Valor Econômico
Quem está criticando a alta dos juros, um
tiro no setor produtivo?
No início da pandemia, observamos aqui que,
enquanto a covid-19 matava milhares de brasileiros, o processo de
desindustrialização avançava matando empresas. A Ford, há um século no país,
estava indo embora. A Mercedes suspendia a produção de sua fábrica de
automóveis. A Sony saía correndo de Manaus.
A pandemia parece estar no fim. Tomara! O
vírus da desindustrialização, porém, continua a atacar a economia e nem é tema
de debate na pré-campanha eleitoral. Analistas dizem tratar-se de um processo
mundial de transição da economia industrial para a de serviços. Ninguém
discorda. No caso brasileiro, porém, deu-se antes de o país atingir a
maturidade no setor e vem de longe - é o que afirmam economistas “não
convencionais”.
Vale rever alguns dados. Em 2005, a
indústria brasileira tinha quase 3% da indústria mundial. Hoje, tem 1,8%. Em
meados dos anos 1980, a indústria respondia por 35% do PIB nacional. Hoje
responde por 10% a 11%.
Outro dado chocante: o Brasil exportava US$ 9 bilhões por ano em manufaturados em 1980, mais que a China, que vendeu US$ 8,7 bilhões naquele ano. Agora, passados 40 anos, a distância entre os dois países é estratosférica. O Brasil exportou, em 2020, US$ 60,7 bilhões em manufaturados, e a China, US$ 2,47 trilhões.
O Brasil perdeu a corrida para a China
muito por mérito dos asiáticos, mas também houve fatores internos: equivocada
valorização cambial - nenhum país se industrializou sem ter um câmbio real
competitivo; juros sempre altíssimos; primarização da pauta de exportação;
existência de uma frágil organização empresarial.
Esse último fator tem sido pouco citado.
Nem empresários nem a grande imprensa estiveram suficientemente atentos ao
processo de desindustrialização precoce. Durante quase três décadas, os
industriais perderam o protagonismo na discussão da economia. A imprensa, por
sua vez, esteve muito mais ligada ao mercado financeiro, reproduzindo ideias
neoliberais.
Nos anos 1970 e 1980, as principais fontes
da imprensa econômica eram os industriais. Para opinar sobre o mercado
internacional de mercadorias, os jornalistas entrevistavam os diretores de
Exportação e Importação das grandes empresas. Para falar sobre finanças, ouviam
diretores financeiros de indústrias, além dos bancos.
Um exemplo atual: o Banco Central vem
aumentando os juros, que saíram de 2% ao ano em março de 2021 para 12,75% hoje.
Quem está criticando esse aumento, um tiro de canhão no setor produtivo? Quem
faz o papel do “guerrilheiro” industrial Antônio Ermírio de Moraes (1928-2014)?
Se ele aqui estivesse já teria dito que se trata de uma insensatez, que o
spread bancário é um absurdo, que os lucros dos bancos são pornográficos, que
isso vai nos levar a outra recessão.
A perda de protagonismo das organizações
empresariais teve uma honrosa exceção, a do IEDI, mas sua atuação também foi
ofuscada por divergências internas e pelo “low profile”.
Nos anos 1970 e 1980, a grande imprensa
cobria sistematicamente, por exemplo, as atividades da Fiesp, local de debates
e fonte de abundantes informações sobre a economia brasileira. Lá circulavam os
grandes empresários e executivos industriais, como Antônio Ermírio, José
Mindlin, Luis Eulálio Vidigal, Laerte Setúbal, Claudio Bardella, Paulo
Villares, Paulo Cunha, Jorge Gerdau, figuras também atuantes na batalha pela
redemocratização do país.
Hoje, a cobertura das empresas é muito mais
intensa e ampla, porém bastante restrita à área de negócios. O Valor publica um caderno
diário de Empresas completo, indispensável para quem faz negócios. Com o
desenvolvimento do mercado de capitais, a cobertura de investimentos também foi
desenvolvida e os meios digitais operam com grande intensidade nessa área. Mas
continuam pouco relevantes as opiniões dos líderes industriais, empresários e
executivos, sobre o cenário e a política econômica. O protagonismo nessa área
ficou para o mercado financeiro. Os economistas de bancos são eficientes:
estudam, levantam dados, fazem previsões, apresentam números. Estão sempre
disponíveis e a imprensa precisa deles, porque geram notícias, mas também
plantam a opinião dominante em seu campo ideológico.
O BNDES, por exemplo, foi desmoralizado “à
luz do dia”, devido a uma pretensa corrupção nunca confirmada e da ideologia
neoliberal contrária ao papel do Estado na promoção de investimentos. Em meio à
histeria da Lava-Jato, houve reduções de financiamentos e devolução de recursos
do banco à União, que estancaram o investimento industrial.
No atual governo, raros empresários
levantam a voz contra encolhimento do BNDES, falta de crédito ou elevação de
juros. Tampouco se ouve, de lideranças industriais, críticas ao processo de
desindustrialização e apoio à política de estímulo setorial. Eles falam muito
mais, pelo menos publicamente, de reformas, que são necessárias, mas não
suficientes. Aceitam sem ressalvas ideias neoliberais caducas de que o mercado
vai naturalmente ditar a recuperação econômica, sem necessidade de apoio do
Estado, mesmo após evidências trazidas pela crise das cadeias globais
decorrente da pandemia e da guerra na Ucrânia.
A Lava-Jato também ajudou a desmontar parte
da indústria, sem que houvesse reações relevantes das organizações empresariais
e com apoio de parte da imprensa. Não havia a necessidade de se impor perdas
tão grandes à indústria.
Vale então citar mais uma vez o fato
histórico ocorrido em 1945, quando, após a rendição japonesa, na II Guerra, o
general Douglas MacArthur, que comandava a intervenção americana no Japão,
chamou o imperador Hirohito para uma conversa no QG americano. Envergonhado,
ele não queria ir, mas acabou indo e fez apenas um apelo: “General, peço que
qualquer punição seja a mim, não ao Japão”.
Aqui, o combate à corrupção e a Operação
Lava-Jato eram necessários, mas as punições deveriam atingir mais as pessoas e
menos as empresas. O próprio país, além das empresas, foi mais punido do que os
corruptos. E isso sob os olhos omissos e até deslumbrados de organizações
empresariais e de parte da própria imprensa, que reflete a sociedade.
Enfim, os empresários perderam o protagonismo
na discussão da economia. E também a iniciativa no debate político e na defesa
da democracia. Mas isso é outra história.
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