EDITORIAIS
Um país goleado
O Estado de S. Paulo
O País está apreensivo com a perspectiva, cada vez mais real, de um novo recrudescimento da pandemia de covid-19, e multiplicam-se os relatos de aumento das internações e de falta de oxigênio para o atendimento de doentes. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro achou que este era um bom momento para oferecer o Brasil como sede da Copa América de futebol, a ser realizada entre 11 de junho e 10 de julho.
Que o presidente não tem apreço pela saúde
dos brasileiros, a esta altura está muito claro. A CPI da Pandemia tem
conseguido detalhar ao País como se deu a sistemática sabotagem do governo aos
esforços para conter o coronavírus, desde as medidas sanitárias e de
distanciamento social até a compra de vacinas.
Mas a decisão de receber a Copa América de
seleções, contrariando tão frontalmente o bom senso, vai muito além da
indiferença pelos cidadãos. Na verdade, demonstra que Bolsonaro não hesitará um
segundo sequer em atender exclusivamente a seus interesses eleitorais, mesmo
que isso coloque em risco a vida da população.
Antes de ser uma óbvia temeridade do ponto
de vista sanitário, contudo, o sinal verde de Bolsonaro para a realização da
Copa América no Brasil é uma afronta moral.
O País caminha a passos largos para atingir
meio milhão de mortos, uma tragédia sem paralelo na história, que certamente
marcará gerações. Grande parte dos brasileiros está particularmente agastada
porque muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse
agido de forma racional, buscando vacinas onde houvesse, investindo em insumos
hospitalares e apoiando de forma decisiva as medidas de isolamento social.
Nesse contexto, o desdém do presidente
Bolsonaro pelo infortúnio dos brasileiros é profundamente imoral, e a recepção
de uma competição esportiva internacional em total desconsideração pelo momento
de grande angústia é nada menos que indecente.
“Lamento as mortes, mas temos que viver”, declarou Bolsonaro como resposta às reações indignadas à sua decisão de aceitar a realização da Copa América no Brasil. É o padrão bolsonarista desde o início da pandemia: o presidente estimula os brasileiros a fingir que a doença não existe, mesmo diante de uma pilha de cadáveres e do estresse do sistema de saúde.
Originalmente, a Copa América seria
disputada na Colômbia, que desistiu da promoção em razão da pandemia e também
de constantes manifestações de rua. A sede substituta seria a Argentina, mas o
avanço da covid-19 no país fez o governo argentino vetar a realização do
torneio. Assim, conforme relatado pelo próprio Bolsonaro, a Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) consultou o presidente sobre a possibilidade de
fazer a Copa América no Brasil. “Minha primeira resposta a princípio foi sim”,
contou Bolsonaro. Ou seja, em nenhum momento ocorreu ao presidente que “em
princípio” seria uma péssima ideia, como concluíram argentinos e colombianos.
O presidente disse que consultou seus
ministros e a resposta foi “unânime”, isto é, “todos deram sinal positivo”.
Supõe-se que entre esses ministros esteja o da Saúde, Marcelo Queiroga, que
sabe, ou deveria saber, quais os riscos associados à realização de um evento
desses no Brasil, com tão pouco tempo para os preparativos necessários para
garantir a segurança sanitária dos maltratados brasileiros e dos visitantes.
Como sempre, Bolsonaro insinuou que há
motivações ocultas para as duras críticas que recebeu. “Será que é porque a
transmissão (da Copa América) não é da Globo, é do SBT?”, questionou o
presidente. Afinal Fábio Faria, genro do dono do SBT, o apresentador Silvio
Santos, ocupa o Ministério das Comunicações. Para Bolsonaro, portanto, o
problema é comercial, e não sanitário.
Em janeiro deste ano, quando a pandemia
começava a dar sinais de novo avanço, com quase 1,5 mil mortos por dia, Bolsonaro
defendeu a volta das torcidas aos estádios. “Temos que voltar a viver, pessoal.
Sorrir, fazer piada, brincar”, explicou o presidente. É esse o espírito da
impiedosa goleada de indecência que o Brasil está sofrendo desde a lamentável
eleição de Bolsonaro.
O ‘Projeto S’
O Estado de S. Paulo
A saída para o calvário em que se tornou a pandemia de covid-19 no Brasil passa, necessariamente, pela atenta observação do que se passou no município de Serrana, no interior de São Paulo. A cidade paulista, localizada cerca de 300 km ao norte da capital, foi escolhida para a realização do “Projeto S”, pesquisa inédita no País com o objetivo de avaliar o efeito da imunização em massa da população adulta com a Coronavac, vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
O resultado preliminar da pesquisa,
divulgado há poucos dias pelo Butantan, é um refrigério para o espírito de
milhões de brasileiros, angustiados há mais de um ano pelo desenrolar trágico
da crise sanitária no País. Observou-se que a transmissão do coronavírus foi
controlada no município paulista quando cerca de 75% de sua população elegível
para receber a vacina estava plenamente imunizada, vale dizer, havia recebido
as duas doses da Coronavac. O diretor médico da pesquisa clínica, Ricardo
Palacios, informou que o número de hospitalizações e mortes decorrentes da
covid-19 na faixa etária superior a 70 anos foi reduzido a zero quando 95% dos
adultos de Serrana já estavam vacinados com a Coronavac. Apenas uma morte e uma
internação nesta faixa etária foram registradas na cidade, mas os indivíduos
não estavam imunizados. Antes da vacinação massiva da população serranense,
cerca de cinco mortes de idosos por covid-19 eram registradas por semana.
Ainda de acordo com os dados preliminares
divulgados pelo Butantan, a incidência de casos sintomáticos de covid-19 por
100 mil habitantes caiu 80% após a vacinação. O número de internações em
decorrência da doença despencou 86%. Os indicadores refletem a comparação de
semanas epidemiológicas antes e depois da imunização de toda a população adulta
com as duas doses da Coronavac.
O Butantan ainda divulgará para a
comunidade científica os dados que consubstanciam este espetacular resultado.
Entretanto, com os dados preliminares já é possível afirmar que só a vacinação
da população brasileira adulta é capaz de conter a epidemia no País. Não é uma
informação propriamente nova, mas agora há evidências de que a solução para a
peste não é outra senão a imunização em massa dos brasileiros.
De Serrana vem a certeza de que foi nefasta
a negligência do presidente Jair Bolsonaro ao mobilizar todo o seu governo para
evitar que cada brasileiro elegível fosse vacinado no menor tempo possível. A
experiência também mostra o acerto do governador de São Paulo, João Doria
(PSDB), ao apostar na parceria científica entre o Butantan e a Sinovac e
produzir no laboratório paulista o imunizante que hoje é mais um facho de luz
no fim deste longo e escuro túnel não só para o Brasil, mas para o mundo. A
Coronavac acaba de receber a chancela da Organização Mundial da Saúde (OMS)
para uso emergencial.
Fica evidente com os dados revelados pelo
“Projeto S” que o comportamento individual dos cidadãos é capaz de reduzir a
velocidade de disseminação, mas só a vacinação em massa da população, uma ação
coletiva, tem o condão de interromper este pernicioso ciclo de contaminações e
mortes causado pela circulação do patógeno. O diretor clínico do Butantan
lembrou o “efeito indireto” da vacinação em massa. “O efeito da vacina é tão
forte que consegue proteger aqueles em idades mais avançadas que não foram
vacinados”, disse Palacios. Já o presidente do Butantan, Dimas Covas, lembrou
que a pesquisa se deu em situações reais, ou seja, fora do ambiente controlado
dos laboratórios. “Aqui a realidade foi estudada, as pessoas foram
acompanhadas, então fiquem tranquilos (quanto à segurança e eficácia da
Coronavac)”, disse Covas.
A letra “S” no nome dado ao experimento faz
menção, evidentemente, ao município de Serrana. Mas não seria descabido também
designá-la como “S” de salvação. Chega a ser absurdo ter de afirmar isso em
2021, mas só a vacinação contra o coronavírus será capaz de evitar ainda mais
mortes.
O Estado de S. Paulo
Com avanço de
1,2% no primeiro trimestre, num cenário ainda marcado pela pandemia e pelo alto
desemprego, aumentam as apostas num crescimento econômico superior a 4% em 2021.
Será suficiente para o País escapar do buraco onde afundou no ano passado,
quando o Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu 4,1%. Os mais otimistas põem suas
fichas numa expansão de 5%, num quadro de vacinação mais veloz e menor risco de
novos surtos de covid-19. Se estiverem certos, o Brasil voltará, com pequena
folga, ao patamar de 2019, mas continuará abaixo dos níveis anteriores à
recessão de 2015-2016. Mais precisamente, 3,1% abaixo do pico registrado nos
primeiros três meses de 2014. No retorno ao normal, a economia continuará
limitada por um potencial de crescimento estimado em cerca de 2,5% e com o
setor industrial ainda muito fraco.
O potencial de 2,5%, muito inferior aos
padrões de outros países emergentes, está indicado, desde antes da pandemia,
nas projeções coletadas semanalmente na pesquisa Focus, do Banco Central.
A ampla dependência da atividade rural foi mais uma vez confirmada pelos novos
dados do PIB. No primeiro trimestre, a economia foi novamente puxada pela
agropecuária, com expansão de 5,7% em relação aos três meses finais de 2020.
Nesse período, a indústria avançou apenas 0,7% e os serviços, 0,4%.
A força maior do campo aparece em todas as
comparações. Com expansão de 2,3%, só a produção da agropecuária aparece com
sinal positivo, quando se confrontam os quatro trimestres encerrados em março
com o período anterior. No caso da indústria, o recuo foi de 2,7%. Nos serviços
a perda foi de 4,5%. Este setor inclui, além do comércio varejista, outros negócios
muito dependentes da relação presencial, como restaurantes, bares, hotéis,
salões de beleza e transportes de passageiros.
O PIB encolheu 3,8% nesse período de quatro
trimestres. Esse número indica o avanço necessário, a partir deste segundo
trimestre, para o retorno ao zero a zero nesse tipo de confronto. Quanto à
comparação do período janeiro-março deste ano com o do ano passado, o resultado
geral é positivo, como se podia prever facilmente.
Mas o aumento do PIB ficou em apenas 1%,
com avanço de 5,2% na agropecuária e de 3% na indústria. Os serviços diminuíram
0,8%, prejudicados pelos cuidados ainda impostos pela pandemia no começo deste
ano e, certamente, pelo aperto financeiro das famílias.
Apesar dessa recuperação, a produção da
indústria geral ainda foi 9,8% menor que a do trimestre inicial de 2014. Não
basta levar em conta o avanço do PIB. Para avaliar as condições e perspectivas
da economia, é preciso observar os números de cada setor, considerando sua
importância estratégica. O governo parece dar pouca ou nenhuma importância a
detalhes estratégicos, mas há no País uma evidente desindustrialização.
Não se trata de passagem a uma fase
pós-industrial, como nas economias mais avançadas, mas de um retrocesso na
indústria de transformação. Na comparação com o quarto trimestre de 2020, a
expansão de 0,7% da indústria foi puxada pelo segmento extrativo (3,2%). Esse
desempenho positivo foi seguido pela construção e pelas atividades de
eletricidade, gás, água, esgotos e tratamento de rejeitos.
Todos os subsetores industriais cresceram,
menos o da indústria de transformação, onde se incluem atividades como
fabricação de veículos, tratores, aviões, tecidos, vestuário, calçados,
televisores, telefones, computadores, máquinas, equipamentos mecânicos,
bebidas, medicamentos, artigos de higiene e beleza e alimentos.
Durante décadas, a indústria foi o grande
canal de absorção, adaptação e geração de tecnologia, com papel central na
modernização do País. Esse papel vem sendo perigosamente diminuído, exceto em
algumas áreas industriais. O setor paga o preço – e o País também – de omissões
e erros políticos acumulados principalmente nas últimas duas décadas e
recentemente agravados pela desorientação da política econômica. O retorno ao
patamar de 2019 deve ser apenas o começo de uma jornada muito mais ambiciosa.
PIB concentrado
Folha de S. Paulo
Economia supera expectativas no primeiro
trimestre, mas pouco chega às famílias
O Produto
Interno Bruto brasileiro cresceu muito mais do que se previa no
início deste 2021. A atividade voltou ao mesmo nível do primeiro trimestre do
ano passado, que praticamente não sofreu o impacto da pandemia.
Boa parte da população, no entanto, não
terá notado melhora. Muitos, sem emprego, com rendimentos do trabalho reduzidos
e com poder de compra diminuído pela inflação alta, tentam sobreviver aos
tormentos de uma economia que ainda opera muito abaixo mesmo de seu limitado
potencial.
A despesa de consumo das famílias caiu,
tanto em relação ao trimestre final de 2020 quanto a um ano atrás. Também caiu
o dispêndio do setor público. O PIB avançou, em especial, por causa da alta
expressiva dos investimentos, na grande maioria privados.
Em geral, a economia se beneficiou dos bons
desempenhos da agropecuária e da indústria extrativa —favorecidas por aumento
de preços e produção— e da recomposição de estoques industriais.
Mesmo na hipótese de estagnação nos meses
seguintes, o resultado do trimestre já indica crescimento de quase 5% neste
ano.
Vive-se uma recuperação de terreno perdido.
Em relação ao início de 2014, pouco antes do começo da série de recessões, a
economia ainda opera em nível 3,1% menor. Trata-se, portanto, de produção e
renda menores que as de sete anos atrás — e de uma recuperação acentuadamente
desigual, em termos sociais e setoriais.
O setor de serviços, o mais abalado pela
epidemia, mal se recupera. Emprega muitos dos trabalhadores mais pobres, em
particular informais. O setor de construção civil, empregador também de mão de
obra menos qualificada, ainda regride, em termos anuais.
No primeiro trimestre não houve pagamento
de auxílios emergenciais. Como se não bastasse, a inflação crescente, em
especial a dos alimentos, corroeu o poder de compra dos salários.
De outro lado, nota-se uma elevação da
poupança. As famílias de renda mais alta acumularam reservas, impedidas de
gastar ou inclinadas a guardar por precaução, dado o futuro mais nebuloso.
Ainda do lado positivo, a valorização das
commodities e a adaptação tecnológica à atividade em ambiente de epidemia
parecem favorecer o investimento em expansão da capacidade produtiva.
Apesar de algum otimismo devido ao
desempenho melhor do que o esperado, há ressalvas e riscos. A epidemia
prossegue descontrolada, com o que não haverá recuperação dos serviços e seus
empregos.
A inflação continua alta e pode sofrer
novos impulsos, dadas a escassez de água e a recuperação dos preços de setores
deprimidos.
Além de administrar tais riscos, tarefa
usualmente acima das capacidades do governo de turno, é necessário buscar meios
de atenuar a crise social especialmente aguda desta retomada assimétrica.
Torneio de insensatez
Folha de S. Paulo
Bolsonaro consegue mais tumulto com decisão
temerária de aceitar a Copa América
Embora a realização repentina da Copa
América possa não representar grande risco sanitário adicional em um país já
devastado pela irresponsabilidade de seu presidente, o próprio governo parece
ter titubeado diante da empreitada.
Poucas horas depois de cancelado o torneio
na Argentina, em razão do avanço da Covid-19, o Brasil foi anunciado como nova
sede na manhã de segunda (31) —a Colômbia, que também abrigaria o evento, já
havia desistido em razão da crise política que atravessa. Ao final do dia,
entretanto, Brasília já
não confirmava o sinal verde.
Em meio à má repercussão da notícia, o
Palácio do Planalto afirmou estar negociando condições com as entidades
futebolísticas do país e do continente. Nesta terça (1º), Jair
Bolsonaro acabou por reafirmar a temerária decisão.
O mandatário confere visibilidade extra a
seu desprezo pela precaução, enquanto o país marcha para a conta de 500 mil
mortes provocadas pela epidemia sob a ameaça de uma terceira onda de contágio.
As duas marcas, aliás, podem ser atingidas durante a competição.
É fato que o futebol acontece por aqui, sem
público nos estádios, desde agosto do ano passado. Não obstante casos de
equipes quase inteiras infectadas e aglomerações de torcedores, nenhum certame
nacional ou continental foi cancelado. Ainda assim, o açodamento e a desnecessidade
do novo compromisso carregam seu simbolismo.
O interesse financeiro em torno da Copa
América, que por si só nada tem de errado, fica mais evidente em contraste com
o duvidoso mérito esportivo desta edição do torneio —resultante de alteração de
calendário e muito próxima da edição de 2019, realizada no Brasil.
Escancara-se ainda a tradicional aliança
oportunista entre a política e o futebol, que não merece condescendência em um
momento de tragédia nacional e inação do governo ante prioridades reais.
Bolsonaro, como de costume, busca
instintivamente o tumulto, mesmo com riscos para si próprio. Põe em jogo seu
capital político, dizimado pela pandemia, enquanto enfrenta aos
desaforos uma CPI e a volta de manifestações populares contra
sua administração. Será difícil dissociar a competição desse contexto
deplorável.
É temerário sediar Copa América com risco de nova onda de Covid
O Globo
Em 15 meses de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro nunca se mostrou preocupado com a gravidade da Covid-19, tratada como “gripezinha”. Vociferou contra medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos, desprezou o uso de máscaras e não se empenhou por vacinas. Não chega a surpreender, portanto, seu aval para a Copa América no Brasil, entre 13 de junho e 10 de julho, num momento em que o país vive a iminência de uma terceira onda de contágio.
A competição estava programada para ser
realizada na Colômbia e na Argentina, mas os anfitriões declinaram. Às voltas
com uma grave crise política e social, refletida em conflitos que já mataram
mais de 50 pessoas, o governo colombiano avisou à Confederação Sul-Americana de
Futebol (Conmebol) que não teria condições de sediá-la. Quem assistiu à partida
entre Atlético Mineiro e América de Cali pela Libertadores, em 13 de maio, tem
certeza disso. Ela foi paralisada cinco vezes pelas bombas que estouravam no
entorno do estádio, em Barranquilla. A Argentina também alegou falta de
condições para organizar o torneio, devido ao agravamento da pandemia no país.
Bolsonaro confirmou ontem a realização da
Copa América no Brasil com quatro sedes: Brasília, Cuiabá, Goiânia e Rio. Não
se sabe se houve avaliação técnica sobre os possíveis efeitos na saúde pública.
Na segunda-feira, o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, minimizou os
riscos. Disse que serão dez equipes, 65 pessoas em cada delegação e jogos sem
torcida. Garantiu que todos serão vacinados.
A competição não se resume, porém, a
delegações viajando para lá e para cá. A Copa América mobiliza um sem-número de
cartolas, jornalistas e demais equipes para organizar os jogos. A desejável
vacinação dos participantes também não é algo simples. Parte dos países já
imunizou seus atletas, mas nem todos, como o Brasil. A Conmebol ofereceu 50 mil
doses da CoronaVac às confederações. Porém a proteção não é imediata, e o
torneio começa no próximo dia 13.
É um erro argumentar que as competições na
América do Sul estão acontecendo normalmente. O vírus tem sido um adversário
implacável. Em maio, na Copa Libertadores, o River Plate, da Argentina, teve de
improvisar no gol um jogador de linha, tantos eram os atletas infectados pela Covid-19.
Não é razoável sediar a Copa América num
momento em que se anuncia um novo colapso na saúde em consequência do aumento
no número de hospitalizações. Em vários estados, governadores e prefeitos estão
retomando ou ampliando medidas de restrição.
Caso seja inevitável receber a competição,
será preciso respeitar protocolos rigorosos para reduzir os riscos de
transmissão. Apesar dos prazos exíguos, a vacinação dos atletas deve ser
priorizada com as doses oferecidas pela Conmebol. Testagens e rastreamentos são
fundamentais. E a ausência de público é ponto indiscutível, independentemente
da posição da Conmebol sobre torcidas. É o mínimo que se pode fazer para que o
vírus não venha a ser o grande vencedor do torneio.
Alta do PIB traz ânimo, mas não é garantia
O Globo
Em meio a tanta notícia ruim, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem dados que merecem ser comemorados. O PIB cresceu 1% no primeiro trimestre de 2021 na comparação com o mesmo período de 2020, acima das expectativas. Em 12 meses, a queda recuou de 4,1% para 3,8%. A curva de crescimento, que vinha caindo, enfim deu uma virada para cima. O PIB voltou ao patamar do quarto trimestre de 2019, antes da pandemia. Ao que parece, a economia começa a tirar a cabeça da água.
Dois vetores ajudaram a elevar os números.
Um já era esperado, o outro foi uma surpresa. O esperado: o setor agropecuário,
impulsionado por preços altos no mercado internacional, registrou crescimento
de 5,2% em relação ao primeiro trimestre de 2020. A surpresa: contrariando
previsões pessimistas, o investimento cresceu 17% ante o período entre janeiro
e março do ano passado. A taxa de investimento no primeiro trimestre foi de
19,4% do PIB.
O investimento é acompanhado de perto porque
é sinal de vigor futuro. É dinheiro gasto na ampliação ou criação de fábricas e
infraestrutura, na compra ou importação de máquinas mais produtivas. À primeira
vista, o resultado do trimestre foi excelente diante do histórico (desde 2015,
a taxa patina ao redor de 15%) e da nossa necessidade para manter uma
trajetória de crescimento sustentado, estimada em 25%. Mas infelizmente se
trata de um número ilusório, inflado pela distorção decorrente de um regime
tributário especial, que trata plataformas de petróleo que jamais saíram do
país como importação de bens de capital. Descontado esse fator, o crescimento
no investimento foi irrisório. A taxa ficaria, pelas contas da economista Zeina
Latif, em 16,8% do PIB, um patamar expressivo, mas ainda distante do desejável.
O governo precisa ser mais transparente em
relação a tais resultados para não inflar as expectativas. Nada garante que o
PIB seguirá sem abalos no ritmo atual. Embora a projeção de 3,5% de crescimento
para 2021 do Ministério da Economia já seja considerada conservadora, há
questões em aberto. Os setores de consumo e serviços continuaram e continuarão
a ser os mais afetados pela pandemia, que ainda não deu trégua. Há também outra
questão: o baixo nível da água nos reservatórios das hidrelétricas ameaça se
transformar numa crise de energia. Tudo isso é incerto.
Ainda que a vitalidade do setor privado
mantenha a economia no rumo da recuperação, governo e Congresso precisam
acordar para a realidade. Não há nada que indique o início de um longo período
de alto crescimento sustentado. Há anos temos ficado para trás quando
comparamos nosso desempenho ao de outros países emergentes, sobretudo pela
métrica da renda per capita que leva em conta a paridade do poder de compra.
Desde 2011, fomos ultrapassados não apenas pela China, mas por Sérvia,
República Dominicana e Tailândia, entre outros.
Para sairmos dessa situação, governo e
Congresso devem trabalhar no aprimoramento e na aprovação de mudanças que
coloquem o Brasil em posição competitiva mais favorável na comparação com o
restante dos emergentes. A lista de reformas é longa. Para destravar o
crescimento, no topo das prioridades está a tributária, uma das que deveriam
ser tratadas como urgentíssimas.
PIB cresce, mas motor da expansão segue incerto
Valor Econômico
A volta a um ritmo normal (e baixo) de
atividades é muito melhor do que a desventura de retrações sucessivas
O crescimento de 1,2% do Produto Interno
Bruto no primeiro trimestre, em relação ao anterior, exorcizou o pior cenário,
o de que o país amargasse duas quedas trimestrais - um cenário predominante até
fins de abril. A economia está voltando a seu ritmo modesto de expansão, não
superior a 2%. As previsões para 2021 agora estão perto de 5% ou mais, mas para
o ano que vem seguem em faixa medíocre, quando não existirá mais o carrego
estatístico de 3,6%. O crescimento é quase “invisível” - com grande peso da
formação de estoques, salto atípico dos investimentos, recuo da indústria de
transformação -, enquanto o consumo das famílias está estagnado e o desemprego
bate recordes. A arrancada é menos frágil do que se previa, mas vulnerável
mesmo assim.
Investimentos e indústria extrativa, mais o
desempenho seguro e crescente da agricultura, puxam agora a recuperação. Os
setores que compõem dois terços do PIB, pelo lado do consumo e da produção - os
gastos das famílias e a evolução dos serviços - ainda não se desataram da
pandemia. Chama a atenção a taxa de investimentos no primeiro trimestre, de
19,4% do PIB, só inferior ao triênio 2011-2013, quando a economia crescia a uma
velocidade bem superior.
A formação bruta de capital fixo, que soma
investimentos em máquinas e equipamentos e construção civil, deu um salto de
35% em valores correntes e de 17% em termos deflacionados, o que indica um
deflator implícito muito alto, fruto do aumento de preços de insumos e bens
finais em ambos os segmentos, estampados nos índices de preços do atacado.
Já a taxa de poupança é a maior do século
atual, 20,6%, suplantando os 18,9% de 2012. A poupança bruta avançou 70% em
valores correntes em relação ao primeiro trimestre de 2020 (R$ 421 bilhões, com
acréscimo de R$ 173 bilhões) e pode ser uma garantia de que o ritmo de
atividades mantenha dinamismo, especialmente quando o risco de contágio de
covid-19 tornar-se próximo do desprezível. Essa poupança está concentrada entre
os mais ricos, mas sustentou também parte das camadas de baixa renda. A queda
de apenas 0,1% no consumo das famílias no primeiro trimestre do ano, em relação
ao anterior, mesmo com o fim do auxílio emergencial, pode encontrar explicação
nas reservas acumuladas por precaução.
Merece também destaque a evolução
vastamente positiva dos estoques, que se soma à formação bruta de capital fixo
para o cálculo do peso da FBCF no PIB (15,4% em 2020). Foram R$ 84 bilhões, ou
4,1% de um PIB trimestral de R$ 2,048 trilhões. O sinal positivo é que após a
interrupção das cadeias de produção no auge da pandemia - em parte ainda
existente - as empresas estão mais perto de normalizar vendas e produção.
No quadro da linha do tempo de consumo das
famílias, FBCF e PIB, na comparação de quatro trimestres com os quatro
anteriores, o consumo das famílias sempre segue rente ou acima da do PIB, mas
neste trimestre está abaixo dela, enquanto a da FBC descolou de ambas e está
fortemente inclinada para cima. Nesta comparação, o PIB caiu 3,8%, o consumo
recuou 4,7% e o investimento subiu 2%. O investimento, porém, segue sempre a
direção do consumo com defasagem temporal. Não haverá um crescimento sustentado
sem que o consumo reaja.
O motor da economia continua sendo uma
incógnita, mesmo após o resultado animador do PIB. Se as commodities estão
puxando a industria extrativa e a agricultura, não geram muitos empregos, por
outro lado. A FBCF é demanda para as empresas de máquinas e insumos, mas a
indústria de transformação no trimestre mal reagiu, ao contrário dos
investimentos. O emprego formal avança com isso, mas ele abrange pouco mais de
um terço dos trabalhadores. Os outros estão no setor informal, no setor dos
serviços, especialmente os ligados a bens de renda (outras atividades de
serviços, com recuo de 13% em quatro trimestres). Com peso de mais de dois
terços do PIB, só se recuperarão e voltarão a ser fonte de abrigo da mão de
obra menos qualificada, que sempre exerceu, quando a pandemia for dominada, o
que não se sabe quando ocorrerá.
Há mais riscos no caminho: a aceleração da
produção esperada no segundo semestre pode trombar com a escassez de energia ou
racionamento - um demolidor de PIBs de primeira ordem. Apesar disso, a volta a
um ritmo normal (e baixo) de atividades é muito melhor do que a desventura de
retrações sucessivas, que já ficou para trás.
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