Por Malu Delgado | Valor Econômico
SÃO PAULO - A atuação do hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como magistrado na Vara Federal Criminal em Curitiba já foi abertamente debatida no Supremo Tribunal Federal e classificada por ministros da corte como "gravíssima", "incomum", com evidentes "excessos" no exercício de poderes legais e passível de sanção administrativa. Em 2013, a Segunda Turma do STF julgou pedido de habeas corpus em que os impetrantes solicitavam a declaração de suspeição e impedimento de Moro, acusando-o de "atuação parcial" e pediam a nulidade de ação penal.
Por 4 votos a 1, os ministros concluíram que, "apesar de censuráveis", excessos cometidos por Moro não caracterizariam causa de impedimento ou suspeição, levando à anulação do processo. É, porém, no voto divergente, do ministro Celso de Mello, decano da Corte, para o qual se voltam as atenções, seis anos depois, quando a conduta de Moro está sob escrutínio público e será, mais uma vez, analisada no segundo semestre quando o Supremo retomar o julgamento do HC do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O voto de Celso de Mello foi "cancelado" do acórdão, e não é possível acessar a íntegra da explicação do ministro para sustentar sua decisão à época. Está registrada apenas versão simplificada da decisão do decano, para quem o magistrado sob análise da Corte, na ocasião, teria ofendido gravemente a cláusula constitucional do devido processo legal.
"A situação exposta nos autos compromete, segundo penso, o direito de qualquer acusado ao 'fair trial', vale dizer, a um julgamento justo efetuado perante o Poder Judiciário que observe, em sua conduta, relação de equidistância em face dos sujeitos processuais, pois a ideia de imparcialidade compõe a noção mesma inerente à garantia constitucional do 'due process of law'", declarou Celso de Mello.
O Valor solicitou ao gabinete de Celso de Mello e à assessoria do STF a íntegra do voto e questionou a razão para não constar no acórdão. Não é raro acórdãos serem publicados sem a íntegra dos votos, e ministros também podem solicitar a retirada da publicação. A assessoria do STF não respondeu aos questionamentos da reportagem até a conclusão desta edição.
O HC julgado em 2013 foi impetrado em 2008 pelos advogados Cezar Roberto Bittencourt e Andrei Zenkner Schmidt, que defendiam Rubens Catenacci, acusado de crimes contra o sistema financeiro. Catenacci morreu em abril deste ano. Foi processado em três ações penais, tendo sido absolvido em uma delas. Em duas, segundo seus advogados, a punibilidade foi extinta por prescrição.
Os dois advogados que pediram a suspeição de Moro consideram que, pelo "conjunto da obra", a atuação do então juiz nos processos foi flagrantemente parcial. De dezembro de 2005 a julho de 2006, o então juiz da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba pediu a prisão preventiva de Catenacci cinco vezes. Em todos os casos os advogados conseguiram reverter, sucessivamente, a decretação de prisão no Tribunal Regional Federal (TRF-4) ou em tribunais superiores. Bitencourt e Schmidt tiveram voos monitorados por ordem de Moro e houve também interceptação telefônica de um advogado colaborador, que residia em Foz do Iguaçu. Em outro fato citado no memorial elaborado pelos advogados, o então juiz Sergio Moro "selecionou documentos que, em sua visão, seriam pertinentes para o exame do caso pelo TRF da 4ª Região". "Grande parte do volume de documentos é repetido e não é necessário para o julgamento", informou Moro ao tribunal.
"Houve sucessão de fatos indicando a parcialidade do juiz. Os mais graves foram o monitoramento de advogados, o descumprimento reiterado de decisões do TRF da 4ª Região, a manipulação de distribuição de processos, etc. Como bem disse o ministro Celso de Mello ao analisar esses fatos, 'revela-se impressionante essa sucessão de medidas que foram relatadas nesta sede processual', especialmente o 'gravíssimo episódio do monitoramento dos advogados do ora paciente'", disse Andrei Schmidt ao Valor.
O voto de Celso de Mello, disse Bittencourt à reportagem, era "era contundente e reconhecia a parcialidade do Moro". Já o ministro Gilmar Mendes, recorda-se, "viu o absurdo dos fatos, mas teve dificuldade de considerar isso como parcialidade". Mendes pediu vista do HC e em seu voto alegou que "o conjunto de atos abusivos" não configurariam parcialidade. Porém, classificou a conduta do magistrado de censurável e pediu que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Corregedoria do TRF-4 abrissem processo disciplinar.
Em nota ao Valor, o corregedor do CNJ, Humberto Martins, informou que a reclamação disciplinar contra Moro foi retirada de pauta na gestão do Corregedor ministro João Otávio de Noronha, em 26 de julho de 2018. "Foi juntado documento em novembro de 2018, e está sendo analisado em razão de novos documentos juntados, pela Corregedoria. Nada mais podendo acrescentar, pois o processo está em segredo de justiça", disse.
Na opinião de Bittencourt, a troca de mensagens de Moro com procuradores da Lava-Jato em Curitiba, em especial Deltan Dallagnol, revelada pelo site "The Intercept Brasil", é vergonhosa". "Isso de dizer que é normal esse contato entre o juiz e procuradores é mentira. Juiz fala nos autos. Moro comandava a Lava-Jato, decidia o que queria, era consultado sobre o que o Ministério Público poderia fazer. Isso é imoralidade, mas mais do que isso, é parcialidade, motivo para anular a condenação do julgamento de Lula", diz Bittencourt.
A assessoria de Moro, procurada pelo Valor, não respondeu ao pedido para que ele se manifestasse sobre o HC 95.518, em que foi acusado de suspeição e parcialidade. No processo, Moro justificou sua atuação à época. Disse que Catenacci intimidou e coagiu um co-acusado e gerou "tumulto processual", o que justificaria a decretação de prisão preventiva mais de uma vez. Em relação às mensagens recentes divulgadas pelo "Intercept", Moro não reconhece a autenticidade, ressalta que foram obtidas por crime (hacker), e acusa o site de sensacionalismo.
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