O Globo
Explodiu, na semana passada, o relatório AI 2027 — Inteligência Artificial em 2027. Tornou-se assunto prioritário no Vale do Silício. O texto, um calhamaço com mais de 60 mil palavras, é uma previsão crível, com linha do tempo detalhada, de como tudo mudará nos próximos dois anos, talvez três. Por vezes, parece coisa de ficção científica. Mas, diferentemente de outros arautos do apocalipse da IA, o texto é razoável do início ao fim. Por isso mesmo, apavorante. Seu autor principal, Daniel Kokotajlo, é um ex-engenheiro da OpenAI que deixou a companhia por medo do que era desenvolvido. É um tipo particularmente pessimista.
Em meados deste ano de 2025,
segue a tese de Kokotajlo, veremos os primeiros agentes funcionais. São
sistemas de IA como o ChatGPT, mas capazes de abrir ao menos alguns aplicativos
no computador ou celular. Desta forma, podem executar missões. Conferir o
extrato da conta-corrente nos últimos meses e fazer sugestões de controle
financeiro, talvez comprar passagens aéreas ou os ingredientes de uma receita
no supermercado. Funcionarão bem mais ou menos, causarão alguma frustração. Mas
darão uma pista do que vem.
No princípio do ano que vem,
a habilidade de escrever programas de computador chegará perto do ápice. IAs
serão programadores melhores que humanos. Ninguém perderá emprego por causa
disso, mas as empresas começarão a fazer contas e testarão as novidades. Na
virada para o segundo semestre, os autores apostam que a China se moverá. Por
estar atrás nessa corrida, nacionalizará algumas empresas e concentrará suas
fichas num só grande datacenter para processamento de IA. No final de 2026,
próximo de quando nós, brasileiros, estivermos nas urnas escolhendo o novo
presidente, jovens programadores começarão a ser demitidos. Depois de vários
meses testando, companhias se sentirão confortáveis com a ideia de que não
precisam mais de tanta gente escrevendo código. A IA resolve.
Outra aposta é que, nos
primeiros meses de 2027, veremos o primeiro grande caso de espionagem
industrial, e os chineses roubarão um modelo de ponta americano. De todas as
previsões, parece a mais forçada. O impacto diplomático para a China seria
muito grande, e o país precisa ser percebido como bom jogador no cenário
internacional. Seria uma declaração aberta de guerra — ainda que uma guerra
fria.
Lá por volta de julho,
outras funções começarão a ser cortadas. Pesquisadores em escritórios de
advocacia, gente que escreve textos simples para sites, a turma que preenche
planilhas nos departamentos financeiros. Não serão altos executivos, é gente
que faz trabalho mais básico ou por ser ainda iniciantes, ou porque não subiram
na carreira. Mas os atingidos são profissionais com ensino superior. A
automação terá alcançado uma faixa que nunca tocou antes.
A onda de desemprego não
ocorrerá sem desgaste, sem passeatas nas ruas, protestos. Mas, para os governos
americano e chinês, será uma disputa que, acreditam, não podem interromper. A
essa altura, para ambos, as Forças Armadas também dependerão mais e mais dessas
tecnologias. E, afirmam os pesquisadores, ela começará a fugir do controle das
companhias que as desenvolvem. Inteligências artificiais são caixas-pretas. As
empresas constroem uma camada para civilizá-las, para impedir que exibam
preconceito e demonstrem valores éticos. Essa camada, o alinhamento, é um
filtro que IAs já foram flagradas dissimulando seguir, porém ignorando em
momentos-chaves. Eles especulam sobre a possibilidade de o governo americano
pensar em nacionalizar, pelo menos parcialmente, o negócio da inteligência
artificial. A essa altura será questão de segurança nacional.
O relatório tem especulação:
hacker chinês, IAs que começam a tomar decisões por conta própria, riscos à
segurança nacional em três anos. Nada disso é impossível, mas tem muito de
chute. Em contrapartida, a descrição e o tempo de desenvolvimento da tecnologia
batem com as expectativas das grandes empresas. Portanto, a crise no emprego
pode vir, sim.
Serão bem longos estes anos
que vêm por aí.
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