- Valor Econômico
Base pode levar relatório paralelo direto
ao plenário
Pouco mais de 30 dias de CPI da Covid e o
respeitável público está cheio de dúvidas em relação aos resultados das
investigações.
Um questionamento legítimo. O histórico das
comissões parlamentares de inquérito não ajuda aqueles que esperavam colher
subsídios para embasar um processo de impeachment contra o presidente Jair
Bolsonaro. Por outro lado, aliados do Palácio do Planalto já consideram
contratado pelo menos algum desgaste na imagem do governo. Estão dispostos a
fazer o possível para impulsionar a economia e lançar logo um novo programa
social, para garantir um contraponto.
A base está consciente que precisará
trabalhar duro para tentar neutralizar a estratégia da maioria que tem
conduzido a CPI. O plano é o mesmo que tucanos e dirigentes do antigo PFL
formularam na época da CPI dos Correios. Estes acreditavam que o escândalo do
mensalão provocaria o início de um processo de sangria do governo Lula, por
meio do qual o ex-presidente perderia todo o seu fluido vital e chegaria
praticamente morto ao pleito de 2006.
Equivocaram-se. Na verdade, até se conseguiu levar adiante os pedidos de indiciamento apresentados ao Ministério Público. A CPI dos Correios pode ser considerada uma exceção e até hoje o seu relatório final provoca calafrios entre políticos do PT e de partidos de centro, os quais à época estavam com Lula e hoje marcham ao lado de Bolsonaro.
Porém, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva acabou sendo reeleito. Mesmo assim, está consolidada na população a
percepção de que as comissões parlamentares de inquérito produzem poucos
resultados.
Uma reportagem especial da “Rádio Câmara”
chegou a contabilizar mais de uma centena de CPIs sem conclusão alguma. Também
resgatou a curiosa história do porquê, até hoje, ter-se o costume de usar a
expressão “terminar em pizza”. E aqui vai uma provocação: a culpa só podia ser
do Palmeiras.
Relata-se que durante uma crise enfrentada
pelo clube na década de 1960 seus dirigentes realizaram uma longa reunião que,
em meio a discussões e bate-boca, foi interrompida e retomada logo na sequência
numa pizzaria. Depois de muito comerem e beberem, teria, enfim, ocorrido uma conciliação.
A matéria jornalística cravou, então: “Crise no Palmeiras termina em pizza”.
Nascia um bordão.
Em uma CPI, prossegue a reportagem da
“Rádio Câmara” sobre a história das comissões parlamentares de inquérito, a
expressão foi ouvida pela primeira vez durante as investigações que resultaram
na interrupção do mandato do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Ao narrar
como se montou a chamada Operação Uruguai, tentativa de dar aspecto legal ao
dinheiro arrecadado pelo esquema PC, a secretária Sandra Fernandes de Oliveira
teria dito aos parlamentares que, apesar do risco que estava tomando ao decidir
depor, sabia que tudo iria “terminar em pizza”.
A CPI do Collor foi outra exceção, e o
desafio da cúpula da CPI da Covid é construir rota semelhante. Primeiro,
precisará colher informações detalhadas sobre a formulação e como se deu a
execução do programa nacional de imunização - desde as discussões sobre a
compra ou não das vacinas, o processo de certificação até a aplicação das doses
nos braços dos brasileiros.
Uma segunda frente é analisar como o
presidente da República influenciou o comportamento do cidadão em relação ao
distanciamento social e ao uso de máscaras. Outro ponto é como o governo pode
ter induzido parte considerável da população a usar medicamentos que não são
recomendados pelas autoridades sanitárias para o combate à covid-19.
O Conselho Federal de Farmácia tem um
relatório alarmante sobre esse tema. O documento pode ajudar no debate. Segundo
apurado pelo CFF com dados da consultoria IQVIA, houve uma alta vertiginosa no
“uso irracional de medicamentos” nos 12 meses subsequentes ao registro do
primeiro caso de covid-19 no país, incluindo aqueles que não têm eficácia
comprovada no tratamento da enfermidade.
“Com base no número de unidades vendidas,
estima-se que foram parar na casa dos brasileiros, neste período, 486,5 quilos
do vermífugo ivermectina, 20,9 toneladas do antibacteriano azitromicina e 1,02
tonelada do antimalárico hidroxicloroquina sulfato”, alertou a entidade,
apontando ainda o risco ao meio ambiente que o descarte inadequado dessas
substâncias pode causar.
Na comparação entre 2020 e 2019, houve um
crescimento de 557,26% nas vendas de ivermectina e de 113,15% nas de
hidroxicloroquina sulfato.
São dados que demandam reflexão e, se depender
da maioria do colegiado, haverá tempo suficiente para isso. Busca-se prorrogar
o prazo de vigência da CPI para além dos 90 dias estabelecidos inicialmente,
até 9 de agosto.
Do lado governista, a aposta é aprofundar
as discussões sobre a aplicação dos recursos transferidos aos Estados. O grande
embate ocorrerá na apreciação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL),
se for confirmada sua intenção de ignorar eventuais irregularidades praticadas
por autoridades locais. Já não houve maioria para evitar a convocação de
governadores, num sinal, na visão dos representantes do governo na comissão, de
que pelos menos um impasse em relação a este assunto pode inviabilizar a
aprovação do parecer do relator.
Um relatório paralelo já está sendo
elaborado. Caso ele seja descartado pela comissão parlamentar de inquérito, a
base aliada pode, inclusive, tentar aprová-lo diretamente no plenário do
Senado. Lá, pode haver mais receptividade às teses do governo. Mas, se ambas as
estratégias falharem, restará confiar na possibilidade de a Procuradoria-Geral
da República (PGR) levar muito tempo para analisar o material coletado pela CPI
e, depois, conduzi-lo à gaveta.
Os governistas confiam na inexistência de
provas que poderiam incriminar Bolsonaro. Esse pode ser o desfecho jurídico. O
impacto político das revelações da CPI, contudo, ainda é incerto e só poderá
ser auscultado com precisão após a conclusão dos seus trabalhos.
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