- Folha de S. Paulo
Economia despiora mais rápido, mas emprego fica para trás e piora
pobreza e desigualdade
Pobre que não tem emprego deve pedir empréstimo aos bancos, disse
Jair Bolsonaro,
a seu modo cruel e degradante —trata-se de alguém que faz troça de gente
morrendo asfixiada de Covid.
Para ser mais preciso, disse isso: “Tem gente criticando ainda
falando que quer mais [auxílio emergencial]. Como é endividamento por parte do
governo, quem quer mais é só ir no banco e fazer empréstimo”.
Foi no mesmo dia em que o IBGE divulgou o PIB
do primeiro trimestre. O resultado mais notável do desempenho da economia
foi uma despiora mais rápida do que a esperada, enquanto o nível de emprego vai
ficando muito para trás. Pelo menos desde 2012, é a maior divergência entre PIB
e emprego. Em relação ao primeiro trimestre de 2020, a economia cresceu 1%. O
número de pessoas de alguma renda do trabalho ainda é 7,3% menor, cerca de 6,6
milhões a menos. Já foi pior. No terceiro
trimestre do ano passado, a perda de empregos era de 12,1%, segundo a Pnad
do IBGE. Mas, mesmo nas despioras mínimas que ocorreram entre 2016 e 2019, o
nível de emprego acompanhou o PIB, mais ou menos. Agora, não.
Em parte, sabemos o que se passa. O setor de serviços é o mais deprimido da economia, ainda mais no subsetor “outras atividades de serviços” (queda acumulada de 13% em quatro trimestres, ante baixa de 3,8% do PIB), onde trabalhadores mais pobres e menos qualificados arrumam trabalho. Os serviços estão enterrados na lama por causa da epidemia, de resto prolongada porque Bolsonaro sabota as medidas sanitárias.
Setores que se recuperaram, como agropecuária,
ou quase isso, como a indústria extrativa, empregam relativamente bem menos. A
construção civil, outro setor que emprega gente mais pobre, ainda está bem
deprimida, em parte porque o pífio investimento em infraestrutura estagnou ou
pior que isso. Não há investimento público nem política pública relevante o suficiente
para incentivar investimento privado em obras de infraestrutura, mais um
resultado deste desgoverno torpe.
Os dados de um período curto e os números do PIB não permitem
elucubrações maiores sobre o que se passa com o emprego. Há especulações sobre
ganhos de produtividade em setores que talvez tenham se valido das restrições
da epidemia para acelerar mudanças técnicas e poupadoras de trabalho, por
exemplo. Parte da alta do investimento se deveu à compra de máquinas,
equipamentos e tecnologia de informação, convém notar.
Outras hipóteses ainda mais temerárias avançam a ideia de que
mudança na vida das cidades também teria criado inempregáveis para sempre, em
particular gente que faz bico que depende de circulação
intensa nas ruas, por exemplo.
O fato mais evidente é que o consumo privado, o “consumo das
famílias” caiu em relação ao trimestre passado e ao início de 2020. A baixa em
relação ao final do ano passado provavelmente se deve ao fim
do pagamento do auxílio emergencial, ao deserto de empregos e à poupança
dos remediados e ricos, em parte porque não têm onde gastar (restaurante,
entretenimento, viagem), em parte por precaução, pois a epidemia vai longe e o
país é uma mistura de inação com baderna, vulgo Bolsonaro.
Além do fato evidente de não haver emprego bastante, a renda
restante de quem manteve algum trabalho foi comida pela inflação, a dos
alimentos em particular, o que afeta obviamente o mais pobre, que para se
alimentar gasta relativamente mais do pouco que tem.
Sim, por ora o PIB melhora e isso levará alívio a mais gente. A
perspectiva, porém, é de uma despiora muito desigual, com alto risco de pobreza
e iniquidade crônicas.
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