quarta-feira, 2 de junho de 2021

Bernardo Mello Franco - Gasolina na fogueira

- O Globo

Jair Bolsonaro resolveu jogar gasolina na fogueira. Na primeira fala após os protestos de sábado, o presidente adotou tom de enfrentamento. Debochou dos atos, disse que as ruas ficaram vazias, chamou os manifestantes de maconheiros. “Faltou erva para o movimento aí”, provocou.

O capitão acusou o golpe. Foi a primeira vez que a oposição ocupou as ruas desde o início da pandemia. As marchas ocorreram em todas as capitais brasileiras, com destaque para Rio e São Paulo. Os participantes homenagearam as vítimas do coronavírus e gritaram “Fora Bolsonaro”. Uma mensagem simples, que deve embalar novos protestos nos próximos meses.

O presidente vive seu pior momento. Com a popularidade em queda, vê a CPI avançar sobre o “gabinete das trevas” que deixou os brasileiros sem vacina. Ontem a médica Nise Yamaguchi ilustrou o funcionamento dessa engrenagem. Seu depoimento resumiu o misto de negacionismo e ignorância que transformou o país num inferno da Covid.

Além de lidar com seus próprios problemas, Bolsonaro passou a conviver com o fantasma de um rival forte. O ex-presidente Lula recuperou os direitos políticos e passou a liderar as pesquisas para 2022. Seu retorno desvalorizou a principal moeda de qualquer candidato à reeleição: a perspectiva de poder.

Acuado, o presidente reage como sempre: aposta na radicalização e tenta criar cortinas de fumaça. A decisão de sediar a Copa América no Brasil segue o manual bolsonarista. Diante de uma crise, fabrica-se outra polêmica para desviar o foco do debate. O risco é oferecer uma nova bandeira aos insatisfeitos. Em 2013, numa conjuntura bem diferente, a pregação contra a Copa das Confederações ajudou a entornar o caldo contra Dilma Rousseff.

Ao atacar os manifestantes do sábado, o capitão tinha um objetivo claro: ressuscitar o antipetismo e mobilizar a direita em sua defesa. É uma estratégia arriscada. No momento, o antibolsonarismo parece ter virado a força dominante na sociedade. Ao brincar com o fogo, o capitão pode inflamar mais gente a ir às ruas contra o governo.

 

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