- O Estado de S. Paulo
Revisão positiva para o PIB é um efeito matemático chamado 'herança estatística'
Depois do desempenho surpreendentemente
positivo no primeiro trimestre, é cada vez maior o número de analistas que
passou a projetar um crescimento de 5,0% ou mais do PIB em 2021. Mas estaria o brasileiro sentindo no seu dia
a dia a economia avançando nesse ritmo?
O consenso das estimativas dos analistas
para o desempenho do PIB neste ano vem melhorando nas últimas semanas, conforme
a pesquisa Focus, do Banco Central.
No fim de 2020, essa estimativa era de crescimento de 3,32% para 2021. No mais
recente boletim Focus, essa projeção já subiu para 3,96%.
Não à toa, aumentaram as previsões
apontando para expansão mais forte do PIB neste ano. Os bancos Itaú e Fibra estimam
alta de 5,0%. O Goldman Sachs prevê crescimento de 5,5%. E o Bank of
America, avanço de 5,2%.
Segundo o IBGE, o PIB cresceu 1,2% no primeiro trimestre ante o último
trimestre de 2020, superando o consenso das projeções dos analistas, de alta de
0,70%. Até há pouco tempo, os economistas esperavam uma contração da economia
entre janeiro e março em razão, entre outros fatores, do fim do auxílio
emergencial. Mas a atividade mostrou resiliência maior do que o imaginado. Além
disso, a segunda onda da pandemia teve um impacto menor na economia do que em
2020.
Mais do que uma melhora substancial, de fato, no fôlego da atividade econômica resultante de um mercado de trabalho aquecido e de um dinamismo em vários setores da economia, a revisão das projeções para 2021 reflete, em grande parte, um efeito matemático, o chamado carrego ou herança estatística, que é um impulso deixado de um ano para outro.
Isso porque, no Brasil, o PIB é calculado
levando-se em conta a média dos quatro trimestres de um ano em relação à média
dos trimestres do ano anterior. Toda vez que ocorre um resultado muito positivo
no primeiro trimestre do ano, diante do efeito-base, mesmo que o PIB fique
parado nos trimestres restantes, a média do ano será mais alta. E vice-versa,
quando há uma contração.
A queda de 4,10% do PIB em 2020 já havia
deixado uma herança estatística de 3,60% para 2021. Isso significa que o
consenso das estimativas de PIB neste ano na mais recente pesquisa Focus
corresponde a um crescimento pouco acima de zero.
“A percepção é, realmente, de que a
economia está se recuperando, mas, em termos de sensação da população nas ruas,
não haverá diferença entre um crescimento entre 3,0% e 3,5% que todo mundo
esperava na virada do ano para uma expansão de 5,0% em 2021 de algumas projeções
agora”, diz Luiz Felipe Laudari, diretor de investimentos da Mauá Capital. “É
um efeito mais matemático do que, de fato, um crescimento mais acelerado.”
Segundo ele, a taxa de desemprego de 14,7%
no trimestre até março, se ajustada para a PEA (população economicamente ativa)
histórica, com base na taxa de participação histórica, seria, na realidade, de
21%. “É possível imaginar a economia ganhando tanta tração com essa taxa
elevada de desemprego?”, argumenta. “Sem falar na grande quantidade de empresas
fechando em razão da pandemia, ou seja, a percepção das pessoas é de uma
economia bem mais frágil do que estamos vendo nos números.”
Para Laudari, a massa salarial real vai se
recuperar de forma mais lenta. Além disso, ele observa que é comum, após grandes
crises, haver aumento de produtividade na economia. “As empresas descobrem que
podem produzir a mesma quantidade que produziam antes da crise com menos mão de
obra e com isso, na prática, a taxa de desemprego termina o período de
recuperação acima do que estava antes da crise”, argumenta.
Todavia, mesmo que a sensação da população
seja a de que a economia está rodando a um ritmo bem menor do que um
crescimento de 5,0%, um resultado dessa magnitude, mesmo que por efeito
estatístico, pode ter ainda um impacto positivo: o de melhorar a confiança dos
agentes econômicos, incentivando as decisões de investimentos de empresários e
de gastos de consumidores.
O outro lado da moeda de uma herança
estatística impulsionando o PIB de 2021 é que, no ano que vem, o cálculo será
afetado justamente por uma base maior, daí vários economistas reduziram suas
previsões do crescimento para 2022.
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