Valor Econômico
Decisões econômicas confusas, desprezo com
a área social, menosprezo com a questão climática geraram desesperança
Há treze anos, o economista polonês
naturalizado francês, Ignacy Sachs, descreveu o que ele imaginava então ser uma
vocação natural para o desenvolvimento sustentado do Brasil, com uma combinação
de políticas que ao mesmo tempo contemplassem a preservação do meio ambiente e
a melhora do padrão de vida nas faixas da população de baixa renda.
Era 2009 e as economias dos países mais
desenvolvidos sofriam os efeitos de uma inesperada crise financeira com
dimensão suficiente para desencadear uma forte recessão. Muitos temeram a
reedição da crise de 1929 e os governos se mexeram. Os bancos centrais foram
usados para evitar o pior com uma expressiva injeção de dinheiro nos mercados.
A velha solução Keynes para reativar o funcionamento da economia voltou a ser
acionada durante a crise dos “sub primes”. Em 2020 e 2021, ressurgiu como
alternativa para tirar o mundo do retrocesso provocado pela pandemia da covid
19.
Sachs viu a crise de 2008/2009 como uma oportunidade para que países como o Brasil tomassem o rumo do crescimento a partir da adoção de políticas previamente definidas e com objetivos claros para o longo prazo. Idealizador do termo “ecodesenvolvimento”, dedicado que foi desde os anos 70 às questões relacionadas ao meio ambiente, ele preconizou a intervenção do Estado para garantir a adoção de políticas socialmente inclusivas, com maiores oportunidades de geração de empregos, sem que isso implicasse degradação ecológica.
Para isso, torna-se fundamental antes de tudo que uma pergunta seja respondida: “que Estado e para que desenvolvimento?”
A crise de 1929 redundou em arranjos
político-institucionais bizarros. O nazismo foi um deles: através de estímulos
para o investimento em armas e equipamentos bélicos sofisticados o regime
conseguiu contornar o desemprego e a fome, mas a um altíssimo custo. A solução
do aumento do gasto público foi usada por um Estado facínora em busca de um
desenvolvimento pervertido. É um exemplo bem apropriado para a importância que
Sachs quis dar à pergunta nada banal mencionada acima e que ele destacou no
texto escrito em 2009, publicado na primeira edição da revista Tempo do Mundo
(Ipea), sob o título: “Brazil 2022: a land of good hope?” (Brasil 2022: uma
terra da boa esperança?).
Esperança de que? Isso dependeria da
resposta à pergunta sobre que Estado? O que tivemos nos últimos treze anos
acabou por gerar apenas desesperança: decisões econômicas confusas, muitas
vezes ditadas por interesses setoriais, desprezo com a área social (não fosse a
pandemia, teria sido pior), menosprezo com a questão climática e absoluta falta
de planejamento.
O dinheiro do orçamento público que deveria
ser aplicado em políticas minimamente coerentes com uma visão de
desenvolvimento tem tomado rumos obscuros através das chamadas “emendas de
parlamentares” e “emendas de relator”, categorias que podem sobrepor-se ou não.
Ninguém sabe. Assim como não se sabe para onde vai a verba.
O desenvolvimento sustentável conforme o
potencial do país descrito por Sachs em 2009 não chegou a 2022. Todos os dados
sociais apresentaram piora. O índice Gini, que mede o nível da distribuição do
rendimento domiciliar per capita voltou a aumentar a partir de 2015 (0,524).
Segundo o IBGE, o índice Gini de 2020 teria atingido 0,573 não fosse o largo
benefício dos programas sociais que puxaram o índice para próximo da marca de
2015. O IDH - índice de desenvolvimento humano - continua péssimo, com o Brasil
entre os dez da rabeira.
No que diz respeito à outra perna do
ecodesenvolvimento, as notícias também não são boas. De acordo com o Global
Footprint Network, uma organização que mensura a evolução dos países com
respeito à preservação do meio ambiente, o Brasil registrou em 2018 um nível de
biocapacidade per capita de 8,6 gha (hectares globais per capita) que deduzidos
de 2,6 gha da chamada “pegada ecológica” (equivale ao gasto ecológico, ou seja,
àquilo que corresponderia à produção biológica necessária para repor o que foi
consumido) resultou em uma reserva de 6 gha.
Em 2005, a reserva da biocapacidade do país
correspondia a 7,2 gha, enquanto que em 2010 já havia baixado para 6,4 gha.
Ignacy Sachs tem 95 anos e conhece bem o
Brasil para onde fugiu em 1941. Formou-se em economia pela Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro (Cândido Mendes). Voltou para
a Polônia depois da guerra e em 1968 foi convidado por Fernand Braudel para
trabalhar na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris,
onde criou em 1985 o Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo.
Pode-se dizer, comparado a outros países,
que o Brasil ainda tem o que Sachs chamou de biocapacidade subutilizada, fato
que o levou a chamar o país de “terra da boa esperança” com um ponto de
interrogação, porém.
Justamente, o artigo termina com uma
explicação sobre o ponto de interrogação do título pois apesar das condições
objetivas favoráveis tudo dependeria da vontade política. “Eleições gerais vão
ocorrer em 2010, 2014 e 2018 antes de chegarmos a 2022, que será novamente um
ano eleitoral”, lembrou ele, com o tom das incertezas à frente.
Passados treze anos, à luz do que se tem
hoje, só resta lamentar o desperdício de tempo e a falta de visão política
*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”.
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