quarta-feira, 5 de abril de 2023

Lu Aiko Otta - A “neoindustrialização” de Alckmin

Valor Econômico

Governo recriará CNDI e prorrogará Rota 2030

Em suas falas, o discreto ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, evita usar a palavra “reindustrialização”. Ponto de entrada das inúmeras e variadas demandas do setor produtivo, o ministério que ele acumula com a vice-presidência da República trabalha num programa que pretende revigorar a indústria brasileira, mas em novas bases. A palavra preferida por lá é “neoindustrialização”.

O trabalho parte da constatação que a indústria perdeu espaço na economia brasileira. Responsável por 33% do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos 1980, o setor encolheu para 11,3%. Não foram só a produção e os empregos de boa qualidade que caíram. Também a presença do Brasil no comércio internacional minguou.

É aí que entra o “neo”. Não é possível recuperar presença internacional com aqueles produtos de 40 anos atrás. De alguma forma, a produção brasileira precisa pegar a onda da transição digital e energética que ocorre no planeta. Essa é, para usar outra palavra em voga nessas discussões do governo, uma “missão” para os formuladores de políticas públicas e para as empresas.

Há também um olhar para o mercado doméstico, que responde por 65% do PIB. No momento, é um público que tem seu poder aquisitivo enfraquecido pela inflação, pelo alto endividamento e pelos juros elevados.

Assim, a redução da pobreza, um dos eixos do programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um dos instrumentos da “neoindustrialização”. A política de valorização do salário mínimo, o fortalecimento do Bolsa Família, o prometido Desenrola e a elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) vão na direção de fortalecer o mercado interno.

O debate sobre a nova política industrial brasileira ganhará estrutura nos próximos dias. O governo pretende recriar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), um colegiado que reúne representantes de vários ministérios e da indústria, e cujos debates serão presididos por Lula.

Essa aproximação é importante, inclusive, pela dimensão política. Segmentos importantes da indústria apoiaram a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 e seguiram com ele no pleito de 2022. É, assim, um grupo do qual a atual equipe de governo quer se aproximar, como parte do seu projeto de reunificação do país.

A presença do vice-presidente no comando do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) é vista dentro e fora da Esplanada como uma escolha feliz. Isso porque seus programas envolvem diferentes pastas. O trabalho do MDIC é basicamente de buscar dois alinhamentos: para dentro do governo e para fora dele, com o setor produtivo.

Na geografia do poder, o trabalho de coordenação de ministérios flui melhor quando centralizado no Palácio do Planalto. Mais ainda se for entregue a alguém com fácil acesso ao presidente da República.

Escaldados pelos erros do passado, integrantes do governo negam que a intenção seja reeditar a política de “campeões nacionais”. Ou, como costuma dizer Alckmin, escolher o próximo milionário.

Porém, alguns setores estarão no foco do governo. São aqueles com mais impacto na sustentabilidade ambiental, na inovação, na diversificação da pauta exportadora brasileira. A seleção será discutida no CNDI. Automotivo, medicamentos, defesa e semicondutores são exemplos de candidatos.

É intenção da equipe de Alckmin prorrogar, com aperfeiçoamentos, o programa Rota 2030, que se encerra no próximo dia 30 de junho. Criado em 2018, concede à indústria automobilística descontos em impostos, desde que haja investimentos em inovação tecnológica.

A renúncia fiscal envolvida no programa é de R$ 4,4 bilhões neste ano. Se o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quiser seguir com o plano de rever os chamados gastos tributários para fortalecer as receitas, dificilmente avançará sobre esse.

Outro setor importante na nova estratégia é o de saúde. A pandemia reforçou o princípio da precaução e mostrou que é necessário fortalecer a produção local de medicamentos para dar mais segurança ao Sistema Único de Saúde (SUS), disse Alckmin nesta semana, em evento em que foi anunciada a recriação do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Geceis). A ministra da Saúde, Nísia Trindade, estava a seu lado.

Medicamentos são produtos de alto conteúdo tecnológico. O Brasil tem destaque em algumas áreas, como o desenvolvimento de vacinas, mas ainda assim registrou déficit de US$ 20 bilhões na balança comercial em produtos desse complexo.

Há uma série de medidas que podem ajudar a fortalecer a indústria nacional de fármacos sem a necessidade de retomar instrumentos tradicionais, como juros subsidiados e proteção tarifária, disse o presidente da FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri.

Por exemplo, o fortalecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com pessoas e tecnologia, para agilizar a liberação do uso de medicamentos desenvolvidos aqui. Ou a facilitação na importação de equipamentos para pesquisas. Outra forma de estímulo seria criação de sandboxes regulatórios para novos medicamentos.

Quais instrumentos serão utilizados na nova política industrial é algo que será discutido no CNDI.

A nova política industrial brasileira vai incorporar uma vertente de desenvolvimento regional. Alckmin tem ressaltado que investimentos na floresta amazônica são uma forma de neutralizar emissões de carbono. Por esse motivo, o Brasil é a “bola da vez” na atração de recursos externos.

Os planos de investimento e desenvolvimento econômico, porém, tropeçam no mau e velho Custo Brasil: burocracia excessiva, tributação pesada e confusa, crédito caro.

Será muito bom se a equipe de governo, formada por políticos experientes, conseguir finalmente combater esses problemas tão antigos e tão prejudiciais ao país.

 

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