sábado, 29 de junho de 2019

*Alberto Aggio: O espectro do iliberalismo

- O Estado de S.Paulo

Eleitores não buscam a derruição da democracia liberal-representativa, mas alternativas a ela

Há uma dificuldade notável em caracterizar a chamada “onda conservadora” ou de “extrema-direita” que varre o mundo. Em alguns países ela se instalou como novo regime político, em muitos como governo e ainda em outros como movimento político de proeminente expressão. Viktor Orbán, um dos seus principais representantes, chamou seu regime de “democracia iliberal”, ao estabelecer controle quase absoluto sobre as instituições do Estado húngaro. Conceito polêmico, muitos dizem que o adjetivo “iliberal” não combina com democracia. Mas não seria despropositado assumi-lo para pensar esse tipo de política.

A agenda iliberal é basicamente reacionária ante as instituições da democracia representativa, com questionamentos aos institutos de controle do Estado Democrático, desqualificação dos partidos políticos e deslegitimação dos atores políticos, sociais e culturais, em confrontação com o pluralismo político. Na disputa política, busca se sustentar a partir da construção mítica de um líder, carismático ou não, como o “verdadeiro” representante da Nação, enquanto os outros atores políticos são tratados como “inimigos do povo”. Essa visão se expande para o plano internacional, no qual grupos e organizações autônomas em diversos setores, mesmo instituições tradicionais como a ONU ou a Unesco, são tratados como representantes de interesses supostamente escusos e seus parceiros internos qualificados como “traidores”.

Trata-se de uma política deliberada, mas não se deve supor que seja um modelo que vai sendo aplicado país a país. O iliberalismo não nasceu de um movimento arquitetado intelectual ou politicamente, como fora no passado o que, em geral, se denomina de neoliberalismo. Reconhece-se quase consensualmente que se trata de uma ampla contestação à democracia e a todos os atores que dão e deram sustentação à sua consolidação e expansão no século 20, especialmente depois da Segunda Grande Guerra.

João Domingos: Seis meses decepcionantes

- O Estado de S.Paulo

Nesse período, o que houve, em excesso, foi muito falatório

O balanço dos seis primeiros meses de governo de Jair Bolsonaro não pode ser considerado positivo, pelo menos na visão deste repórter. A despeito da baixa taxa de juros e da inflação sob controle, heranças do governo de Michel Temer, é bom lembrar, a economia está empacada e o desemprego de 13 milhões de pessoas na idade economicamente ativa é desesperador. Quanto ao PIB, o próprio Banco Central reduziu a previsão de crescimento de 2% em 2019 para 0,8%. E ninguém descarta a possibilidade de nova redução nos próximos meses.

Quanto à reforma da Previdência, único projeto com potencial para dar uma sacolejada boa na economia e reconquistar a confiança de investidores, este praticamente saiu das mãos do governo, passando ao controle do Congresso. Mesmo com toda a dificuldade que propostas desse teor enfrentam, em qualquer lugar do mundo, é possível que o projeto seja aprovado mais por méritos do Congresso do que por esforço do Palácio do Planalto. O governo não se preocupou em criar uma equipe de articuladores competente, mas, sim, uma fórmula incompreensível de atuação, até há pouco tempo dividida entre o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o então secretário de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido no calor das discussões da reforma da Previdência. Não porque tenha falhado na articulação política, mas porque Santos Cruz não dava bola para a agenda conservadora do presidente e ainda era agredido com expressões de baixo calão pelo escritor Olavo de Carvalho, tido como guru do presidente.

Adriana Fernandes: Guerra de titãs

- O Estado de S. Paulo

A equipe econômica trabalha em um plano de corte de renúncias fiscais

O presidente Jair Bolsonaro deflagrou uma guerra de titãs ao antecipar, nas redes sociais, que o governo vai reduzir o Imposto de Importação (II) de produtos de tecnologia, como computadores, celulares e jogos eletrônicos.

A alíquota vai cair de 16% para 4% para fomentar a concorrência e a redução dos preços dos produtos fabricados no Brasil, avisou o presidente.

Extremamente sensível e polêmico, o tema vinha sendo tratado com extrema reserva pelo Ministério da Economia – para não atrapalhar as negociações para votar a reforma da Previdência antes do fim do recesso parlamentar.

Ao usar suas redes sociais para anunciar uma decisão que ainda não foi tomada oficialmente, o presidente acabou chamando para a briga, antecipadamente, toda a indústria nacional e a Zona Franca de Manaus – que fazem uma grande articulação para barrar essa política dentro e fora do Congresso.

Na segunda-feira, o próprio Bolsonaro recebeu, em agenda marcada de última hora e sem publicidade, o presidente da Superintendência da Zona Franca de Manaus, Alfredo Menezes, e o senador emedebista Eduardo Braga (AM).

A disputa com a equipe econômica se antecipara porque, na segunda-feira, o governo publicou uma portaria que altera o processo produtivo básico do terminal portátil de telefonia celular industrializado na Zona Franca.

Na conversa, o senador e o presidente da Suframa reclamaram a Bolsonaro que a norma (muito técnica e datada do dia 21) mexia com a fórmula de cálculo dos produtos importados no Brasil, atingindo em cheio não só a Zona Franca, mas também a indústria de outros Estados, como São Paulo, Paraná e Bahia.

*Demétrio Magnoli: De volta a Versalhes

- Folha de S. Paulo

Com Trump, a semente congelada do isolacionismo foi cruzada com a do nacionalismo

O SS George Washington, com Woodrow Wilson a bordo, levantou âncora de Nova York no dia 4 de dezembro de 1918. Pela primeira vez, um presidente dos EUA viajava ao exterior durante seu mandato.

Junto com o presidente, o navio levava doutrinas que, nas palavras de Henry Kissinger, “situaram os diplomatas europeus em terreno completamente desconhecido”.

O Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, consagrou as duas ideias fundamentais de Wilson: autodeterminação dos povos e segurança coletiva. Cem anos depois, os esperançosos faróis de Versalhes converteram-se nas encruzilhadas cruciais da ordem global do século 21.

Paz perpétua —a utopia de Wilson seria erguida sobre o duplo alicerce do direito de todas as nações a um governo soberano e da cooperação mundial numa estrutura de prevenção de conflitos. Um “governo mundial”? A igualdade entre as potências e as pequenas nações?

Na avaliação sardônica de um diplomata britânico, conta-nos Margaret MacMillan, o sonhador presidente dirigia-se à Conferência de Paris imbuído da “mesma fascinação de uma debutante com a perspectiva de seu primeiro baile”. Mas, como a força quase tudo pode, os europeus bailaram a valsa americana. A ordem que dali emergiu durou curtos 20 anos, até a deflagração da nova guerra mundial. As duas ideias revolucionárias continuam a nos atormentar.

A Liga das Nações, imaginada por Wilson como substituto da doutrina europeia do equilíbrio de poder, continha uma dúbia promessa americana de ruptura com o isolacionismo. O próprio Wilson elegera-se, em 1916, sob um slogan isolacionista: “Ele nos manteve fora da guerra”. Sua promessa foi quebrada pelo Senado, que rejeitou a adesão dos EUA à Liga em novembro de 1919. Mais tarde, diante de uma tragédia ainda maior, Franklin Roosevelt restauraria o vaso partido da segurança coletiva, refazendo a obra inconclusa de Wilson pela criação da ONU.

*Rabih A. Nasser: Acordo vem como resposta a ceticismo com globalização

- Folha de S. Paulo

Brasil pode romper com a dificuldade histórica de concluir acordos comerciais relevantes
A conclusão das negociações para um acordo de associação entre Mercosul e União Europeia é uma boa notícia, por vários motivos.

Primeiro, porque o anúncio vem em um momento de crescente ceticismo, e mesmo frustração, com os benefícios do livre-comércio e da globalização.

Trata-se de um esforço de integração entre duas regiões importantes, por meio do direito internacional, em uma época de tensões comerciais e demonstrações de desapreço pelas regras e instituições de cooperação internacional criadas desde a segunda guerra mundial.

Em segundo lugar, permite ao Mercosul recuperar relevância, ao demonstrar a capacidade dos seus membros em formar consensos e concluir negociações complexas de forma conjunta.

Nesse sentido, pode dar um impulso ao aprofundamento da integração do Brasil com seus vizinhos.

Em terceiro lugar, rompe a dificuldade histórica do Brasil de concluir acordos comerciais relevantes com países de fora da região.

Julianna Sofia: PSL, com P de problema

- Folha de S. Paulo

Partido do presidente traz dor de cabeça ao Planalto, com atraso na Previdência e esquema de laranjas

Nos seis meses de governo que Jair Bolsonaro completa na segunda (1º), entre (poucos) altos e (muito) baixos, o presidente arrastou um grilhão chamado PSL. De partideco a uma das maiores bancadas da Câmara, a legenda tornou-se um amálgama de inexperiência política com ativismo digital, excesso de ideologia, deslizes éticos e práticas supostamente ilegais.

Não à toa, surgiram nestes 180 dias especulações sobre uma possível troca de partido do clã bolsonarista, boatos logo afastados e atribuídos a chuvas de fake news —intempérie agregada ao mapa climático do Planalto Central desde janeiro.

A mais recente evidência do descolamento da sigla das orientações governistas é o nó criado pelo PSL para o avanço da reforma da Previdência —embora haja outros tantos entraves na tramitação da PEC. A insistência de pesselistas em beneficiar categorias profissionais ligadas à segurança pública, garantindo regras mais brandas para policiais federais, rodoviários, civis, agentes penitenciários e do Legislativo, irritou o centrão.

Marco Antonio Villa: Bolsonaro e seus filhos

- IstoÉ

Em 30 anos de vida parlamentar, a maior obra do presidente foi eleger seus rebentos. Juntos, os quatro adotaram a bandeira do irracionalismo

Jair Bolsonaro é uma figura exótica — no mínimo. Permaneceu 30 anos na vida legislativa e não deixou rastros. Nos dois anos passados na câmara de vereadores do Rio de Janeiro, nada fez. Sua atuação como fiscal do Executivo municipal foi nula. Mesmo assim, explorando oportunisticamente o tema da segurança pública, conseguiu se eleger deputado federal em 1990.

Passou 28 anos na Câmara dos Deputados. Presidiu comissões? Relatou projetos? Debateu os grandes temas nacionais? Os anais da casa nada registram. Foi o exemplo mais acabado do que se conhece como baixo clero. Pouco trabalhou. Omitiu-se nos momentos mais graves das últimas três décadas. Faltou a muitas sessões.

Acostumou-se ao ócio, à boa-vida dos parlamentares, todo mês com o salário garantido, as despesas pagas, empregando familiares e amigos, sempre com dinheiro público. Gostou tanto das benesses da velha política que introduziu sua primeira esposa, em 1992, como vereadora no Rio de Janeiro.

Marcus Pestana: O Estatuto do Desarmamento e um estranho no ninho

Ao se armar a população, o que crescerá serão os crimes banais

Tudo indica que teremos mais três anos e meio pela frente marcados por relações tensas entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

É a primeira vez que o governo não tem base sólida nas duas Casas legislativas. É evidente que o chamado “presidencialismo de coalizão” deu mostras de esgotamento. Mas a postura do presidente da República demonstra a intenção de polarizar sempre, em vez de apostar no diálogo e na negociação, criando impasses permanentes.

A dúvida da semana foi em torno dos decretos presidenciais que flexibilizaram o porte e a posse de armas. Nove entre dez juristas consideraram os decretos inconstitucionais.

Confesso que não sou especialista em questões de segurança pública. Nesse caso, vivi na pele a máxima do Paralamas do Sucesso: “Entrei de gaiato num navio”. Em 2017, foi instalada a Comissão de Revisão do Estatuto do Desarmamento. Atendendo apelos de ONGs como Sou da Paz, do Instituto Igarapé e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mesmo não sendo especialista, concordei em ser membro. Jamais tinha presenciado uma discussão tão polarizada e sectária. Estudei profundamente o assunto e acompanhei todas as audiências públicas.

Junto com os deputados Raul Jungmann e Subtenente Gonzaga, apresentei um substitutivo que flexibilizava a legislação com ponderação e responsabilidade. O substitutivo foi derrotado na comissão especial, mas contava com a simpatia das polícias militares, das Forças Armadas e da Polícia Federal. A matéria, por diversos motivos, não foi a plenário.

Agora, Bolsonaro recuou, revogando os decretos. E mandou um projeto de lei que será apreciado pelo Congresso Nacional nos próximos meses.

Míriam Leitão: Vencer o velho isolamento

- O Globo

Acordo com a União Europeia tira o Mercosul do isolacionismo e significa a vitória da ala pragmática do atual governo

É uma grande vitória o acordo comercial União Europeia e Mercosul. Ainda é rascunho, os detalhes são pouco conhecidos, mas a dimensão política de um aprofundamento das relações com a Europa é forte. Vai demorar ainda uns dois anos, segundo fontes do próprio governo, para virar realidade. Há o processo de fechamento dos textos, traduções em todas as línguas e aprovação pelos parlamentos. Mas o efeito na expectativa acontece já e vários fatores ajudaram a levar a esse momento, que é histórico.

Os analistas de fora do governo explicam que as negociações foram retomadas durante o governo Temer, nas gestões de José Serra e Aloysio Nunes no Itamaraty, depois de uma longa hibernação nas administrações Lula e Dilma. Negociadores do atual governo, com quem eu falei, defendem que o desfecho só foi possível agora porque houve um alinhamento entre a política econômica e a política comercial, quando as duas áreas passaram a fazer parte do mesmo ministério.

Um acordo dessa complexidade não se faz em apenas seis meses, evidentemente. Mas o que se diz no governo é que as concessões em áreas como propriedade intelectual, regra de origem e navegação de cabotagem permitiram o salto que levou ao acordo. E que isso só foi possível porque na Argentina o governo é de Mauricio Macri, e porque aqui venceu a ala mais pragmática da atual administração.

Merval Pereira: Trabalhador contra robôs

- O Globo

José Roberto Afonso considera a reforma da Previdência necessária, mas insuficiente para lidar com futuro

Entre as propostas que continuam sendo debatidas para a conclusão do texto da reforma da Previdência, uma é fundamental para o modelo de país que queremos construir. A proposta do relator Samuel Moreira, do PSDB, que, no fundo, é do ministro da Economia, Paulo Guedes, é acabar com a poupança do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que já caiu de 40% para 28%, e usá-lo para pagar aposentadorias.

Essa é a opinião de José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), um dos maiores especialistas em finanças públicas do país. “Cobra-se uma contribuição do faturamento das empresas, o PIS, a pretexto de financiar o seguro-desemprego, mas se pretende que 58% da receita sejam usados para ex-trabalhadores já aposentados, inclusive os servidores públicos”, lamenta. O futuro do emprego preocupa José Roberto Afonso, que prevê “um desemprego tecnológico brutal, provocado por robôs, economia compartilhada e outras realidades novas”. Quando mais se precisará do FAT, diz ele, o populismo atual vai esvaziá-lo. Afonso considera a reforma da Previdência necessária, mas insuficiente para lidar com um futuro em que cada vez mais o trabalho não passará por emprego e salário. Para ele, não é a educação que resolverá o desafio, mas habilidades: “Será premente também mudar as qualificações de quem já está dentro do mercado de trabalho”.

A rede de proteção social aos trabalhadores gira em torno do emprego, e os salários são referenciais, seja para cobrança de contribuições sociais, seja para pagamento de benefícios, como seguro-desemprego e aposentadoria. José Roberto Afonso assegura que “essa construção será abalada pela revolução econômica e social, que passará pela automação do processo de trabalho e a expansão do trabalho independente”.

Mais que o BNDES, será o jovem de hoje, que vai virar o desempregado do futuro, que vai pagar a conta dos ex-trabalhadores do passado, alerta. Ele diz que o FAT é dos raros fundos públicos que tem dinheiro, e só conseguiu isso porque foi gravado na Constituição que uma parcela de sua arrecadação seria convertida em poupança, aplicada no BNDES, ao invés de ficar parado nos cofres do Tesouro.

Ricardo Noblat: O mau negócio que Moro fez

- Blog do Noblat/ Veja

De herói da Lava Jato a ex-juiz suspeito de ter prevaricado

Não foi por falta de aviso que o ex-juiz Sérgio Moro despiu-se da toga para vestir o terno bem cortado de ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. Procuradores da República o aconselharam a não fazê-lo para preservar sua credibilidade e a da Lava Jato.

Carlos Fernando Souza, chefe da operação, foi um deles. Torceu e rezou para que Moro recusasse o convite que recebera antes mesmo de Bolsonaro se eleger. Deltan Dallagnol foi outro, embora disposto a continuar defendendo Moro acima de qualquer coisa.

A mulher do ex-juiz comemorara nas redes sociais a vitória do capitão. O próprio Moro se apressara a cumprimentar o presidente eleito na mesma noite em que isso aconteceu. Menos de uma semana depois, aceitou o convite que mudaria sua vida para sempre.

Tudo isso e mais um pouco está em mais uma leva de conversas entre procuradores revelada nesta madrugada pelo site The Intercept. É o oitavo capítulo de uma reportagem que parece muito longe de terminar e que abala a reputação de Moro.

Se arrependimento matasse, e se esse fosse o sentimento do ex-juiz, ele estaria morto a essa altura. De herói da Lava Jato, a operação mais bem-sucedida de combate à corrupção da história deste país, Moro passou à condição de suspeito de ter faltado com seu dever.

Era dever de Moro, como é de qualquer outro juiz, comportar-se com isenção, neutralidade, no julgamento de processos. É o que manda a Constituição. E é simples assim. As conversas reveladas mostram que ele ultrapassou todos os limites e enlameou a toga.

Ah, a vaidade, o pecado favorito do diabo! Moro achou que só teria a ganhar mudando de lado. Na pior das hipóteses, ficaria no governo, debaixo de holofotes amigos, até virar ministro do Supremo Tribunal Federal como Bolsonaro lhe prometera.

Na melhor das hipóteses, justamente aquela acalentada pela mulher dele, poderia suceder Bolsonaro como presidente da República. Para isso bastaria que se saísse bem como ministro da Justiça e, naturalmente, contasse com um pouco de sorte.

Faltaram-lhe as duas coisas. Como ministro, fez um pacote de leis anticrime que o Congresso cozinha a fogo brando, e assim será. A sorte lhe faltou quando o site The Intercept recebeu de uma fonte o material que é nitroglicerina pura contra ele.

Se a política é de fato como uma nuvem que agora tem uma forma e daqui a instantes outra, Moro ainda poderá ambicionar a vaga de um presidente que já anunciou que será candidato à reeleição. Mas a vaga de ministro do Supremo, melhor que Moro a esqueça.

Liberalismo se tornou obsoleto, diz Putin

Por Lionel Barber e Henry Foy | Financial Times, de Moscou / Valor Econômico

Vladimir Putin alardeou o crescimento dos movimentos populistas nacionais na Europa e nos EUA, ao clamar, triunfante, que o liberalismo acabou como força ideológica. Em entrevista ao "Financial Times", concedida no Kremlin na véspera da cúpula do G-20, o presidente russo disse que "o pensamento liberal ficou ultrapassado", pois a opinião pública se voltou contra a imigração, as fronteiras abertas e o multiculturalismo.

O ataque impiedoso de Putin ao liberalismo - ideologia ocidental dominante desde o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 - está em sintonia com os líderes anti-establishment, do presidente Donald Trump ao húngaro Viktor Orbán, o italiano Matteo Salvini e a rebelião do Brexit no Reino Unido.

"[Os liberais] simplesmente não podem mais ditar nada a ninguém, como tentaram fazer ao longo das últimas décadas", disse.

Putin tachou a decisão da premiê Angela Merkel de autorizar o ingresso de mais de um milhão de refugiados na Alemanha - principalmente sírios fugindo da guerra - de "erro essencial". E elogiou Trump por tentar deter o fluxo de migrantes e de drogas do México.

"Esse pensamento liberal pressupõe que não é preciso fazer mais nada. Que os migrantes podem matar, saquear e estuprar impunemente porque seus direitos de migrantes têm de ser protegidos." E completou: "Todo crime tem de ter seu castigo. O pensamento liberal se tornou obsoleto. Entrou em choque com os interesses da maioria esmagadora da população".

Como governante "de fato" da Rússia há quase duas décadas, Putin, de 66 anos, foi regularmente acusado de apoiar, secretamente, movimentos populistas por meio de ajuda financeira e mídias sociais, notadamente na eleição presidencial de 2016 nos EUA, no plebiscito do Brexit e na recente eleição para o Parlamento europeu.

Moro já foi censurado por STF e, para decano, ele comprometeu o 'fair trial'

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - A atuação do hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como magistrado na Vara Federal Criminal em Curitiba já foi abertamente debatida no Supremo Tribunal Federal e classificada por ministros da corte como "gravíssima", "incomum", com evidentes "excessos" no exercício de poderes legais e passível de sanção administrativa. Em 2013, a Segunda Turma do STF julgou pedido de habeas corpus em que os impetrantes solicitavam a declaração de suspeição e impedimento de Moro, acusando-o de "atuação parcial" e pediam a nulidade de ação penal.

Por 4 votos a 1, os ministros concluíram que, "apesar de censuráveis", excessos cometidos por Moro não caracterizariam causa de impedimento ou suspeição, levando à anulação do processo. É, porém, no voto divergente, do ministro Celso de Mello, decano da Corte, para o qual se voltam as atenções, seis anos depois, quando a conduta de Moro está sob escrutínio público e será, mais uma vez, analisada no segundo semestre quando o Supremo retomar o julgamento do HC do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O voto de Celso de Mello foi "cancelado" do acórdão, e não é possível acessar a íntegra da explicação do ministro para sustentar sua decisão à época. Está registrada apenas versão simplificada da decisão do decano, para quem o magistrado sob análise da Corte, na ocasião, teria ofendido gravemente a cláusula constitucional do devido processo legal.

"A situação exposta nos autos compromete, segundo penso, o direito de qualquer acusado ao 'fair trial', vale dizer, a um julgamento justo efetuado perante o Poder Judiciário que observe, em sua conduta, relação de equidistância em face dos sujeitos processuais, pois a ideia de imparcialidade compõe a noção mesma inerente à garantia constitucional do 'due process of law'", declarou Celso de Mello.

O Valor solicitou ao gabinete de Celso de Mello e à assessoria do STF a íntegra do voto e questionou a razão para não constar no acórdão. Não é raro acórdãos serem publicados sem a íntegra dos votos, e ministros também podem solicitar a retirada da publicação. A assessoria do STF não respondeu aos questionamentos da reportagem até a conclusão desta edição.

O HC julgado em 2013 foi impetrado em 2008 pelos advogados Cezar Roberto Bittencourt e Andrei Zenkner Schmidt, que defendiam Rubens Catenacci, acusado de crimes contra o sistema financeiro. Catenacci morreu em abril deste ano. Foi processado em três ações penais, tendo sido absolvido em uma delas. Em duas, segundo seus advogados, a punibilidade foi extinta por prescrição.

Desemprego por período longo faz renda cair mais

Por Thais Carrança | Valor Econômico

SÃO PAULO - Desempregados por um período longo têm menos chances de voltar ao mercado de trabalho e, quando conseguem se ocupar, recebem rendimento até 13,6% menor do que os desocupados de curta duração, aponta o Banco Central em box do Relatório Trimestral de Inflação, divulgado ontem.

Esses trabalhadores também têm maior probabilidade de voltar ao mercado exercendo atividades por conta própria ou domésticas, considerando as diferentes categorias de ocupação, com menor chance de retorno para a indústria e construção civil, quando levados em conta os diferentes ramos de atividade.

Apesar do aumento da participação dos desocupados de média e longa duração no total de desempregados - de 33,8% no primeiro trimestre de 2014 para 39% no primeiro trimestre de 2017, permanecendo relativamente estável até os primeiros meses de 2019 -, a desocupação de curta duração segue tendo maior peso para a dinâmica de inflação, avalia o BC no estudo.

Acordo com União Europeia é obra transformadora: Editorial / O Globo

Concorrência externa leva países fechados como o Brasil a se tornarem mais eficientes

O Acordo Mercosul-União Europeia anunciado ontem tem dimensão proporcional ao seu ineditismo. Amadurecido em 20 anos de negociações, tem sentido que transcende o simples formato de um acerto econômico transatlântico.

Une 780 milhões de pessoas em Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e 28 países europeus numa inequívoca aposta na cooperação internacional, baseada em princípios da democracia liberal, do livre mercado, da proteção ambiental e do multilateralismo. Juntos, somam 25% da riqueza mundial.

Não é pouco numa época de fragmentação e reedição de políticas nacionalistas, fundadas em unilateralismo populista, às vezes racista e xenófobo, e sempre antiglobalizante.

Sua construção atravessou vários governos, inúmeras vacilações nas duas margens do Atlântico, mas, enfim, se consolidou como notável reafirmação do êxito de um sistema de comércio mundial lastreado em normas de consenso.

Na essência, o acordo revigora o Mercosul e a União Europeia. Abre novas fronteiras de negócios em praticamente todo o comércio de bens e serviços nos dois continentes. Adota ritmo progressivo na isenção de tarifas. Obriga à sintonia na modernização de regulações de mercados, das normas setoriais — inclusive as fitossanitárias — e das regras de propriedade intelectual.

O preço dos desacertos: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro precisa tomar decisões todos os dias, a todo instante. A mais importante – porque dela dependem não só o futuro de seu governo, mas, principalmente, o do País – é se deseja continuar governando como um presidente de nicho ou, como esperamos, assumir como o presidente de toda a Nação, adotando um tom conciliador.

Até aqui, o presidente tem demonstrado, por meio de suas ações e palavras, ter uma compreensão equivocada do que representam os 58 milhões de votos que o levaram da Câmara dos Deputados para o Palácio do Planalto. Trata-se, é evidente, de uma eleição consagradora, mas nem remotamente o resultado das urnas significa carta branca para que Jair Bolsonaro leve adiante sua agenda programática a ferro e fogo, sem negociá-la com amplos setores da sociedade, sejam ou não seus eleitores. As diatribes da campanha eleitoral deveriam ter cessado em 29 de outubro do ano passado.

Desde sua posse, as faturas dos desacertos do governo de Jair Bolsonaro não param de chegar. A mais recente foi apresentada pelo Ibope na quarta-feira passada. Uma nova pesquisa, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), revelou que a insatisfação da população com o governo federal subiu de 27% em abril para 32% em junho, o maior índice negativo do governo Bolsonaro nesses seis meses de mandato.

Para ontem: Editorial / Folha de S. Paulo

Atraso na votação da reforma da Previdência cria riscos para a retomada da economia

O projeto da reforma da Previdência, emendado pelos deputados, vai chegar mais tarde ao plenário da Câmara dos Deputados.

Ficou para a próxima semana a apresentação do texto na comissão especial dedicada ao tema. Aumentou, com isso, o risco de que a tramitação na Casa só seja concluída depois do recesso parlamentar, marcado para 17 de julho.

Para um assunto em discussão há mais de duas décadas, um atraso de dias ou semanas parece irrelevante. Não é bem o caso.

O Brasil vive o sexto ano de crise econômica, sob ameaça de recaída recessiva. Além do mais, o tempo político se conta de outra maneira, e janelas de oportunidade se fecham de modo inesperado.

Basta lembrar o episódio que soterrou a agenda reformista no governo Michel Temer (MDB) —o grampo revelado em maio de 2017. Minutos de uma conversa obscura entre o então presidente e um empresário sob investigação resultaram em atraso de dois anos.

Messias prega no deserto de ideias: Editorial / Revista IstoÉ

Ok, vamos partir para as novas fixações, outros planos prioritários, de nosso capitão-reformado eleito Jair Messias Bolsonaro, também atendendo pela alcunha de “Mito” entre grupos de idólatras que cultuam a sua infinita genialidade, digamos assim.

Esqueçamos por um momento que ele tenta premiar os maus hábitos de motoristas infratores, estendendo a pontuação das penalidades, busca lançar crianças ao risco de acidentes automobilísticos com o fim da exigência das cadeirinhas, eliminar o horário de verão, rever o sistema da tomada de três pinos, armar a população para uma ameaça de golpe, comprar drones que custam R$ 150 milhões/cada para vigiar o espaço aéreo e outras quinquilharias ideológicas de quem parece estar sempre maquinando a próxima traquinagem como deleite aos seguidores.

O que vai mudar de vez o País agora, pauta para um Brasil melhor, na sua concepção, é a transferência do Prêmio de Fórmula Um para o Rio de Janeiro. Interesse estratégico nacional, prega o Messias. Com um detalhe: a Cidade Maravilhosa terá de construir um autódromo inteiramente novo, do zero, após ter destruído por completo o último (em Jacarepaguá), por falta de uso. Até já escolheu endereço — muito adequado, diga-se de passagem. Será em Deodoro, na periferia da capital. Para quem não está familiarizado com a localidade, o terreno fica plantado no meio do mato, cercado por favelas, sem saneamento básico, sem vias de acesso, sem energia. A exigir, portanto, das autoridades simpatizantes da proposta um investimento brutal em infraestrutura e no sistema de suporte ao pretendido evento.

O candidato sai do armário: Editorial / Revista Veja

Como em tantas outras atividades, pessoais ou profissionais, a política costuma punir com rigor o excesso de pressa ou seu avesso, a vagarosidade.

Tomar a decisão certa, no momento preciso, costuma fazer toda a diferença no resultado. Há duas semanas, o presidente Jair Bolsonaro arriscou um movimento com um timing, no mínimo, questionável. Durante o principal encontro evangélico do país, a Marcha para Jesus, em São Paulo, ele confirmou, abusando das condicionais, a intenção de disputar a reeleição em 2022. “Se não tiver uma boa reforma política, se o povo quiser, estamos aí.”

Na verdade, repetiu, de forma um pouco mais explícita, o que havia dito em entrevista exclu¬siva dada a VEJA no início do mês.

Evidentemente, desde que a emenda da reeleição foi aprovada, em junho de 1997, há 22 anos, foram raros os mandatários de cargos executivos que não arriscaram o segundo mandato. No caso de Bolsonaro, porém, dois deta¬lhes chamaram atenção.

O primeiro é a quebra de uma promessa de campanha. No calor da disputa em 2018, antes da facada, o candidato do PSL alegou muitas vezes que não tinha intenção de permanecer no cargo por mais de um mandato. Usava tal argumento como um diferencial seu em relação aos demais, uma prova de superioridade ética ante os que almejam o poder apenas para ali se perpetuar.

O segundo ponto curioso é justamente o momento de tal anúncio. É esperado que cedo ou tarde um presidente assuma sua condição de candidato à reeleição. Todos os que foram eleitos assim procederam (Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff). Mas nenhum deles saiu do armário e revelou publicamente tal desejo com apenas seis meses no cargo. Isso é inédito.

Sororidade econômica: Editorial / Revista Época

No dia 1º de julho, a moeda brasileira, o real, completa 25 anos em circulação. Será o padrão monetário brasileiro mais duradouro desde o Estado Novo. Não é feito pequeno para um país que teve nove moedas no período. Trocou o real, implantado no Brasil Colônia, pelo cruzeiro (1942), este pelo cruzeiro novo (1967), voltou ao cruzeiro (1970), inventou então o cruzado (1986), depois o cruzado novo (1989), para voltar ao cruzeiro (1990), migrar para o cruzeiro real (1993) e, enfim, retornar ao real (1994).

A nova moeda surgia na tentativa de conter a crise inflacionária brasileira, com raízes na década de 50 e tonificada no regime militar. Nessa época, os preços subiam cerca de 3.000% ao ano. Hoje sobem algo próximo a 4,5% ao ano.

A inflação é um imposto disfarçado que incide sobre o salário e prejudica aqueles menos capazes de se defender — as pessoas que não têm acesso a investimentos no sistema financeiro. A maioria paga, e só alguns poucos, mais do que se protegem, lucram com ela.

A sapiência do Plano Real estava em trocar o controle de preços pelo controle do câmbio. Era a chamada âncora cambial, que segurava a variação de preços usando, por exemplo, a importação de bens e produtos.

O real trouxe organização econômica para o país, com ganhos para o poder público e para a população em geral. Baixou de fato a inflação, mas a estabilização não foi suficiente para deslanchar o crescimento econômico. Aos poucos, o Brasil chegou à inflação de apenas 1,5%, em 1998. Os juros, no entanto, continuavam de terceiro mundo. O Banco Central jogou a taxa básica nas alturas, desestimulando o consumo e atraindo investidores para equilibrar as contas externas. Inflação baixa e juro alto resultaram em pouco crescimento econômico, sustentado em boa parte pelas exportações.

O Produto Interno Bruto (PIB), que mede a riqueza produzida no país, crescia quase 6% no lançamento do real. Quatro anos depois, em 1998, a economia brasileira praticamente parou de crescer. A estagnação coincidiu com as crises externas da Ásia e da Rússia, entre 1997 e 1998.

Durante a década de 90, ocorreram os problemas de balanço de pagamentos advindos da paridade com o dólar — um tipo de paridade destruidor para a economia brasileira, dada sua baixa produtividade.

Persio Arida: “O real criou a base do país moderno”

- Revista Época

O economista Persio Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central, disse que a maior derrota do Plano Real foi perder a batalha da reforma da Previdência. Se aprovada, ela teria mudado drasticamente a história econômica do país. Já como um programa de estabilização inflacionária, avaliou que foi foi extraordinariamente bem-sucedido.

Depois de 25 anos, como o senhor enxerga o Plano Real?

Como um programa estritamente de estabilização inflacionária, o Plano Real foi extraordinariamente bem-sucedido. Mas nós sabíamos que só seria possível sustentar a inflação baixa com reformas modernizantes. Nosso objetivo era colocar o país numa rota de crescimento elevada. A troca monetária era apenas o começo, e não o fim do processo. Depois que FHC foi eleito, empreendemos um amplo programa de reformas: quebra dos monopólios estatais, privatização de companhias e bancos estaduais, abertura da economia e do setor financeiro, criação das agências reguladoras, tripé macroeconômico com superávit fiscal. As bases do Brasil moderno de hoje foram montadas naquela época. Daí veio o PT, Lula e Dilma, que trataram de desfigurar as reformas, e acabamos com o superávit primário.

Qual foi o maior erro cometido naquela época?

Perdemos a batalha da Previdência por um único voto. Se tivéssemos aprovado a reforma da Previdência naquele momento, teríamos mudado drasticamente a história econômica do país.

Faz sentido o país continuar com meta de inflação?

Faz sim. Na verdade, sempre há uma preocupação com o desemprego no sistema de metas, até porque a regra básica é baixar os juros sempre que a economia estiver com capacidade ociosa. O que não faz sentido é ter meta de crescimento para o Banco Central porque não é criando reservas bancárias que o Brasil vai crescer mais ou menos no longo prazo.

Edmar Bacha: “A situação é dramática”

- Revista Época

A batalha da inflação está ganha, mas o país não pode abrir mão do sistema de metas de inflação, defendeu Edmar Bacha, para quem o Brasil está numa situação dramática. Um dos pais do Plano Real, é diretor da Casa das Garças, instituição dedicada a estudos e debates da economia.

Como o senhor avalia o Plano Real?

Na parte da implementação do ajuste fiscal, o dever de casa ainda não foi concluído. Não conseguimos retomar uma agenda de crescimento sustentado pós-Real. O período de maior crescimento foi o auge das commodities, e foi algo que veio de fora. Acabou o auge, acabou o crescimento, ou o delta de crescimento. É complicado voltar a crescer, tem ainda o problema circunstancial que é o fato de que, desde 2014, o país está em depressão. Nossa situação é dramática.

O senhor diria que o país vive um período tão conturbado quanto o de 1994?

Recuperamos o instrumento monetário e o câmbio. Hoje, temos US$ 350 bilhões de reservas, e o Brasil é superavitário em termos de créditos em dólares versus débitos em dólares. Então este problema desapareceu. As políticas cambial e monetária têm mais flexibilidade, mas temos de resolver a questão fiscal. É uma batalha difícil. Existe hoje um conjunto de planos e projetos cuja questão básica é decisão política e capacidade de fazer as leis serem aprovadas no Congresso.

Como desatar o nó da política?

Temos um presidente que não gosta de política. Ele precisa mudar de atitude. Se o presidente Bolsonaro quiser ser reeleito, ele vai ter de mudar. A questão é se ele vai mudar por convicção ou precisaremos chegar a uma crise ainda maior que a atual. Pelo visto, acho que o governo vai precisar de uma crise para mudar de atitude. Nada indica que as coisas vão melhorar o suficiente para ultrapassarmos a batalha da Previdência, que é apenas uma batalha. Está ficando muito custoso em termos do ajuste fiscal.

E como retomar o crescimento?

A equação para retomada do crescimento não é simples. Existe uma abundância de recursos financeiros no mundo. O problema é onde aplicar a poupança externa, e o Brasil não oferece um ambiente atrativo.

O senhor acredita que a inflação é um problema resolvido?

Não podemos abrir mão da meta da inflação. Ela veio para ficar.

Pedro Malan: “Gastos sobem em velocidade insustentável”

- Revista Época

Defensor dos regimes de meta de inflação e de câmbio flutuante, o ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda Pedro Malan afirmou que os dois regimes não deveriam mudar.

Visto em retrospecto, o senhor diria que o Plano Real deu certo?

O Plano lidou com o mais urgente dos desafios, que era a inflação naquele ano. Nós sabíamos que ela ultrapassaria 2.000%. Em 1988, foi 250%... era insustentável dar continuidade àquela situação. Não era o desafio fundamental, que resolveria todo o resto. Tínhamos a clara consciência de que era o mais urgente dos desafios. E, uma vez que a hiperinflação fosse derrotada, como foi, a agenda do Brasil, pós-derrota da hiperinflação, era a agenda que se confundia com a agenda do desenvolvimento econômico e social do país. Era o mais urgente, mas nunca achamos que era um fim que se esgotava em si mesmo.

O dever de casa pós-Real foi feito?

Em 13 de junho de 2019, completamos 26 anos do lançamento do Programa de Ação Imediata (PAI), um texto relevante onde defendíamos, com muita clareza, que o desafio mais urgente era a inflação. Esse foi o primeiro documento do Plano Real, e já estava lá que, após o controle da inflação, seria preciso enfrentar o descalabro das contas públicas. Faz duas décadas que o regime de metas de inflação foi adotado. Ele serviu bem ao país, e eu espero que continue servindo. E há 20 anos e seis meses estamos com o regime de taxa de câmbio flutuante, que também serviu bem ao país, e eu espero que continue servindo. Esses dois regimes não deveriam mudar.

A reforma da Previdência seria uma forma de resolver o problema fiscal?

No Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em alguns municípios, o descontrole fiscal continua sendo a agenda fundamental de longo prazo. Precisamos aprovar a reforma da Previdência, mas ela precisa ser robusta, porque os gastos estão subindo numa velocidade absolutamente insustentável. E o pior: o aumento desses gastos está reduzindo a alocação de recursos para outras áreas, como saúde e educação. Assim como o Real não era uma panaceia, a solução, um fim em si mesmo, a reforma da Previdência também não é. Mas, caso ela não venha a ser aprovada, pode provocar um efeito negativo sobre a formação das expectativas, o que pode retardar ainda mais o crescimento. Aqui no Brasil temos dificuldade de fazer uma operação aritmética simples: a soma. Nem sempre a soma dos desejos é compatível com a receita.

Gustavo Franco: “Temos medo de confrontar interesses”

- Revista Época

Vinte e cinco anos depois, o economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco disse que não mexeria em uma vírgula do Plano Real. Ele lamentou que o país esteja progredindo menos do que seria necessário para crescer e afirmou que a reforma da Previdência não é em si garantia de retomada do crescimento econômico do país.

O Plano Real era apenas um programa de combate à inflação?

Queríamos reescrever toda a Constituição de 1988. Se tivéssemos aprovado a reforma da Previdência, a quebra do monopólio... olha o tempo que estamos levando para consertar a Constituição, que, naquele momento, estava aberta à revisão, como previa a própria Carta de 88.

O que o senhor mudaria no Plano Real?

Não mudaria absolutamente nada. Só em 1997 é que a inflação chegou num ponto considerado bom. Era uma guerra de infantaria. Qualquer coisa que fizéssemos diferente, não chegaríamos com uma inflação de 5,22% àquele ano. Teríamos chegado apenas lá pelos anos 1999 ou 2000. Durante todos estes anos, resistimos à tentação. Não voltamos à hiperinflação. Mas ainda não viramos um atleta, porque temos medo de confrontar interesses estabelecidos. Daí por que não conseguimos revisar a Constituição, o que requer duas votações, na Câmara e no Senado.

Faz sentido manter meta de inflação?

Claro que sim. Quando adotamos o sistema de metas de inflação em 1999, ele já estava amadurecido. Se tivéssemos adotado antes dessa data, logo após a implantação do Plano Real, ririam da nossa cara. Ninguém tomaria uma meta para a inflação como uma âncora. Arminio Fraga (presidente do BC de 1999 a 2003) tem um grande mérito por ter se arriscado a adotar esse sistema no Brasil, numa época em que ele ainda era pouco conhecido por aqui. Ainda bem que tínhamos feito o trabalho de desintoxicar o país da cultura inflacionária anos antes.

O país tem 13,1 milhões de desempregados. Deveríamos também ter meta de desemprego?

Na prática ela já existe, só que as pessoas não sabem. A autoridade monetária brasileira não é o Banco Central (BC), é o Conselho Monetário Nacional (CMN). Quando o CMN diz ao BC, através de um decreto do presidente, que ele vai fazer metas para a inflação, os outros seis objetivos continuam valendo. Ou seja, sempre que o BC usa nas suas atas a expressão balanço dos riscos, ele está falando em inflação e atividade. Ou seja, a meta de desemprego está embutida nessa expressão.

A reforma da Previdência é a solução para todos os males?

A reforma da Previdência não é em si suficiente para garantir o crescimento. Para passar uma peça tão complexa e grande de texto constitucional, é necessário arregimentar forçar políticas.

Arminio Fraga: “O governo foi frouxo do ponto de vista fiscal”

- Revista Época

Presidente do Banco Central entre 1999 e 2003, o economista Arminio Fraga foi aluno dos principais criadores do Real. Definiu como brilhante a introdução da URV para escapar da indexação, mas acha que a primeira gestão de FHC falhou do ponto de vista fiscal.

Vinte e cinco anos depois, qual é a maior herança e o maior mea-culpa que deve ser feito sobre o Real?

Havia várias frentes de trabalho sobre o que fazer com a chamada inflação inercial, preocupação que já vinha lá do Simonsen, para dar crédito a quem merece. Os experimentos ortodoxos que haviam dado errado e, depois, os heterodoxos que deram errado também. E aí começou a se consolidar a ideia de que era preciso algo mais completo, que levasse em conta a indexação da economia, mas que também tivesse outras dimensões. O Plano Real saiu daí, com a solução muito criativa, brilhante, da URV. Foram necessários alguns ajustes depois. Mas o que pegou desde o início, que, a meu ver, é o que sustenta o real até hoje, foi o fato de o povo ter gostado da vida sem inflação. A inflação baixa virou um bem público. Todo o período ali do primeiro mandato do Fernando Henrique foi, do ponto de vista fiscal, relativamente frouxo, mas o resto foi muito difícil e bem executado. No momento em que a inflação desapareceu, alguns problemas surgiram com mais clareza. Eles estavam meio escamoteados.

Quais, por exemplo?

Primeiro, foi o problema bancário. O sistema bancário brasileiro é uma espécie de parasita da inflação, e isso gerou crises bancárias sucessivas. Primeiro nos bancos privados, depois em praticamente todos os bancos públicos também. Deu um trabalho danado para consertar. Depois, mais para o final, o câmbio tinha ficado valorizado. Estava defasado, em um vocabulário mais da época, e as finanças públicas também. As finanças públicas porque o Orçamento era administrado ali na boca do caixa. Com uma inflação de 30% ao mês, se segurasse uma liberação de dez dias, eram 10% a menos liberados na prática. Então ficou difícil administrar tanto o balanço de pagamentos com o câmbio defasado quanto a vida fiscal também, porque esse truque deixou de funcionar. E a crise veio e era inexorável. O Brasil estava com uma taxa de juros real de 20% e com o saldo primário zerado e até negativo. Sabia-se que o final não seria feliz e que o câmbio também não se sustentaria.

Que tipo de reforma da Previdência acredita que será feita?

Acho que vai acontecer parcialmente. Uma vez aprovada uma reforma da Previdência que vai gerar um resultado que seria a metade do necessário, e o que é necessário já não era suficiente, vamos ver o que vai ser feito daqui para a frente. Está difícil arriscar alguma previsão.

Persio Arida: ênfase à nova Previdência tem efeito ruim para a economia

Uma das principais mentes por trás do Plano Real, que pôs fim à era da hiperinflação, economista diz que problemas hoje são mais fáceis de ser resolvidos

Por Machado da Costa / Revista Veja

Há 25 anos, um dos planos econômicos mais mirabolantes da história moderna — não só do Brasil, mas do mundo — atingia o seu ponto culminante, com o lançamento de uma nova moeda, que tomava emprestado o próprio nome. Cercado de desconfiança por parte da classe política, o Plano Real aliava intervenções na economia a reformas liberais para finalmente acabar com mais de uma década de hiperinflação no Brasil. Seus idealizadores viraram referências. Onze anos antes disso, Persio Arida fora, ao lado de André Lara Resende, o formulador de um projeto embrionário que seria lapidado somente em 1993, no governo de Itamar Franco, que tinha Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda. O economista, de 67 anos, recebeu VEJA, na terça-¬feira 25, em seu apartamento, na capital paulista, e relembrou o momento político vivido pelo país no período de lançamento do Real. Ao comparar aquela situação com a atual, disse que os problemas de hoje são mais fáceis de ser resolvidos. A reforma da Previdência, porém, frisou Arida, não será suficiente para solucioná-los.

• Os desafios da economia antes do Plano Real eram mais complexos que os de agora?

No lançamento do Real houve duas batalhas. A primeira era convencer a opinião pública a nos apoiar, depois de uma série de planos para acabar com a hiperinflação que fracassaram. A segunda era dar sustentabilidade à baixa inflação. Inflação baixa se consegue por várias formas, mas sustentá-la em níveis aceitáveis é muito difícil. Essas duas vitórias precisam ser celebradas, pois o cenário externo naquele momento era bastante adverso, com crise no México, na Rússia, crise cambial… e ainda teve o apagão. Durante os nove anos de Fernando Henrique Cardoso — oito na Presidência mais um antes, como ministro da Fazenda —, a situação macroeconômica foi muito difícil. Hoje, o cenário é bem mais tranquilo. E, do ponto de vista do Congresso, havia uma oposição muito mais organizada e aguerrida naquela época.

• O senhor se refere ao PT e ao ex-presidente Lula?

Certamente o Lula teria ganho a eleição se não fosse o Plano Real. Ele era o líder inconteste. O PT tinha um peso nos debates, no Parlamento e na opinião pública. Enfrentávamos uma oposição de esquerda aguerrida. A única coisa que tínhamos mais favorável do que o governo atual era uma fragmentação partidária menor. Mas existia muito mais resistência às reformas que sustentaram o Plano Real. Curiosamente, a maior oposição foi do PSDB de São Paulo, pois queríamos privatizar os bancos estaduais. Ocorria, muitas vezes, uma incompreensão do que eram as reformas modernizantes dentro do próprio grupo que sustentava o governo.

• Havia, porém, uma insatisfação dos brasileiros com a inflação. Isso ajudou?

De fato, havia uma demanda da população por um plano de estabilização. A demanda foi tão extraordinária que no Plano Larida, feito por mim e pelo André Lara Resende e que fundamentou o Plano Real, prevíamos que levaria de dois a três anos a reestruturação de todos os contratos com a moeda virtual, a chamada URV (Unidade Real de Valor). Quando posto em prática, isso virou três meses, o que mostra a velocidade de adesão da sociedade. Houve também uma circunstância excepcional: FHC era político, o que facilitou muito a conversa no Congresso. Nem mesmo o presidente entendia muito bem em que consistia o plano, mas confiava em seu ministro. FHC conseguiu, de alguma forma, travar um pacto social implícito de apoio ao programa.

Joaquim Cardoso: Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.

Caetano Veloso: Cajuina