Correio Braziliense
Há rumores de que os advogados do ex-ministro
da Justiça Anderson Torres negociam a sua delação premiada com a Polícia
Federal, que investiga a tentativa de golpe de 8 de janeiro
O dilema clássico dos prisioneiros é o
seguinte: dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia, que tem provas
insuficientes para uma condenação, mas usa um estratagema trivial, de separar
os prisioneiros e oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros,
confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o
que confessou sai livre, enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de
sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a seis
meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva cinco anos
de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber qual será a do outro, e
nenhum tem certeza da decisão do outro.
No livro A evolução da cooperação (Editora Hemus), o cientista político norte-americano Robert Axelrod estudou uma variante do cenário clássico do dilema do prisioneiro, que denominou dilema do prisioneiro iterado (DPI). Convidou colegas acadêmicos de todo o mundo a conceber estratégias automatizadas para competir, recorrendo à complexidade dos algoritmos. Descobriu que as estratégias egoístas tendiam a ser piores a longo prazo, enquanto que as estratégias altruístas eram melhores, julgando-as unicamente com respeito ao interesse próprio. Usou isso para mostrar como pode evoluir um comportamento altruísta a partir de mecanismos puramente egoístas na seleção natural.
A melhor estratégia era parecida com a Lei
de Talião, da antiga Mesopotâmia: “Olho por olho, dente por dente”,
desenvolvida e apresentada no torneio por Anatol Rapport, que misturava
retaliação e cooperação. Consistia em cooperar logo no começo do jogo, e depois
repetir o que o oponente escolheu na rodada seguinte, sem perder a capacidade
de perdoar, ou seja, eventualmente cooperar em vez de retaliar, para não ficar
encerrado num círculo vicioso de retaliações.
O segredo é começar cooperando. A retaliação
só ocorre como resposta à deserção de outro jogador. Castiga-se imediatamente,
mas volta-se a cooperar ao primeiro sinal de cooperação. Esse comportamento
claro e direto permite que o outro jogador entenda facilmente a lógica por trás
das ações. No torneio de Axelrod, as piores estratégias foram as que não
estavam desenhadas para responder às escolhas dos outros jogadores.
A estratégia é fascinante porque permite
entender a cooperação e a confiança humanas. Axelrod estabeleceu, porém, as
condições necessárias para que a estratégia tenha êxito: amabilidade (o puro
egoísmo leva ao fracasso), retaliação (colaborar em qualquer circunstância é um
erro), perdão (evita o círculo vicioso das retaliações) e desprendimento (a
inveja é péssima conselheira).
Delação premiada
Essa estratégia leva indivíduos egoístas a
serem amáveis e colaborativos, indulgentes e não invejosos, porque os “bons
rapazes” acabam ganhando. O dilema dos prisioneiros é um problema da teoria dos
jogos, em que existe a possibilidade de evitar o jogo de soma zero ou mesmo o
perde perde, por meio da cooperação mútua. Ou seja, ambas as partes serão
beneficiadas.
Na Operação Lava-Jato, o dilema dos
prisioneiros foi subvertido pela chamada “delação premiada”. Quem trair leva
vantagem. Por meio das delações, políticos e empresários condenados por
corrupção e lavagem de dinheiro receberam penas abrandadas ou mesmo eliminadas.
Os maiores beneficiados foram o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da
Petrobras Paulo Roberto. Receberam as penas mais altas entre todos os
condenados (122 e 74 anos de prisão), mas foram bem recompensados e acabaram
sentenciados a apenas três e dois anos, respectivamente. As mais severas foram
as do ex-diretor da Petrobras Renato Duque (50 anos de pena), do ex-presidente da
Eletronuclear Othon Pinheiro da Silva (43 anos), do ex-presidente da Engevix
Gerson Almada (34 anos) e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto (30 anos).
Há rumores de que os advogados do
ex-ministro da Justiça Anderson Torres negociam a sua delação premiada com a
Polícia Federal, que investiga a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Delegado
federal, está cada vez mais enrolado e pode perder o emprego. Ontem, o ministro
da Justiça, Flávio Dino, em entrevista ao historiador Marco Antônio Villa,
revelou que há fortes indícios de envolvimento de Torres com as blitzes da
Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas estradas para dificultar o acesso de
eleitores às urnas no segundo turno.
O ex-ministro ocupava o cargo de secretário
de Segurança do Distrito Federal e viajou para Miami, às vésperas da invasão do
Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional,
para se encontrar com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Torres integravam o grupo
palaciano que contestava o resultado das urnas. Em sua casa foi encontrada a
minuta do decreto de intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
afastamento do ministro Alexandre de Moraes da presidência daquela Corte, que
supostamente seria assinado por Jair Bolsonaro.
Sabe-se que os então ministros da Casa
Civil, Ciro Nogueira, presidente do PP; das Comunicações, Fábio Faria; e de
Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha, atuaram para que o resultado das
urnas fosse aceito por Bolsonaro. Além de Torres, o grupo radical era formado
pelos generais Braga Netto, candidato a vice-presidente; Luiz Ramos,
secretário-geral da Presidência; e Augusto Heleno, chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
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