Valor Econômico
Proposta mira entrada de militares da ativa
na política
Já apelidada na caserna de PEC Pazuello,
singela homenagem ao general que assumiu o Ministério da Saúde durante a
pandemia no governo anterior e incrivelmente tornou-se o segundo deputado mais
votado do Rio de Janeiro, a proposta de emenda constitucional concebida para
afastar os militares da política já está nos escaninhos do Planalto e só
aguarda um melhor momento para ser enviada ao Congresso. Da lavra do ministro
da Defesa, José Múcio Monteiro, o texto tem tudo para ser mais um marco no
processo de normalização das relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e as Forças Armadas. Mas, segundo fontes, terá que aguardar um pouco
antes de ser remetida ao Parlamento.
A prioridade é a pauta econômica. O governo corre para finalizar a redação do novo arcabouço fiscal, cujos pilares foram divulgados na semana passada e constarão de um projeto de lei complementar ainda em formatação. Este deve ser enviado ao Congresso até o dia 15 de abril, prazo também de apresentação da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem. Os dois textos precisam estar alinhados.
Em paralelo, a base precisará aprovar uma
série de medidas provisórias (MPs) e um primeiro pacote com proposições que
buscam o aumento da arrecadação e a sustentabilidade do novo marco fiscal. Tudo
isso sem descuidar das discussões sobre a reforma tributária.
Enquanto isso, os articuladores políticos
do Executivo têm duas missões. Uma é buscar nomes de centro para relatar a PEC
e evitar que a proposta seja caracterizada como uma retaliação da esquerda, ou
mais especificamente do PT, às Forças Armadas. No Senado, um nome cotado é o de
Otto Alencar (PSD-BA). Na Câmara, procura-se alguém com perfil semelhante:
moderado e com trânsito em todos os partidos.
A segunda missão é negociar com a própria
bancada do PT para que a proposta de Múcio tenha prioridade, em detrimento de
uma outra PEC patrocinada por parlamentares do partido. Deputados do PT querem
alterar o artigo 142 da Constituição, o trecho da Carta que descreve o
funcionamento das Forças Armadas e é interpretado de forma equivocada por
apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como um dispositivo
que dá aos militares uma espécie de “poder moderador”.
O artigo 142 da Constituição é claro. Diz
que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Também proíbe que
militares da ativa estejam filiados a partidos políticos, mas há registros de
filiações irregulares.
O plano de lideranças do PT é alterar o
trecho final para destacar que as Forças Armadas “destinam-se a assegurar a
independência e a soberania do país e a integridade do seu território”.
Ademais, conforme detalhou o Valor no
mês passado, a ideia é acrescentar que “as Forças Armadas poderão ser escaladas
por designação do presidente da República, nos termos da lei, para colaborar em
missões de defesa civil”. Com isso, as operações de garantia de lei e da ordem
deixariam de ter previsão constitucional.
É compreensível que o PT esteja
traumatizado com o que ocorreu na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro,
quando terroristas tentaram dar um golpe de Estado. Todos os brasileiros que
têm apreço pela democracia também ficaram chocados. No entanto, argumentam
oficiais da ativa, o Congresso não deve acabar com um instrumento que pode,
sim, ser fundamental para a preservação da estabilidade social em caso de
colapso das forças de segurança de Estados e municípios. É um ponto que merece
reflexão.
Já a PEC produzida no Ministério da Defesa
tenta evitar, de forma objetiva, que militares entrem na política e contaminem
um ambiente que por definição baseia-se na disciplina e na hierarquia. Em vez
de focar o artigo 142, ela muda os artigos 14, 42 e 87 da Constituição. Eles
tratam, respectivamente, de “direitos políticos”; da atuação dos militares dos
Estados, do Distrito Federal e dos territórios; e, por fim, da atuação dos
ministros de Estado.
Em resumo, a PEC transfere para a reserva
ou demite o militar das Forças Armadas que registrar candidatura. Ela mantém a
atual regra de afastamento para militares dos Estados e do Distrito Federal no
ato da diplomação, mas, há autoridades do governo que veem como positiva a
possibilidade de o Congresso uniformizar as regras para militares das Forças
Armadas e das polícias. É um debate que o Executivo vai evitar colocar a
digital, mas considera interessante.
No trecho que muda o artigo 14 da
Constituição, o qual faz parte do capítulo sobre direitos políticos, estabelece
o texto: “Para ser elegível, no ato do registro da candidatura, o militar das
Forças Armadas deve efetivar a transferência para a reserva, ou a demissão ou
licença ex officio caso
não preencha os requisitos para reserva”. A licença ex officio, ou de ofício, é a saída
aplicada a militares temporários.
A proposta também cria uma regra de
exoneração para o militar que ocupar cargo no primeiro escalão da Esplanada dos
Ministérios. Ao alterar o artigo 87 da Constituição, “determina que para tomar
posse no cargo de ministro de Estado o militar deve ser transferido para a
reserva, deixando de se aplicar a regra de ocupação de cargo, emprego ou função
pública civil temporária não eletiva, que transfere para a reserva após dois
anos de afastamento”.
Esse teor tem respaldo do Planalto, dos
comandantes das Forças e do Superior Tribunal Militar (STM). Sua promulgação
pode ser o ponto de virada nas relações entre militares e o novo governo,
deixando para trás a fase em que a participação de Lula em um evento de
promoção de oficiais, como ocorreu nessa terça-feira (4), é considerado por
alguns como algo extraordinário. Para aprová-la, contudo, o Executivo precisará
demonstrar que tem uma base forte no Congresso.
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