terça-feira, 20 de maio de 2025

Que o fracasso nos seja suave - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Enquanto os três Poderes olham apenas para os interesses de seus membros, país vai perdendo a chance de educar-se e enriquecer

"Suave fracasso" foi a expressão que ouvi muitos anos atrás da boca do embaixador Rubens Ricupero para qualificar o Brasil. Quanto mais o tempo passa, mais me convenço da precisão do diagnóstico.

Muita coisa aconteceu desde que saí em férias duas semanas atrás, mas nada mudou. Os três Poderes da República continuaram a dar sucessivas demonstrações de incúria. O Legislativo, cobrado pelo Judiciário a dar materialidade à norma que determina que as bancadas dos estados na Câmara obedeçam ao critério da proporcionalidade populacional —pilar da democracia representativa—, propõe uma regra que obviamente a viola.

Aumentar o número de deputados dos estados que ganharam habitantes sem reduzir o dos que perderam, além de ser medida perdulária, atropela a linguagem e a matemática. É o Legislativo atuando para burlar regra que ele próprio criou com o intuito de preservar conveniências antirrepublicanas.

Enquanto isso, o Judiciário, que, registre-se uma vez mais, foi importante para evitar o golpe de Estado tentado contra o país, não desperdiça oportunidades de vilipendiar a própria credibilidade.

Ministros do STF seguem no circuito Elizabeth Arden de convescotes no exterior, dão rédeas soltas aos apetites antiteto salarial de várias carreiras jurídicas e ignoram por completo os apelos para exercer a autocontenção e abandonar heterodoxias.

Já no Executivo, Lula, que foi eleito vendendo-se como contraponto democrático ao golpismo do antecessor, atravessa um oceano e um continente para sentar-se na primeira fila dos que foram aplaudir o belicismo de um dos mais nefastos autocratas da atualidade.

Também dá repetidos sinais de que não hesitará em sacrificar os interesses de longo prazo do país em favor da reeleição no ano que vem. No macro, a educação continua qualitativamente péssima e o bônus demográfico vai se fechando. O Brasil envelheceu sem ter enriquecido, e dificilmente conseguirá fazê-lo agora.

É claro, poderia ser pior. Daí a aplicação do adjetivo "suave".

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