terça-feira, 10 de maio de 2022

Pedro Cafardo: A perda de protagonismo da indústria brasileira

Valor Econômico

Quem está criticando a alta dos juros, um tiro no setor produtivo?

No início da pandemia, observamos aqui que, enquanto a covid-19 matava milhares de brasileiros, o processo de desindustrialização avançava matando empresas. A Ford, há um século no país, estava indo embora. A Mercedes suspendia a produção de sua fábrica de automóveis. A Sony saía correndo de Manaus.

A pandemia parece estar no fim. Tomara! O vírus da desindustrialização, porém, continua a atacar a economia e nem é tema de debate na pré-campanha eleitoral. Analistas dizem tratar-se de um processo mundial de transição da economia industrial para a de serviços. Ninguém discorda. No caso brasileiro, porém, deu-se antes de o país atingir a maturidade no setor e vem de longe - é o que afirmam economistas “não convencionais”.

Vale rever alguns dados. Em 2005, a indústria brasileira tinha quase 3% da indústria mundial. Hoje, tem 1,8%. Em meados dos anos 1980, a indústria respondia por 35% do PIB nacional. Hoje responde por 10% a 11%.

Outro dado chocante: o Brasil exportava US$ 9 bilhões por ano em manufaturados em 1980, mais que a China, que vendeu US$ 8,7 bilhões naquele ano. Agora, passados 40 anos, a distância entre os dois países é estratosférica. O Brasil exportou, em 2020, US$ 60,7 bilhões em manufaturados, e a China, US$ 2,47 trilhões.

O Brasil perdeu a corrida para a China muito por mérito dos asiáticos, mas também houve fatores internos: equivocada valorização cambial - nenhum país se industrializou sem ter um câmbio real competitivo; juros sempre altíssimos; primarização da pauta de exportação; existência de uma frágil organização empresarial.

Esse último fator tem sido pouco citado. Nem empresários nem a grande imprensa estiveram suficientemente atentos ao processo de desindustrialização precoce. Durante quase três décadas, os industriais perderam o protagonismo na discussão da economia. A imprensa, por sua vez, esteve muito mais ligada ao mercado financeiro, reproduzindo ideias neoliberais.

Nos anos 1970 e 1980, as principais fontes da imprensa econômica eram os industriais. Para opinar sobre o mercado internacional de mercadorias, os jornalistas entrevistavam os diretores de Exportação e Importação das grandes empresas. Para falar sobre finanças, ouviam diretores financeiros de indústrias, além dos bancos.

Um exemplo atual: o Banco Central vem aumentando os juros, que saíram de 2% ao ano em março de 2021 para 12,75% hoje. Quem está criticando esse aumento, um tiro de canhão no setor produtivo? Quem faz o papel do “guerrilheiro” industrial Antônio Ermírio de Moraes (1928-2014)? Se ele aqui estivesse já teria dito que se trata de uma insensatez, que o spread bancário é um absurdo, que os lucros dos bancos são pornográficos, que isso vai nos levar a outra recessão.

A perda de protagonismo das organizações empresariais teve uma honrosa exceção, a do IEDI, mas sua atuação também foi ofuscada por divergências internas e pelo “low profile”.

Nos anos 1970 e 1980, a grande imprensa cobria sistematicamente, por exemplo, as atividades da Fiesp, local de debates e fonte de abundantes informações sobre a economia brasileira. Lá circulavam os grandes empresários e executivos industriais, como Antônio Ermírio, José Mindlin, Luis Eulálio Vidigal, Laerte Setúbal, Claudio Bardella, Paulo Villares, Paulo Cunha, Jorge Gerdau, figuras também atuantes na batalha pela redemocratização do país.

Hoje, a cobertura das empresas é muito mais intensa e ampla, porém bastante restrita à área de negócios. O Valor publica um caderno diário de Empresas completo, indispensável para quem faz negócios. Com o desenvolvimento do mercado de capitais, a cobertura de investimentos também foi desenvolvida e os meios digitais operam com grande intensidade nessa área. Mas continuam pouco relevantes as opiniões dos líderes industriais, empresários e executivos, sobre o cenário e a política econômica. O protagonismo nessa área ficou para o mercado financeiro. Os economistas de bancos são eficientes: estudam, levantam dados, fazem previsões, apresentam números. Estão sempre disponíveis e a imprensa precisa deles, porque geram notícias, mas também plantam a opinião dominante em seu campo ideológico.

O BNDES, por exemplo, foi desmoralizado “à luz do dia”, devido a uma pretensa corrupção nunca confirmada e da ideologia neoliberal contrária ao papel do Estado na promoção de investimentos. Em meio à histeria da Lava-Jato, houve reduções de financiamentos e devolução de recursos do banco à União, que estancaram o investimento industrial.

No atual governo, raros empresários levantam a voz contra encolhimento do BNDES, falta de crédito ou elevação de juros. Tampouco se ouve, de lideranças industriais, críticas ao processo de desindustrialização e apoio à política de estímulo setorial. Eles falam muito mais, pelo menos publicamente, de reformas, que são necessárias, mas não suficientes. Aceitam sem ressalvas ideias neoliberais caducas de que o mercado vai naturalmente ditar a recuperação econômica, sem necessidade de apoio do Estado, mesmo após evidências trazidas pela crise das cadeias globais decorrente da pandemia e da guerra na Ucrânia.

A Lava-Jato também ajudou a desmontar parte da indústria, sem que houvesse reações relevantes das organizações empresariais e com apoio de parte da imprensa. Não havia a necessidade de se impor perdas tão grandes à indústria.

Vale então citar mais uma vez o fato histórico ocorrido em 1945, quando, após a rendição japonesa, na II Guerra, o general Douglas MacArthur, que comandava a intervenção americana no Japão, chamou o imperador Hirohito para uma conversa no QG americano. Envergonhado, ele não queria ir, mas acabou indo e fez apenas um apelo: “General, peço que qualquer punição seja a mim, não ao Japão”.

Aqui, o combate à corrupção e a Operação Lava-Jato eram necessários, mas as punições deveriam atingir mais as pessoas e menos as empresas. O próprio país, além das empresas, foi mais punido do que os corruptos. E isso sob os olhos omissos e até deslumbrados de organizações empresariais e de parte da própria imprensa, que reflete a sociedade.

Enfim, os empresários perderam o protagonismo na discussão da economia. E também a iniciativa no debate político e na defesa da democracia. Mas isso é outra história.

Nenhum comentário: