- O Estado de S. Paulo
O voto eletrônico é antigolpista.
Pretende-se sua eliminação exatamente por isso?
Vício do catálogo de tomada do poder no Brasil,
o golpe já assumiu tantas e tão diferentes formas que talvez tenha sido a
inspiração da célebre com paração da política com as nuvens. A última forma, em
avançado estágio de preparação, é um golpe do repertório americano de Donald Trump.
O de preparar, anos antes, a resistência a entregar o cargo em caso de derrota
eleitoral no futuro. Temor que ronda e assombra o presidente Jair
Bolsonaro.
Para facilitar a rota de execução, faz
ameaças públicas de alterar o processo eleitoral com a instituição do voto
impresso. Retrocesso que Bolsonaro considera incluso no preço que pagou aos
fregueses do orçamento secreto, que hoje controlam a Câmara, já cooptada para
este e outros projetos do retrógrado arsenal do presidente. Uma estratégia tão
primária que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não sabe o que
fazer com as diretas e indiretas que tem recebido. Inaceitáveis ataques a um
sistema consolidado e admirado no mundo inteiro.
O voto eletrônico é antigolpista. À prova de fraude. Pretende-se sua eliminação exatamente por isso? Muitos dos defensores do voto impresso são os mesmos treinados em produção de falsas notícias, mas até hoje se dispensaram de apresentar provas de suas suspeitas.
O ministro Gilmar Mendes (STF),
numa manobra hábil porque preserva o evoluído sistema de votação sem deixar de
dar ouvidos às suspeitas, prometeu ao presidente, em conversa recente, propor à
Procuradoria-Geral da República e ao TSE a abertura de um inquérito especial
sobre a urna eletrônica. O processo judicial permitiria colher depoimentos e
acumular provas. Tecnicamente as urnas eletrônicas já são auditáveis e
auditadas. Antes, durante e depois dos processos eleitorais. Até hoje sempre
invictas.
É fato que Bolsonaro, além de criar
situação para contestar resultados, está empenhado em desmoralizar as
instituições. Todas. Depois de capturar a Câmara, mirou o Exército. Agora tenta
fincar suas estacas no Judiciário, ainda uma cidadela de resistência. Vai até o
fim na campanha do voto impresso, a exemplo do que tem feito no combate à
atuação dos governadores na pandemia. São ensaios do que prepara contra o TSE e
o STF.
A ideia de instauração do inquérito surgiu
num encontro em que Bolsonaro enumerou ao ministro Gilmar Mendes alguns de seus
argumentos. Tem certeza, por exemplo, de que venceu a disputa de 2018 no
primeiro turno, e isto seria provado se houvesse o voto impresso. Outra
convicção do presidente é de que Aécio Neves teria vencido a disputa com Dilma Rousseff
no segundo turno, mas o sistema não permitiu conferir as supostas fraudes.
Gilmar explicou-lhe que, no Brasil, a
tradição é vencer no segundo turno, não no primeiro. Só Fernando Henrique
Cardoso venceu no primeiro turno, duas vezes. Até Lula, no auge de sua
popularidade, teve de disputar duas rodadas. Se tivesse ocorrido a tal fraude
em 2018, Bolsonaro poderia não ter sido eleito no segundo turno como não foi no
primeiro. Ganhou porque teve mais votos. Quanto a Aécio, naquela eleição Gilmar
presidia o TSE e acompanhou tudo de perto. Disse ao presidente que o hoje
deputado mineiro perdeu para Dilma ao perder Minas Gerais, herança eleitoral de
família. Descuidou-se do seu principal capital político.
Com uma equipe investigativa apurando
denúncias, haverá maior segurança no debate sobre essas especulações. Outros
argumentos, como encenações grotescas que pretendem demonstrar como as fraudes
acontecem, poderiam ser contestadas imediatamente. Um inquérito que ouvisse
todos os detratores da urna eletrônica, demonstrando tolerância, e que fosse um
destino para as provas, falsas ou verdadeiras.
Como os golpes são alimentados por
suspeitas não apuradas, as urnas deixariam de ser argumento. Gilmar, na
prática, propõe o antídoto para o golpe.
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