- O Globo / Folha de S. Paulo
Ela contaminou o século XX e agora é
diferente, pior
O vice-presidente Hamilton Mourão defendeu
a necessidade de punição do general Eduardo Pazuello dizendo que é preciso
“evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças”.
Santas palavras. A partir da Proclamação da
República, em 1889, a anarquia militar empesteou a política brasileira do
século XX com pelo menos 14 levantes e seis golpes. Pode-se dizer que alguns
foram de direita, outros de esquerda, mas todos tinham uma essência política.
Os tenentes dos anos 20 queriam uma nova República. Até mesmo os generais que,
em 1969, empossaram a junta militar dos Três Patetas (expressão usada por
Ernesto Geisel em conversas privadas e Ulysses Guimarães em declaração pública)
agiram em nome de uma suposta defesa da ordem.
A má notícia é que hoje a anarquia militar
tem um pé na delinquência civil, para dizer o mínimo. Gregório Fortunato, o
“Anjo Negro” e chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas, era paisano. Fabrício
Queiroz, o chevalier servant dos
Bolsonaros, é um ex-policial militar. Nenhuma crise militar do século passado
teve PMs, muito menos conexões com milicianos. Em 1964, o general Humberto
Castello Branco disse que “não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas
para empreendimentos antidemocráticos, destinam-se a garantir os poderes
constitucionais e sua coexistência”. À época, a palavra “milícia” tinha outro
significado.
Não passava pela cabeça dos generais do século passado conviver com a ideia de PMs amotinados. Em 1961, quando policiais militares de São Paulo rebelaram-se, o comandante da tropa de São Paulo, general Arthur da Costa e Silva, acabou com o levante no grito e prendeu os indisciplinados.
A essência política da anarquia militar do
século XX cumpria um relativo ritual hierárquico. Em 1955, o general Odylio
Denys foi decisivo para que seu colega, o ministro Henrique Lott, depusesse
dois presidentes numa só noite. Seis anos depois, como ministro, prendeu-o por
ter defendido a posse de João Goulart.
Nessa anarquia, prevaleciam os generais
silenciosos, aqueles de que ninguém lembra o nome.
Bolsonaro gosta de falar em “minhas Forças
Armadas”. As tropas de chefes militares que comiam abelhas, como Floriano
Peixoto, não tinham dono. Também não existiam PMs amotinadas, milicianos, nem
generais da ativa em manifestações de motoqueiros paramentados. Cenas como as
da ação da PM no Recife no último domingo são um aviso de que a anarquia pode
vir de baixo. Os disparos de balas de borracha contra manifestantes foram uma
clara provocação anárquica, porém deliberada.
Hoje esses personagens existem e são um
fator relevante na desordem política e administrativa do país. A anarquia
militar de Bolsonaro é nova — e pior.
O risco de “que a anarquia se instaure
dentro das Forças” tornou-se visível com o general Pazuello subindo no carro de
som de Bolsonaro, mas ele está aí desde 2018, quando o comandante do Exército
sugeriu com seu famoso tuíte que o Supremo Tribunal Federal negasse o habeas
corpus que impediria a prisão de Lula. Ele ecoava uma manifestação do
comandante das tropas do Sul, general Jair Dantas Ribeiro, em 1962, forçando a
realização de um plebiscito para enterrar o regime parlamentarista. João
Goulart apostava na anarquia militar.
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