Valor Econômico
Se a evasão fiscal for muito elevada entre
os bens finais, a tributação de bens intermediários pode ser indispensável
Desde que Frank Ramsey, célebre matemático,
filósofo e economista inglês, publicou seu artigo seminal sobre tributação
ótima do consumo em 1927, o desenho eficiente da estrutura tributária de um
país tem provocado intensos debates, especialmente entre economistas.
A teoria de tributação ótima procura
determinar uma estrutura de taxação que busque a eficiência na alocação dos
recursos, dada as restrições de arrecadação dos governos. Os principais
resultados teóricos neste tópico têm influenciado propostas de reformas
tributárias em diversos países ao longo de quase um século.
No artigo “Optimal Taxation in Theory and Practice”, publicado no Journal of Economic Perspectives, em 2009, Mankiw, Weinzerl e Yagan revisaram vários resultados da teoria econômica sobre tributação ótima. Uma das principais conclusões do artigo é que apenas bens finais devem ser tributados em uma alíquota única. A ideia central é que bens intermediários não devem ser tributados, já que a presença de tributos na cadeia produtiva distorce as alocações dos fatores de produção, como capital e trabalho, entre as empresas e setores. Além disso, bens finais semelhantes devem ser tributados uniformemente, para evitar a distorção das decisões de consumo dos indivíduos e, consequentemente, a queda de bem-estar.
No Brasil, a proposta de reforma tributária
da PEC 45/2019 visa simplificar, reduzir a complexidade e aumentar a
transparência do sistema tributário, unificando vários tributos federais,
estaduais e municipais em um único imposto sobre bens e serviços (IBS).
O IBS segue o modelo dos impostos sobre o
valor adicionado (IVA), que corresponde ao desenho de tributação de bens e serviços
na maioria dos países desenvolvidos. O IVA não incide em cascata em cada etapa
da produção, bens intermediários não são tributados, e é, portanto, diferente
das outras formas de tributação indireta, como a tributação sobre o faturamento
das empresas. Assim, a reforma tributária atualmente proposta no Brasil tem
fundamentos analíticos sólidos, baseados em resultados rigorosos da teoria
econômica de tributação ótima.
No entanto, a grande maioria dos artigos
sobre tributação ótima não considera a questão da sonegação fiscal. No Brasil,
não só a evasão de tributos é elevada, como também é heterogênea entre os
setores produtivos. Atividades como agricultura e construção civil têm alta
evasão fiscal, enquanto produção de petróleo e gás e intermediação financeira
têm evasão fiscal relativamente mais baixa.
Além disso, o comportamento da sonegação
fiscal varia de forma significativa por setor produtivo em resposta a mudanças nas
alíquotas de impostos. Essa é a conclusão apresentada no estudo “Should
Governments Tax Commodities Uniformly? Theory and Evidence from Brazil”, que
realizamos em conjunto com os economistas Breno Albuquerque e Gil Navarro.
Em 1999, houve um aumento quase uniforme de
50% na alíquota do Cofins, imposto que incide sobre o faturamento das empresas,
para todos os setores de atividade, enquanto o imposto PIS, que também tem
incidência sobre o faturamento, permaneceu inalterado. Com base nessa mudança
do Cofins e na manutenção da alíquota do PIS, foi possível calcular a diferença
entre o aumento real da receita fiscal de cada setor produtivo e o aumento que
teria ocorrido na ausência de evasão fiscal do Cofins. Esse cálculo permitiu
determinar a elasticidade da evasão fiscal em relação à alíquota do imposto por
setor de atividade no Brasil.
Os resultados obtidos indicam que um
aumento de 50% na alíquota de um imposto, como ocorreu com a Cofins, resulta em
um aumento da evasão fiscal de 18% na construção civil e apenas 2,5% no setor
de intermediação financeira, evidenciando uma heterogeneidade significativa
entre setores.
Com base nesta motivação empírica,
introduzimos a evasão fiscal em um modelo econômico que considera diversos
setores produtivos com bens intermediários e finais. Constatamos que, na
maioria dos casos, não deve haver tributação sobre os bens intermediários. Ou
seja, a estrutura do IVA se mostra robusta quando a evasão fiscal é
considerada, porém a tributação uniforme de bens finais não é necessariamente
recomendável do ponto de vista de eficiência econômica.
A explicação fundamental é que uma alíquota
uniforme não implica uma taxação efetiva uniforme, uma vez que setores com
maior evasão fiscal tendem a apresentar alíquotas efetivas menores. Ademais,
demonstramos que se a evasão fiscal for significativamente elevada entre os
bens finais, a tributação de bens intermediários pode ser ótima e
indispensável.
Nosso objetivo não é argumentar que a
proposta de reforma tributária atualmente em curso na Câmera Federal se mostra
equivocada. Evidente que há vários pontos cruciais de simplificação e
transparência que poderiam levar à redução da evasão fiscal e diminuição do
lobby político dos diversos setores produtivos em busca de menores alíquotas.
No entanto, é fundamental compreendermos as características da economia
brasileira e reconhecermos que a maioria das propostas para a implementação de
um IVA único não leva em conta a evasão fiscal e sua heterogeneidade entre os
distintos setores produtivos. Além do mais, poucos países de fato tem IVA
único.
O debate precisa ser aprofundado para
chegarmos a um estrutura tributária minimamente eficiente. Não podemos perder
esse atual momento histórico quando as mais diversas correntes políticas
verbalizam que irão apoiar esta importante reforma para o país.
*Tiago Cavalcanti é professor
titular de Economia da Universidade de Cambridge, da FGV-EESP e colunista do
Valor.
Aloisio Araujo é professor
titular da FGV-EPGE e pesquisador emérito do IMPA
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