideologicamente heterogêneos forem e
mais desproporcional for a distribuição de poder e de recursos entre eles,
maiores serão os problemas no manejo e no sucesso de uma coalizão. Assim, Lula
deveria exibir maior, e não menor, disposição para dividir poder com aliados –
próximos ou não à estatolatria do presidente e do PT. Mas talvez fosse esperar
demais de um líder político e de um partido que, convictos de que detêm o monopólio
da virtude, também monopolizam o exercício do poder. E, como se sabe, quando o
PT ganha, o Brasil perde.
Um bem-vindo reencontro
O Estado de S. Paulo
O acordo entre Reino Unido e UE é um
recomeço, mas tímido. Será preciso mais ambição e menos rigidez para reparar os
estragos pós-Brexit e enfrentar os desafios da onda de desglobalização
O acordo entre Reino Unido e União Europeia,
com avanços nas áreas de defesa, comércio agroalimentar e cooperação
regulatória, marca um ponto de inflexão político. Trata-se de uma correção de
curso nas relações pós-Brexit – mas ainda não de um realinhamento estratégico à
altura dos desafios gerados pelo divórcio. Para que essa reconexão gere frutos
duradouros, será preciso mais ambição.
Com o tempo, o erro do Brexit – político,
econômico, estratégico – tornou-se evidência estatística. O crescimento do
Reino Unido ficou abaixo do de países comparáveis, como França, Holanda ou
Suíça. O comércio caiu como proporção do PIB, e a produtividade e os
investimentos patinam há anos. O país exporta menos bens do que em 2016 – feito
único no G-7. O suposto “poder de barganha” prometido por seus defensores
revelou-se uma ficção. As barreiras à Europa não foram compensadas por nenhum
ganho concreto com o resto do mundo.
Do lado europeu, a perda foi menor, mas real.
A separação fragilizou o bloco num momento em que a competição geoeconômica
global exige coesão, escala e projeção estratégica. A exclusão britânica de
iniciativas de defesa, pesquisa e comércio foi, por vezes, compreensível, mas
custosa. O novo acordo repara parcialmente a fratura. A reaproximação no campo
da defesa, com o possível acesso britânico ao fundo europeu de 150 bilhões de
euros, é um passo importante ante a debilitação dos compromissos de segurança dos
EUA.
Mas o acordo ainda está longe de expressar o
potencial de um verdadeiro “novo capítulo”. Os avanços no comércio
agroalimentar, como o pacto sanitário, são positivos, mas limitados. A criação
de um programa de mobilidade juvenil, a cooperação em energia e a extensão do
acordo de pesca são gestos de boa vontade – mas ainda operam dentro das margens
de um Brexit “duro”. A recusa de Londres em discutir um retorno, mesmo parcial,
à união aduaneira ou ao mercado único impõe um teto à cooperação. A União Europeia
revela rigidez excessiva – que não demonstrou em acordos com a Suíça, a Ucrânia
e a própria Irlanda do Norte – ao condicionar o acesso pleno à aceitação dos
quatro pilares do mercado interno (bens, serviços, capitais e pessoas). Não há
razão estratégica para negar ao Reino Unido um modelo viável de reintegração
gradual.
A lição do Brexit é clara: romper laços
comerciais profundos não fortalece uma nação. Ao contrário, enfraquece sua
economia, prejudica sua produtividade e reduz sua influência internacional. O
que foi vivido pelo Reino Unido não deve ser esquecido, tampouco repetido. Mas
esse é precisamente o risco que os EUA enfrentam sob a política tarifária
errática de Donald Trump. Ao apostar no isolacionismo, os EUA correm o risco de
desperdiçar as vantagens do sistema que eles próprios criaram. Como no caso
britânico, os custos não são imediatamente visíveis, mas se acumulam – em
crescimento perdido, em confiança corroída, em liderança deteriorada.
Ironicamente, ao provocar reações adversas em
aliados e mercados, Trump pode ter feito um favor involuntário à globalização.
Pela primeira vez desde a crise de 2008, a abertura econômica voltou a ocupar
um terreno moral e intelectual elevado. Em vez de aceitarem passivamente o
populismo protecionista, governos, empresários e eleitores estão redescobrindo
os fundamentos do livre comércio: seus benefícios aos consumidores, seus
estímulos à inovação, seu potencial para diluir rivalidades geopolíticas.
O mesmo vale para o Reino Unido e a Europa. O
momento é de reencontro. Não será possível reconstruir de imediato a confiança
perdida, nem apagar os anos de fricção. Mas há espaço – e necessidade – para
mais. Uma agenda verdadeiramente estratégica entre Reino Unido e União Europeia
não pode se limitar a acordos técnicos. Ela deve ser orientada por uma visão
comum de futuro: mais integração econômica, mais cooperação regulatória, mais
ambição política. Num mundo em que o multilateralismo está sob ataque, a reconexão
entre Londres e Bruxelas não é apenas um interesse mútuo. É uma contribuição
essencial à estabilidade do Ocidente.
Democracia sob pressão
O Estado de S. Paulo
Avanço do Chega! em Portugal é mais um alerta
para o perigo da radicalização política
Na terceira eleição legislativa em apenas
três anos, os portugueses deram à coligação de centro-direita Aliança
Democrática (AD) 89 cadeiras na Assembleia da República, que tem 230 assentos.
Apesar de ter sido a coligação mais votada, a AD não conquistou maioria
parlamentar que lhe permita governar com tranquilidade. Ou seja, o
primeiro-ministro Luís Montenegro – que em março perdeu moção de confiança no
Parlamento – segue no cargo, mas em posição bastante frágil.
Ruim para a AD, pior para o Partido
Socialista (PS), que amargou o pior resultado eleitoral desde 1987, ficando com
58 cadeiras legislativas, o mesmo número do Chega!, partido de extrema direita
que em apenas seis anos de existência viu sua votação aumentar de 1,3% para
23%. Diante do malogro nas urnas, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, resolveu
demitir-se da liderança do partido.
Já o primeiro-ministro Montenegro, assim que
foram conhecidos os resultados das urnas, afirmou que os “portugueses não
querem mais eleições antecipadas”, num claro apelo para que a oposição permita
que ele cumpra um mandato completo de quatro anos. Não será fácil, não só
porque Montenegro rechaça qualquer possibilidade de acordo com a extrema
direita para formar maioria legislativa, como porque o líder do Chega!, André
Ventura, declarou que seu partido “matou o bipartidarismo em Portugal”. Ventura
referiu-se à alternância no poder entre a AD e o PS, que têm se revezado na
liderança do país praticamente desde o fim da ditadura de António de Oliveira
Salazar.
Realmente, os tempos são outros e o Chega!,
tal qual partidos de extrema direita na França e na Alemanha, surfa a onda da
insatisfação popular com o custo de vida elevado e o desaparecimento de postos
de trabalho. Numa Europa em transformação em razão de mudanças demográficas e
avanços tecnológicos, a extrema direita elegeu os imigrantes como causa de
grandes males.
Não que os países não devam se preocupar com
o impacto da imigração crescente sobre os serviços públicos, mas, como bem
sabem os milhares de brasileiros que por razões históricas emigram para
Portugal, a grande maioria dos imigrantes é composta por gente proba, que
ademais contribui com as economias nas quais se inserem.
Soberano, o eleitor português exerceu sua
cidadania e, mais uma vez, demonstrou suas aflições à classe política, a quem
só resta buscar o diálogo efetivo e trabalhar para atender às demandas da
população.
Impressionante, o avanço do Chega! não
deveria, contudo, ser lido como uma guinada generalizada do mundo à extrema
direita. Prova disso é que na Romênia, após muito ruído, o centrista pró-Europa
Nicusor Dan venceu, por 54% a 46%, o candidato de extrema direita George
Simion. Na Polônia, que, como Portugal e Romênia, foi às urnas no fim de semana
passado, o candidato de centro-direita Rafał Trzaskowski ficou à frente de
Karol Nawrocki nas eleições presidenciais. Haverá segundo turno.
Mundo afora, eleitores insatisfeitos demonstram, por meio do voto, o que desejam. Não dar ouvidos a seus anseios, sim, tende a fortalecer os radicais.
Acidente de trânsito é tragédia coletiva
Correio Braziliense
É preciso que o movimento pela paz no trânsito tenha um fluxo coletivo. Os prejuízos causados por esse tipo de acidente não são restritos às vítimas, afetam toda a sociedade
Entre 2010 e 2024, a frota de veículos no
Brasil aumentou de 64,8 milhões para 123,9 milhões, conforme dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número de óbitos nas estradas
do país seguiu a tendência, segundo o Atlas da Violência, elaborado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que traz um recorte inédito
sobre violência no trânsito na edição divulgada na semana passada. No período,
a cada 15 minutos, em média, uma pessoa perdeu a vida em razão de acidente nas rodovias
brasileiras.
Entre 2023 e 2024, o número de óbitos
no país aumentou 2,9% — passou de 33.894 para 34.881. No Distrito Federal,
entre 2020 e 2024, foram registradas 1.279 mortes em acidentes, segundo o
Departamento de Trânsito (Detran-DF). Além de perda de vidas, os acidentes
causam sequelas em quem sobrevive, comprometendo quase sempre a retomada da
rotina e gerando custos.
Conforme estudo feito pelo Instituto de
Segurança no Trânsito (IST), por ano, pelo menos 250 mil pessoas passam a viver
com sequelas irreversíveis. O amparo dos que tiveram a vida transformada em
acidente de trânsito custa ao poder público cerca de R$ 300 bilhões por ano,
calcula o Estudo dos custos de acidentes de trânsito no Brasil, elaborado pelo
IST. Com a Previdência Social, são gastos R$ 4 bilhões anualmente. Se o custo é
alto para o caixa do governo, torna-se incalculável aos jovens e adultos que se
tornam prisioneiros de limitações nunca imaginadas.
Investimentos na infraestrutura das vias,
fiscalização e sinalização adequadas não são suficientes para tornar o trânsito
mais seguro. A manutenção das vias e a atenção dos agentes de trânsito,
especialmente investigando razões dos acidentes in loco, são obrigação
rotineira do poder público para reduzir as tragédias. Para os especialistas,
muitos desastres poderiam ser evitados se houvesse maior empenho e compromisso
com a educação dos condutores.
O presidente do IST, David Duarte, em
entrevista ao Correio Braziliense, criticou o que denomina de
"inércia" dos governos federal, estadual e municipal no enfrentamento
da questão. "Todas as técnicas de redução de acidentes de trânsito são
conhecidas. O nosso problema é que somos ótimos no discurso, mas, na hora de
colocar em prática, todos os tomadores de decisão são negligentes",
afirmou. Para ele, a insistência dos governo em optar pela fiscalização como
meio e reduzir aos dramas nas estradas, e não pela educação, é fácil de ser
explicada: "Ela (a fiscalização) traz recursos para os Detrans e para o
Estado. A educação para o trânsito não dá lucro, gasta recurso".
Entendimento semelhante tem o especialista em
segurança viária Eduardo Biavatti. Na avaliação dele, a violência no trânsito
tem rosto: "é jovem, homem, entre 15 e 25 anos", e essa parcela
da sociedade precisa ser ensinada e entender que "cuidar de si é também
cuidar do outro".
Trata-se de um processo educacional que, na compreensão de estudiosos do tema, deve começar desde a infância, nas escolas. Diferentemente do que prevê a legislação atual, educação para o trânsito deve ser matéria obrigatória desde o ensino fundamental, não facultativa. Há uma convicção de que crianças e adolescentes têm enorme capacidade de educar o adulto que está com a mão no volante, e é preciso que o movimento pela paz no trânsito tenha um fluxo coletivo. Os prejuízos causados por esse tipo de acidente não são restritos às vítimas, afetam toda a sociedade.
Uma agressão às dunas e ao bom senso
O Povo (CE)
As autoridades estão obrigadas a dar uma
resposta dura e urgente ao episódio grave registrado no último fim de semana e
que ganhou o País, na forma de espanto, pelo espetáculo de inconsequência
observado em vídeo que circulou pelas redes sociais no qual um motorista
irresponsável faz com que seu veículo voe, literalmente, em área de dunas de
Canoa Quebrada, no litoral sul do Ceará. Uma irresponsabilidade em várias
camadas.
O meio ambiente é agredido de maneira
violenta, como primeira constatação. Outro ponto grave que exige uma resposta
contundente, repitamos, é a segurança pessoal de quem se encontrava na área à
procura de momentos de lazer, alguns em família e com crianças, buscando
desfrutar das belezas raras, até únicas, daquela faixa do nosso litoral. Uma
"brincadeira", se este é o termo adequado, que poderia ter custado a
vida de alguém, incluindo o doidivanas ao volante, cuja aventura ganhou
destaque nacional nos últimos dias.
Há vários prejuízos potenciais que se pode
vincular ao exemplar - pelo aspecto negativo - episódio. Perdemos pela agressão
ambiental, como ponto inicial, que exige providências que pareçam capazes de
frear inconsequências do tipo, muitas vezes resultantes da sensação de que a
fiscalização não se faz presente com força suficiente para agir de maneira
preventiva, com caráter inibidor. Antecipando-se ao problema, como é
conveniente para situações do tipo, que colocam a vida das pessoas em risco.
Um outro prejuízo é à própria economia da
região paradisíaca, muito baseada em belezas naturais que são ainda mais belas
à medida em que somos capazes de protegê-las. Dá-se, ali, uma agressão muito
clara, que, espera-se, levará o responsável a responder de acordo com o que
está previsto nas leis. Nesse sentido, a investigação a cabo da Polícia Civil
precisa ter suas consequências apresentadas como ação de caráter pedagógico.
O governo estadual manifestou-se, através do
secretário de Turismo, Eduardo Bismarck, assim como o município ao qual está
ligada a praia de Canoa Quebrada, através da prefeita de Aracati, Roberta de
Bismarck. É o que lhes cabia fazer como reação imediata, mas a sociedade exige
mais de ambas as instâncias, especialmente no caráter preventivo, algo que
represente uma ação mais presente de combate ao embaraço antes que ele se
manifeste, diferentemente do que se deu neste caso.
É fundamental identificar e punir, cumprido o
rito legal na sua plenitude, o protagonista do espetáculo que nos indignou e
(de certa) envergonhou nos últimos dias. Ao mesmo tempo, o poder público, em
todas as instâncias, precisa cumprir melhor sua obrigação de proteger o nosso
litoral, um patrimônio que a natureza nos ofereceu e que pede em troca apenas
uma capacidade maior de defendê-la de agressores a cada dia mais ousados e
inconsequentes.
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