terça-feira, 10 de maio de 2022

Maria Clara R. M. do Prado*: Um Brasil que não chegou a 2022

Valor Econômico

Decisões econômicas confusas, desprezo com a área social, menosprezo com a questão climática geraram desesperança

Há treze anos, o economista polonês naturalizado francês, Ignacy Sachs, descreveu o que ele imaginava então ser uma vocação natural para o desenvolvimento sustentado do Brasil, com uma combinação de políticas que ao mesmo tempo contemplassem a preservação do meio ambiente e a melhora do padrão de vida nas faixas da população de baixa renda.

Era 2009 e as economias dos países mais desenvolvidos sofriam os efeitos de uma inesperada crise financeira com dimensão suficiente para desencadear uma forte recessão. Muitos temeram a reedição da crise de 1929 e os governos se mexeram. Os bancos centrais foram usados para evitar o pior com uma expressiva injeção de dinheiro nos mercados. A velha solução Keynes para reativar o funcionamento da economia voltou a ser acionada durante a crise dos “sub primes”. Em 2020 e 2021, ressurgiu como alternativa para tirar o mundo do retrocesso provocado pela pandemia da covid 19.

Sachs viu a crise de 2008/2009 como uma oportunidade para que países como o Brasil tomassem o rumo do crescimento a partir da adoção de políticas previamente definidas e com objetivos claros para o longo prazo. Idealizador do termo “ecodesenvolvimento”, dedicado que foi desde os anos 70 às questões relacionadas ao meio ambiente, ele preconizou a intervenção do Estado para garantir a adoção de políticas socialmente inclusivas, com maiores oportunidades de geração de empregos, sem que isso implicasse degradação ecológica.

Para isso, torna-se fundamental antes de tudo que uma pergunta seja respondida: “que Estado e para que desenvolvimento?”

A crise de 1929 redundou em arranjos político-institucionais bizarros. O nazismo foi um deles: através de estímulos para o investimento em armas e equipamentos bélicos sofisticados o regime conseguiu contornar o desemprego e a fome, mas a um altíssimo custo. A solução do aumento do gasto público foi usada por um Estado facínora em busca de um desenvolvimento pervertido. É um exemplo bem apropriado para a importância que Sachs quis dar à pergunta nada banal mencionada acima e que ele destacou no texto escrito em 2009, publicado na primeira edição da revista Tempo do Mundo (Ipea), sob o título: “Brazil 2022: a land of good hope?” (Brasil 2022: uma terra da boa esperança?).

Esperança de que? Isso dependeria da resposta à pergunta sobre que Estado? O que tivemos nos últimos treze anos acabou por gerar apenas desesperança: decisões econômicas confusas, muitas vezes ditadas por interesses setoriais, desprezo com a área social (não fosse a pandemia, teria sido pior), menosprezo com a questão climática e absoluta falta de planejamento.

O dinheiro do orçamento público que deveria ser aplicado em políticas minimamente coerentes com uma visão de desenvolvimento tem tomado rumos obscuros através das chamadas “emendas de parlamentares” e “emendas de relator”, categorias que podem sobrepor-se ou não. Ninguém sabe. Assim como não se sabe para onde vai a verba.

O desenvolvimento sustentável conforme o potencial do país descrito por Sachs em 2009 não chegou a 2022. Todos os dados sociais apresentaram piora. O índice Gini, que mede o nível da distribuição do rendimento domiciliar per capita voltou a aumentar a partir de 2015 (0,524). Segundo o IBGE, o índice Gini de 2020 teria atingido 0,573 não fosse o largo benefício dos programas sociais que puxaram o índice para próximo da marca de 2015. O IDH - índice de desenvolvimento humano - continua péssimo, com o Brasil entre os dez da rabeira.

No que diz respeito à outra perna do ecodesenvolvimento, as notícias também não são boas. De acordo com o Global Footprint Network, uma organização que mensura a evolução dos países com respeito à preservação do meio ambiente, o Brasil registrou em 2018 um nível de biocapacidade per capita de 8,6 gha (hectares globais per capita) que deduzidos de 2,6 gha da chamada “pegada ecológica” (equivale ao gasto ecológico, ou seja, àquilo que corresponderia à produção biológica necessária para repor o que foi consumido) resultou em uma reserva de 6 gha.

Em 2005, a reserva da biocapacidade do país correspondia a 7,2 gha, enquanto que em 2010 já havia baixado para 6,4 gha.

Ignacy Sachs tem 95 anos e conhece bem o Brasil para onde fugiu em 1941. Formou-se em economia pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro (Cândido Mendes). Voltou para a Polônia depois da guerra e em 1968 foi convidado por Fernand Braudel para trabalhar na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, onde criou em 1985 o Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo.

Pode-se dizer, comparado a outros países, que o Brasil ainda tem o que Sachs chamou de biocapacidade subutilizada, fato que o levou a chamar o país de “terra da boa esperança” com um ponto de interrogação, porém.

Justamente, o artigo termina com uma explicação sobre o ponto de interrogação do título pois apesar das condições objetivas favoráveis tudo dependeria da vontade política. “Eleições gerais vão ocorrer em 2010, 2014 e 2018 antes de chegarmos a 2022, que será novamente um ano eleitoral”, lembrou ele, com o tom das incertezas à frente.

Passados treze anos, à luz do que se tem hoje, só resta lamentar o desperdício de tempo e a falta de visão política

*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”.

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