Valor Econômico
Governo recriará CNDI e prorrogará Rota
2030
Em suas falas, o discreto ministro do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, evita usar a
palavra “reindustrialização”. Ponto de entrada das inúmeras e variadas demandas
do setor produtivo, o ministério que ele acumula com a vice-presidência da
República trabalha num programa que pretende revigorar a indústria brasileira,
mas em novas bases. A palavra preferida por lá é “neoindustrialização”.
O trabalho parte da constatação que a indústria perdeu espaço na economia brasileira. Responsável por 33% do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos 1980, o setor encolheu para 11,3%. Não foram só a produção e os empregos de boa qualidade que caíram. Também a presença do Brasil no comércio internacional minguou.
É aí que entra o “neo”. Não é possível
recuperar presença internacional com aqueles produtos de 40 anos atrás. De
alguma forma, a produção brasileira precisa pegar a onda da transição digital e
energética que ocorre no planeta. Essa é, para usar outra palavra em voga
nessas discussões do governo, uma “missão” para os formuladores de políticas
públicas e para as empresas.
Há também um olhar para o mercado
doméstico, que responde por 65% do PIB. No momento, é um público que tem seu
poder aquisitivo enfraquecido pela inflação, pelo alto endividamento e pelos
juros elevados.
Assim, a redução da pobreza, um dos eixos
do programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um dos
instrumentos da “neoindustrialização”. A política de valorização do salário
mínimo, o fortalecimento do Bolsa Família, o prometido Desenrola e a elevação
da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) vão na direção
de fortalecer o mercado interno.
O debate sobre a nova política industrial
brasileira ganhará estrutura nos próximos dias. O governo pretende recriar o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), um colegiado que reúne
representantes de vários ministérios e da indústria, e cujos debates serão
presididos por Lula.
Essa aproximação é importante, inclusive,
pela dimensão política. Segmentos importantes da indústria apoiaram a
candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 e seguiram com ele no pleito de 2022. É,
assim, um grupo do qual a atual equipe de governo quer se aproximar, como parte
do seu projeto de reunificação do país.
A presença do vice-presidente no comando do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) é vista
dentro e fora da Esplanada como uma escolha feliz. Isso porque seus programas
envolvem diferentes pastas. O trabalho do MDIC é basicamente de buscar dois
alinhamentos: para dentro do governo e para fora dele, com o setor produtivo.
Na geografia do poder, o trabalho de
coordenação de ministérios flui melhor quando centralizado no Palácio do
Planalto. Mais ainda se for entregue a alguém com fácil acesso ao presidente da
República.
Escaldados pelos erros do passado,
integrantes do governo negam que a intenção seja reeditar a política de
“campeões nacionais”. Ou, como costuma dizer Alckmin, escolher o próximo
milionário.
Porém, alguns setores estarão no foco do
governo. São aqueles com mais impacto na sustentabilidade ambiental, na
inovação, na diversificação da pauta exportadora brasileira. A seleção será
discutida no CNDI. Automotivo, medicamentos, defesa e semicondutores são
exemplos de candidatos.
É intenção da equipe de Alckmin prorrogar,
com aperfeiçoamentos, o programa Rota 2030, que se encerra no próximo dia 30 de
junho. Criado em 2018, concede à indústria automobilística descontos em
impostos, desde que haja investimentos em inovação tecnológica.
A renúncia fiscal envolvida no programa é
de R$ 4,4 bilhões neste ano. Se o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quiser
seguir com o plano de rever os chamados gastos tributários para fortalecer as
receitas, dificilmente avançará sobre esse.
Outro setor importante na nova estratégia é
o de saúde. A pandemia reforçou o princípio da precaução e mostrou que é
necessário fortalecer a produção local de medicamentos para dar mais segurança
ao Sistema Único de Saúde (SUS), disse Alckmin nesta semana, em evento em que
foi anunciada a recriação do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial
da Saúde (Geceis). A ministra da Saúde, Nísia Trindade, estava a seu lado.
Medicamentos são produtos de alto conteúdo
tecnológico. O Brasil tem destaque em algumas áreas, como o desenvolvimento de
vacinas, mas ainda assim registrou déficit de US$ 20 bilhões na balança
comercial em produtos desse complexo.
Há uma série de medidas que podem ajudar a
fortalecer a indústria nacional de fármacos sem a necessidade de retomar
instrumentos tradicionais, como juros subsidiados e proteção tarifária, disse o
presidente da FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri.
Por exemplo, o fortalecimento da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com pessoas e tecnologia, para
agilizar a liberação do uso de medicamentos desenvolvidos aqui. Ou a
facilitação na importação de equipamentos para pesquisas. Outra forma de
estímulo seria criação de sandboxes regulatórios para novos medicamentos.
Quais instrumentos serão utilizados na nova
política industrial é algo que será discutido no CNDI.
A nova política industrial brasileira vai
incorporar uma vertente de desenvolvimento regional. Alckmin tem ressaltado que
investimentos na floresta amazônica são uma forma de neutralizar emissões de
carbono. Por esse motivo, o Brasil é a “bola da vez” na atração de recursos
externos.
Os planos de investimento e desenvolvimento
econômico, porém, tropeçam no mau e velho Custo Brasil: burocracia excessiva,
tributação pesada e confusa, crédito caro.
Será muito bom se a equipe de governo,
formada por políticos experientes, conseguir finalmente combater esses
problemas tão antigos e tão prejudiciais ao país.
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