O Globo
A discussão não terminará com a aprovação
do novo arcabouço fiscal no Congresso, pois não será fácil sua implementação
Estamos novamente às voltas com a discussão
sobre desenho de regra fiscal. Algum ajuste na regra atual seria inevitável,
mas o governo, por uma escolha política, pode estar complicando a situação ao
propor o novo
arcabouço fiscal, por conta das condições necessárias para seu
funcionamento pleno, além de efeitos secundários indesejados.
De quebra, com o histórico do país de
desrespeito frequente à legislação na área fiscal, a nova regra já nasce com um
déficit de credibilidade.
O governo anterior deixou uma herança
difícil. Primeiramente, a proposta orçamentária deste ano não era exequível,
pois algumas despesas criadas não foram incluídas no orçamento – um problema
ainda não sanado – e houve compressão de gastos essenciais.
Ainda que o teto de gastos explique a
contenção irrealista de despesas, ele não foi o culpado por esse quadro, mas
sim a dificuldade do país de fazer reformas para frear o crescimento de
despesas obrigatórias.
Passada a reforma da Previdência, e em meio às surpresas com a arrecadação tributária nos últimos anos, agendas fiscais estruturais foram deixadas de lado, o que levou à sequência de emendas à Constituição para furar o teto.
Além disso, a regra foi mal administrada.
Em 2020, abusou-se do uso da cláusula de escape –permite elevar gastos fora do
teto em situações excepcionais –, com uma expansão fiscal muito superior à de
países emergentes. Ao mesmo tempo, estabeleceu-se um prazo para o fim das
medidas de socorro, como se a pandemia tivesse data para acabar.
Apesar de enfraquecido, teria sido mais
sábio manter o teto, mas com ajustes – em parte feitos na PEC da Transição. Uma
boa contribuição seria reforçá-lo do ponto de vista institucional, de modo que
o Executivo pudesse contar com a contribuição de um órgão independente
responsável por recomendar revisões de políticas públicas ineficientes e o bom
uso da cláusula de escape.
O resultado foi o furo do teto, no início
de 2021, com a PEC Emergencial, que acabou abrindo precedente para o aumento de
despesas “jabutis”, não associadas à pandemia, e para mais furos posteriores
(PECs dos Precatórios e Kamikaze). Faltou cuidado no uso da flexibilidade
prevista na regra.
Até lá, o Ministério do Planejamento
poderia cumprir esse papel.
No entanto, o discurso de demonização do
teto dificultou sua manutenção. Agora, energia é dispendida para desenhar a
nova regra, que ainda carece de detalhes sobre seu funcionamento. O envio ao
Congresso e sua tramitação talvez não sejam para já.
Não havia expectativa de uma regra
ambiciosa, pois se trata de um governo com muitos compromissos de aumento de
gastos. O problema é que o arcabouço proposto não é suficientemente
consistente, pois há um compromisso com o superávit fiscal (primário) que
dependerá de forte, e improvável, aumento da carga tributária.
E a contenção da alta da dívida pública
(como proporção do PIB) dependerá também de hipóteses muito otimistas,
principalmente de crescimento do PIB (nominal).
Diante das dificuldades, o compromisso de
superávit primário tende a ser flexibilizado adiante, prejudicando a almejada
previsibilidade de um regime fiscal.
A novela não terminará, portanto, com a
aprovação do arcabouço fiscal no Congresso, pois não será fácil sua
implementação, dificultando a queda da inflação e dos juros.
A intenção de eliminar benefícios
tributários indevidos é meritória, mas encontrará resistência no Congresso. O
ideal seria enfrentar o patrimonialismo também do lado das despesas. Ajustes
incrementais, de todos os lados, teriam maior viabilidade política – o esforço
de muitos, e em doses palatáveis.
Há outros efeitos colaterais. A incerteza
quanto ao tamanho futuro da carga tributária poderá adiar decisões de
investimento das empresas.
Poderá também atrapalhar as negociações em
torno da reforma de criação do IVA. A pressão de setores para alíquotas
diferenciadas tende a crescer, podendo ainda adiar o cronograma de votação. Os
caminhos das duas reformas vão se cruzar e isso não é bom.
Outra possível consequência será o maior
incentivo para o governo recorrer indevidamente a estímulos artificiais à
economia, para elevar a arrecadação. Um exemplo seria o aumento do crédito de
bancos públicos. Foram, porém, experiências do passado que fracassaram e
desarrumaram a economia.
Aguardemos os próximos capítulos.
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