Correio Braziliense
Com a aproximação das
eleições deste ano, o presidente Bolsonaro intensificou seus ataques ao processo
eleitoral, levantando suspeitas sobre as urnas eletrônicas e até mesmo em
relação ao TSE
A urna eletrônica é o maior avanço já
realizado no Brasil para assegurar que nosso Estado de direito democrático seja
realmente uma democracia de massas, segundo o princípio “cada cidadão um voto”,
que caracteriza as eleições majoritárias no Brasil — principalmente as eleições
para o Executivo, nos três níveis de federação. Só para ilustrar, esse
princípio foi a principal reivindicação da luta contra o apartheid na África do
Sul, em que pese a bandeira “Libertem Mandela”, o grande pai da democracia
sul-africana.
As eleições proporcionais, embora tenham o mesmo princípio, não garantem uma representação exatamente proporcional ao número de eleitores de cada unidade da federação, porque São Paulo elege menos deputados do que seria a proporção de seu colégio eleitoral, e alguns estados com menos eleitores são sobrerepresentados, como Roraima, por exemplo.
Com a urna eletrônica, acabaram-se as fraudes eleitorais na contagem e na apuração dos votos, que eram muito frequentes quando o voto era impresso e apurados manualmente, inclusive durante o regime militar, e mesmo após a redemocratização. Em parte, o aperfeiçoamento do sistema decorreu da tentativa de fraude das eleições para o governo do Rio de Janeiro, em 1982, quando foi eleito o governador Leonel Brizola, numa operação tabajara realizada pelos órgãos de inteligência do governo do presidente João Batista Figueiredo.
Um sistema informatizado de apuração dos
votos, feito pela empresa Proconsult, associada a antigos colaboradores do
regime militar, transferia votos nulos e brancos para o candidato governista.
Os indícios de que os resultados seriam fraudados surgiram da apuração paralela
contratada pelo PDT à empresa Sysin Sistemas e Serviços de Informática, que
divergiam completamente do resultado oficial. Outra fonte que obtinha
resultados diferentes dos oficiais foi a Rádio Jornal do Brasil. A tentativa de
fraude é analisada no documentário britânico Beyond Citizen Kane de 1993.
Com a adoção da urna eletrônica, porém, se
tornou impossível alterar o resultado da votação na apuração e na computação
dos votos, porque cada urna é um compartimento estanque, não conectado em rede,
que registra, apura e emite o boletim de votação de cada seção eleitoral. Esses
resultados, posteriormente, são transmitidos para os tribunais eleitorais e
somados, num processo que possibilita a obtenção do resultado da eleição no
mesmo dia.
Além disso, torna possível uma operação
reversa de rastreamento, para conferir o resultado urna por urna, caso isso
seja necessário. A inviolabilidade da urna eletrônica, porém, precisa ser
atualizada a cada eleição, para impedir que sejam hackeadas.
Suspeitas fantasiosas
Desde quando tomou posse, o presidente Jair
Bolsonaro (PL) levanta suspeitas sobre as urnas eletrônicas. Afirma que venceu
as eleições de 2018 no primeiro turno, o que é fantasioso, sem qualquer base
nos fatos. Chegou a promover uma tentativa de restabelecimento do voto
impresso, que foi rejeitada pelo Congresso. Com a aproximação das eleições
desde ano, nas quais concorrerá à reeleição, o presidente da República
intensificou seus ataques ao processo eleitoral, levantando suspeitas sobre as
urnas eletrônicas e, até mesmo, em relação à idoneidade dos ministros do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Para neutralizar esses ataques, o então
presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, decidiu ampliar o colégio de
especialistas encarregado de testar a segurança das urnas e, para isso, também
convidou um representante das Forças Armadas, que têm uma unidade de defesa
cibernética a cargo do Exército. O que era para ser uma colaboração específica,
entretanto, passou a ser tratado por Bolsonaro como uma espécie de tutela
militar sobre processo eleitoral, o que é inconstitucional.
Mais de 80 questionamentos foram feitos
pelo general Heber Garcia Portella, encarregado de representar as Forças
Armadas nesse processo, que agora estão servindo de pretexto para desacreditar
o processo, em lives e declarações do presidente da República. Ontem, o
presidente do TSE, ministro Edson Fachin, encaminhou aos integrantes da
Comissão de Transparência das Eleições (CTE) um ofício com as respostas
técnicas da Corte às opiniões e recomendações expostas pelo Ministério da Defesa,
em 22 de março deste ano.
As respostas tratam de novos
questionamentos sobre a confiança do teste de integridade; o processo de
amostragem aleatório para seleção de urnas que compõem o teste de integridade;
a totalização com redundância pelos TREs; fiscalização e auditoria; a inclusão
de urnas modelo UE2020 no teste público; os procedimentos normativos para a
hipótese de verificação de irregularidade em teste de integridade; e as
sugestões para uma possível duplicidade entre abstenção e voto.
Com esses esclarecimentos, o TSE deixou
claro que a responsabilidade integral pela realização e lisura do pleito é da
Justiça Eleitoral.
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