- Folha de S. Paulo
É
positiva a sugestão da OMS de usar letras gregas para a designar as variantes
As variantes de
Kent, sul-africana, de Manaus e indiana podem estar com os dias contados. A OMS
resolveu dar sua contribuição na luta contra o preconceito ao propor que as
cepas mais preocupantes do Sars-CoV-2 sejam designadas por letras gregas.
Os ingleses ficam com alfa, sul-africanos, com beta, brasileiros, com gama,
indianos, com delta, e assim por diante.
A
preocupação não é sem sentido. Nacionalistas de todos os tempos batizaram
doenças com os nomes de seus inimigos ou desafetos. O recorde provavelmente é a
sífilis, que se tornou epidêmica na Europa no século 16 e que, dependendo da
nacionalidade do falante, era chamada de "mal de Nápoles", "mal
francês", "mal germânico", "mal polonês", "mal
espanhol" ou "mal cristão".
Modernamente,
cientistas continuaram a usar topônimos para batizar moléstias e seus agentes
etiológicos. Ainda que sem a intenção explícita de associar povos a doenças,
mantiveram a tradição de chamar patógenos e patologias pelo nome do lugar onde
primeiro foram identificados. Foi assim que surgiram a febre do Oeste do Nilo,
o vírus de Marburgo, as gripes espanhola e de Hong Kong, o ebola, entre tantos
outros.
Palavras
importam, mas não têm poderes mágicos. Dado que seres humanos não precisam de
mais do que uma leve insinuação para pensar e fazer bobagens, convém evitar a
identificação de nacionalidades a doenças. Tradições, especialmente quando não
têm propósito definido, existem para serem quebradas.
Nesse contexto, é positiva a sugestão da OMS de usar letras gregas para a
designação popular das variantes. Mas que ninguém se iluda. Não basta policiar
a linguagem para pôr fim a preconceitos.
Bolsonaristas
não precisaram de nenhum nome oficial para fazer trocadilhos envolvendo
o vírus e os chineses, o que, aliás, nos trouxe a má vontade das autoridades de
Pequim na liberação de insumos para as vacinas. Certas piadas custam vidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário