Concorrência externa leva países fechados como o Brasil a se tornarem mais eficientes
O Acordo Mercosul-União Europeia anunciado ontem tem dimensão proporcional ao seu ineditismo. Amadurecido em 20 anos de negociações, tem sentido que transcende o simples formato de um acerto econômico transatlântico.
Une 780 milhões de pessoas em Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e 28 países europeus numa inequívoca aposta na cooperação internacional, baseada em princípios da democracia liberal, do livre mercado, da proteção ambiental e do multilateralismo. Juntos, somam 25% da riqueza mundial.
Não é pouco numa época de fragmentação e reedição de políticas nacionalistas, fundadas em unilateralismo populista, às vezes racista e xenófobo, e sempre antiglobalizante.
Sua construção atravessou vários governos, inúmeras vacilações nas duas margens do Atlântico, mas, enfim, se consolidou como notável reafirmação do êxito de um sistema de comércio mundial lastreado em normas de consenso.
Na essência, o acordo revigora o Mercosul e a União Europeia. Abre novas fronteiras de negócios em praticamente todo o comércio de bens e serviços nos dois continentes. Adota ritmo progressivo na isenção de tarifas. Obriga à sintonia na modernização de regulações de mercados, das normas setoriais — inclusive as fitossanitárias — e das regras de propriedade intelectual.
Libera 99% das exportações agrícolas do Mercosul, com 81,7% sem tarifas e regime de cotas ou preferências fixas para os 17,3% restantes — fica de fora uma centena de produtos.
Determina queda de tarifas de importação de bens de capital e de insumos, o que induz a aumento da produtividade industrial.
Facilita as compras governamentais, a integração de cadeias produtivas, investimentos em tecnologia, pesquisa, inovação, na infraestrutura e no setor de serviços. E em alguma medida abre economias fechadas como a brasileira ao exterior.
O comércio exterior ganha mais relevância no Produto Interno Bruto brasileiro. Haverá, é certo, maior competição doméstica em serviços e na indústria com consequências deflacionárias para os consumidores.
Alguns segmentos tendem a ser beneficiários de um crescimento expressivo a médio prazo. É o caso da indústria têxtil, que projeta aumento de 30% nas exportações para a Europa nos próximos cinco anos.
Entre os efeitos mais importantes está a necessidade de mudar a estrutura produtiva do Mercosul, com reformas amplas no setor público, para melhorar a solvência, a infraestrutura e dinamizar as relações entre agentes econômicos. Será preciso, também, novos padrões de gestão no setor privado — desde a prioridade a investimentos na base tecnológica, para aumentar o poder de competição, até a introdução de normas mais rígidas de controle, transparência e prestação de contas a acionistas e investidores.
O acordo é uma obra política histórica, transformadora a longo prazo. Precisa sobreviver à normal alternância no poder das democracias.
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