quarta-feira, 5 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Popularidade de Lula reflete início de governo errático

O Globo

Presidente apresenta avaliação negativa no mesmo patamar de Bolsonaro no início de sua gestão

Perto de completar cem dias, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é considerado por 29% dos brasileiros ruim ou péssimo. É um percentual comparável ao apresentado por Jair Bolsonaro no início de 2019. Desde a redemocratização, Lula e Bolsonaro são os presidentes com a pior avaliação na largada de um mandato inicial, mostram os dados do Datafolha. Metade dos entrevistados diz que o governo fez menos do que poderia desde a posse.

Após repetidas tentativas de criar um bode expiatório com ataques à política de juros do Banco Central, não causa a menor surpresa que o pior desempenho de Lula esteja justamente na economia. As dificuldades estão se provando maiores do que as previstas antes da posse, e o comportamento de Lula é parte do problema. Nos primeiros três meses, ele não desceu do palanque, com apostas reiteradas na polarização.

Até o anúncio do marco fiscal na semana passada, de concreto o Planalto só havia repaginado programas lançados pelo PT em administrações anteriores. É pouco para quem diz querer fazer o melhor governo e teve bastante tempo para se preparar. E, obviamente, é insuficiente diante dos imensos desafios do país.

Há tempo para mudar de rumo, e os brasileiros anseiam por uma virada. Metade dos entrevistados acha que Lula cumprirá parte das promessas de campanha e 28% acreditam que entregará a maioria. Contudo, para que isso aconteça, é urgente a formação de um bloco sólido no Congresso. No sistema político brasileiro, presidentes são eleitos sem maioria no Parlamento. A criação de coalizões é o ponto de partida necessário.

Surpreendentemente para quem já governou o país, Lula tem sido lento nisso. É preciso reconhecer que as lideranças do Congresso ganharam poder no governo Bolsonaro, e a tarefa ficou mais complicada. A volúpia de parlamentares por cargos e benesses em troca de apoio não parece ter fim. Seguindo o velho expediente de criar dificuldades para vender facilidades, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), interditou a pauta parlamentar ao criar uma disputa regimental com o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mas nada disso é inesperado.

Nem o próprio governo está minimamente coeso. Relatos de disputas internas entre ministros e figuras de relevo no PT são corriqueiras desde 1º de janeiro. Ao contrário de Dilma Rousseff, que agia como se soubesse de tudo, Lula parece gostar de ver seus auxiliares se digladiarem para assumir o papel de árbitro. Na teoria, essa postura permite uma decisão com mais chance de dar certo, por abrir espaço ao contraditório. Na prática, transmite a impressão de falta de rumo e dá margem a ataques fratricidas e improdutivos.

Lidos com a devida dose de serenidade e humildade, os resultados da pesquisa Datafolha poderão servir para corrigir os erros dos cem primeiros dias. Lula tem diante de si uma agenda vigorosa, com reformas fiscal e tributária, além de programas robustos em áreas como saúde, educação ou meio ambiente. Apresentar índices de reprovação comparáveis aos de Bolsonaro, que se esmerou desde o início em dividir os brasileiros, deveria fornecer combustível suficiente para uma profunda reflexão dentro do Palácio do Planalto.

Voos que lotam Santos Dumont deveriam migrar para o Galeão

O Globo

Enquanto aeroporto doméstico opera bem acima da capacidade, terminal internacional foi esvaziado

Fica a cada dia mais evidente que o Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio, tem operado acima da capacidade, prejudicando passageiros, companhias aéreas e o transporte aeroportuário da segunda maior cidade do Brasil. Projetado para receber no máximo 9,9 milhões de passageiros na atual configuração, o terminal registrou 10,2 milhões em 2022, número que deverá subir com a retomada depois do baque da pandemia.

Como mostrou reportagem do GLOBO, a saturação se reflete em filas, falta de pontualidade e cancelamentos. Na ponte aérea Rio-São Paulo, atrasos nos dois primeiros meses do ano chegaram a 29% nos voos partindo do Santos Dumont (no mesmo período do ano passado, representavam 6,9%). Com a propagação, o problema se repete no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde os atrasos alcançaram 27%.

O Santos Dumont não pode ser tratado como caso isolado. Nos últimos anos, o terminal doméstico cresceu demais, enquanto o Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão foi gradativamente esvaziado. Não faz sentido, pois os dois deveriam funcionar de forma complementar, como noutras cidades. Infelizmente, as decisões tomadas ultimamente só têm feito acentuar um desequilíbrio que não favorece ninguém.

O ideal seria o governo promover a concessão dos dois aeroportos, aproveitando a nova licitação para corrigir erros e reequilibrar o sistema com regras que respeitem a complementariedade. Lamentavelmente, o Ministério de Portos e Aeroportos toma o caminho errado. Primeiro, com a ideia estapafúrdia de licitar o Galeão com o deficitário Aeroporto de Resende, para permitir que a atual concessionária, Changi, participe do certame (a decisão poderia suscitar questionamentos jurídicos). Depois, desistindo da concessão do Santos Dumont, prevista no governo Jair Bolsonaro, para mantê-lo sob gestão da Infraero.

Independentemente do caminho a seguir, o governo precisa mexer desde já na distribuição de voos entre Galeão e Santos Dumont. Do contrário eles se tornarão inviáveis: um esvaziado, prejudicando a economia e o turismo do Rio, o outro saturado, impondo atrasos, filas e desconforto aos passageiros. A permanecer a atual situação, o Galeão não terá futuro. Companhias aéreas o abandonarão, como já vem acontecendo. É fundamental que ele retome os voos longos regionais que saíram de lá para se tornar um centro de conexões, recuperando terreno perdido para terminais em Fortaleza, Campinas ou Brasília.

Ao mesmo tempo, é essencial reduzir os voos no Santos Dumont, promovendo uma redistribuição entre os dois aeroportos. O terminal doméstico não tem capacidade para atender ao movimento que lhe impuseram, situação que pode ser constatada diariamente. Ele precisa voltar a ser o que era, com um raio-limite para alcance dos voos. Cada aeroporto tem sua vocação, e ela precisa ser respeitada. As dúvidas sobre o que o governo fará com o Santos Dumont e o Galeão não eliminam uma certeza: do jeito como está não pode ficar.

Alerta na educação

Folha de S. Paulo

Suspensão do Enem reformulado para o novo ensino médio carece de justificativa

O compromisso do Estado brasileiro com a educação de crianças e adolescentes requer que as políticas aprovadas pelo Congresso Nacional sejam implementadas pelo Executivo com previsibilidade.

Quando se colocam gerações inteiras de jovens numa nova trilha curricular, instando as 27 unidades federativas a adaptarem as suas redes de escolas e professores, supõe-se que as regras não serão alteradas no meio do caminho.

Não é o que, se depender do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai ocorrer com a reforma aprovada em 2017 do ensino médio, etapa que tipicamente atende alunos de 15 a 17 anos. Entre outras intervenções ainda não oficializadas, o Planalto quer suspender a realização, em 2024, do Exame Nacional do Ensino Médio reformulado para amoldar-se ao novo programa.

Inauguraram o currículo quase 3 milhões de adolescentes que em 2022 se matricularam no primeiro ano do ensino médio, 85% deles nas redes públicas estaduais. Prestes a concluir metade da jornada sob a nova orientação, são agora avisados de que o Enem na conclusão do ciclo de três anos não se adaptará ao que, afinal, estão estudando.

Não está clara a razão para esse choque nas expectativas de escolas, alunos e professores. O ministro da Educação, Camilo Santana (PT), diz que congelar a implantação do novo ensino médio dará tempo para que um grupo de trabalho finalize a avaliação do programa e proponha alterações.

Faz pouco sentido anunciar o cancelamento da prova adaptada antes de a comissão chegar às conclusões. A explicação plausível é a de que prevaleceu na decisão o afago ao esquerdismo inconsequente e ao corporativismo sindical.

Ajustes na reforma tal como vem sendo praticada são sem dúvida necessários. Abriu-se além do que redes escolares conseguem oferecer com qualidade o leque de opções aos alunos, que agora podem escolher 40% da carga letiva de acordo com suas preferências pessoais.

Mas esse parece ser um problema mais de organização e preparo de alguns Estados do que um defeito na concepção da reforma a exigir impugnação federal. Facultar que jovens na transição para a vida adulta definam uma parte do currículo, num cardápio que inclui trilhas profissionalizantes, reflete as melhores práticas internacionais.

Corrobora essa impressão o fato de todos os secretários estaduais de Educação publicarem nota conjunta contrária à suspensão do Enem reformado. Espera-se que o governo federal reveja sua posição ou no mínimo a justifique melhor.

O Brasil já deveria ter superado o mau hábito de arriscar a formação de milhões de estudantes, tratando-os como cobaias, com base em ideologias de botequim.

Política à brasileira

Folha de S. Paulo

Há diferentes meios para a negociação de cargos e verbas, reprovada no Datafolha

É forte na sociedade a rejeição às negociações de cargos e verbas por parte do governo em troca de apoio no Congresso, que estão entre as características mais marcantes do presidencialismo brasileiro.

Os presidentes mais à direita eleitos desde a redemocratização, Fernando Collor e Jair Bolsonaro (PL), exploraram mais a fundo esse sentimento. Ambos iniciaram seus governos cortando ministérios e evitando nomeações políticas, mas acabaram se rendendo ao fisiologismo para proteger seus mandatos —o primeiro, sem sucesso.

À esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez lá seus ataques às barganhas e conchavos brasilienses durante as campanhas eleitorais, mas nunca tentou governar sem coalizões ampliadas. Em seus dois primeiros mandatos, colecionou não poucos escândalos relacionados à cooptação de partidos.

Não surpreende, nesse contexto, que 61% dos brasileiros aptos a votar considerem que Lula age mal ao distribuir postos na Esplanada e recursos do Orçamento para aprovar projetos no Congresso, como apurou pesquisa do Datafolha.

Em boa medida, no entanto, o petista faz o inevitável —o que não quer dizer que inexistam maneiras melhores e piores de fazê-lo.

Inevitável porque, dada a fragmentação do quadro partidário nacional, nenhuma força política chega perto de conseguir maioria nas duas Casas legislativas. O PT, por exemplo, tem apenas 68 dos 513 deputados (13,6% do total) e 8 dos 81 senadores (9,9%).

Tudo o que Bolsonaro conseguiu com a tentativa de ignorar a "velha política" foram recordes de medidas provisórias rejeitadas e vetos derrubados. Quando por fim decidiu aliar-se ao centrão, seu desgaste político provavelmente implicou custos mais altos, em cargos, verbas e poderes, para a aliança.

Reformas já em curso para incentivar a redução do número de siglas no Legislativo, como a cláusula de desempenho, tendem a facilitar a governabilidade a longo prazo. Enquanto isso, cumpre buscar os meios mais republicanos e eficientes de formar coalizões.

A experiência indica ser melhor firmar entendimentos em torno de programas de governo, compartilhando de fato decisões e resultados com os aliados, em vez de simplesmente distribuir pastas periféricas e procurar apoios no varejo.

Mais fácil falar do que pôr em prática, decerto. No caso de Lula, nem mesmo estão claros até aqui os rumos que pretende dar ao governo.

Crédito mais difícil e mais caro

O Estado de S. Paulo.

Juros pioram cenário de crédito e ampliam pressão sobre BC. Controlar a inflação, porém, é maior contribuição que o banco pode dar para o crescimento econômico sustentável do País

O volume de empréstimos concedidos por instituições financeiras para empresas caiu 8,6% em fevereiro na comparação com janeiro, para R$ 166 bilhões. De acordo com dados divulgados pelo Banco Central (BC), também houve recuo nas concessões para pessoas físicas, quadro que confirma maior rigidez por parte dos bancos na avaliação e na aprovação das propostas.

Há uma conjunção de fatores a explicar esse comportamento. A fraude bilionária na Americanas, empresa que tinha excelente nota de crédito entre as agências classificadoras de risco, elevou a cautela das instituições financeiras. No exterior, a crise bancária nos Estados Unidos e na Europa ampliou as incertezas em relação à desaceleração da economia mundial, mas isso não foi suficiente para convencer os países a reverem suas políticas monetárias. No Brasil, por sua vez, o Banco Central manteve a Selic em 13,75%.

Para o mercado de crédito, o resultado dessa combinação não poderia ser diferente. Os financiamentos não apenas secaram, como estão muito mais caros – e não há sinais de que isso mudará tão cedo. Para algumas empresas, a situação é ainda mais desafiadora. Quem sobreviveu aos efeitos da pandemia tem tido dificuldades para rolar dívidas contraídas no auge do surto de covid-19, quando os juros estavam em um patamar muito mais baixo.

Longe de ser uma situação que envolve um setor em específico, trata-se de um problema que afeta empresas de forma geral. Como mostrou o Estadão, a Gol trocou títulos que venciam em 2024 e 2026, com taxas entre 3,75% e 8%, por papéis com vencimento em 2028 e juros de 18%. Quem não consegue rolar as dívidas tem apelado a recuperações judiciais ou extrajudiciais. Ao todo, 195 companhias pediram proteção da Justiça para renegociar suas dívidas, um aumento de 60% em relação aos dois primeiros meses de 2022 – e a previsão é que essa tendência se mantenha ao longo do ano todo.

Entre as pessoas físicas, a conjuntura tampouco tem sido mais favorável. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 65,45 milhões de consumidores estavam com o nome sujo na praça em fevereiro – ou quatro em cada dez adultos. Outros indicadores, como a produção industrial, as vendas do comércio, a confiança do consumidor e o comportamento do mercado de trabalho, reforçam a percepção sobre a desaceleração da economia, condição necessária para conter a inflação, que ainda permanece muito alta no setor de serviços.

Nesse contexto, o presidente Lula da Silva reforçou os ataques ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. Ele não está solitário nessas críticas. Segundo pesquisa Datafolha realizada no fim de março, 71% dos brasileiros acham que a taxa de juros está mais alta do que deveria, e 80% dos consultados consideram que Lula age bem ao pressionar o BC a reduzi-la. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ter a impressão de que o Banco Central tem subestimado a gravidade da situação do mercado de crédito e no mercado de capitais, bem como suas consequências na economia real.

Embora tenha reconhecido que o cenário se tornou mais adverso desde o episódio da Americanas, o Banco Central tem feito um esforço por uma comunicação clara a respeito dos riscos que leva em conta na tomada de suas decisões. Além de ter descartado uma crise generalizada de crédito no curto prazo, a instituição reiterou seu compromisso com as metas de inflação, o que é incompatível, ao menos neste momento, com uma eventual redução da taxa básica de juros.

Em meio a tantas incertezas, é função do BC monitorar e avaliar esses riscos com muito cuidado. Mas, a despeito das pressões, a instituição não pode esquecer que a manutenção do poder de compra da moeda é sua principal missão e, também, a maior contribuição que tem a dar para conduzir o País a um crescimento econômico estável e duradouro. Somente isso pode proporcionar um ambiente com condições de crédito mais baratas e sustentáveis, não apenas para as empresas, como também para a própria população.

As agruras do ‘companheiro’ Fernández

O Estado de S. Paulo.

Diante do agravamento da crise econômica na Argentina, um dos principais parceiros do País, Lula deve dar apoio, mas o interesse nacional tem de estar acima de afinidades ideológicas

O governo brasileiro precisa reagir com cautela ao agravamento da crise econômica da Argentina, que continua sendo um parceiro comercial importante. O ideal seria demonstrar solidariedade aos nossos vizinhos, oferecendo, por exemplo, apoio diplomático nas complexas tratativas com credores internacionais. É possível, porém, que o governo do presidente Lula da Silva se sinta tentado a recorrer a medidas excepcionais para ajudar o país governado pelo “companheiro” Alberto Fernández e pela vice Cristina Kirchner, ainda mais em um ano eleitoral, em que imperam dúvidas sobre quais serão os candidatos e sobre a possibilidade de ser eleito um postulante mais à esquerda. Mas adotar providências que fujam das regras ou sejam aprovadas sem estudos detalhados e aprofundados deveria ser evitado a todo custo.

A criação de uma moeda comum para negociações comerciais entre os dois países, hipótese que voltou a ser lembrada durante a visita do presidente Lula a Buenos Aires, em janeiro, é uma dessas medidas que poderiam ser apressadas numa tentativa – equivocada – de socorrer os argentinos, já que um dos seus principais problemas é o baixo nível das suas reservas internacionais. Qualquer providência para criar uma moeda comum deveria ser cercada dos maiores cuidados e de análises sobre o impacto na balança comercial bilateral. Apesar das suas dificuldades políticas e econômicas, a Argentina continua sendo o terceiro maior parceiro comercial do país e são muito relevantes para as montadoras as exportações e importações de veículos e de peças automotivas. No ano passado, o Brasil teve um superávit de US$ 2 bilhões no comércio bilateral.

Brasília também poderia cair na tentação de buscar, como no passado recente, um programa de financiamento para exportação de serviços. Segundo o BNDES, que bancou essas operações de crédito, entre 1998 e 2017 foram desembolsados cerca de US$ 10,5 bilhões – e 89% desses recursos foram destinados a apenas seis países, entre eles a Argentina, a segunda maior tomadora, só perdendo para Angola. Adicionalmente, em 2003, foram reduzidas as taxas de juros desses empréstimos para quatro países da América Latina, incluindo as operações com os argentinos. Também nesse caso, recomenda-se cautela.

A lista de problemas argentinos é longa. O mais evidente é a aceleração do processo inflacionário. É certo que o mundo vive uma fase de aumento dos custos de produção e ao consumidor, mas o processo é muito mais grave na Argentina, onde em fevereiro a alta dos preços superou 100% pela primeira vez desde o distante ano de 1991. Em 12 meses, o índice foi de 102,5%; um ano antes, estava em 52,3%. A taxa de desemprego não é alta, ficando em 7%, mas muitos argentinos sobrevivem com salários muito baixos. Tanto que dados oficiais mostram que 19,7 milhões dos 45 milhões de argentinos são considerados pobres.

O que está sufocando a Argentina é a falta de divisas internacionais. Analistas que trabalham no setor privado calculam que as reservas líquidas do país, aquelas disponíveis de imediato, não ultrapassavam US$ 2 bilhões ao fim do primeiro trimestre deste ano. Em contrapartida, os argentinos mandaram para o exterior centenas de bilhões de dólares ao longo de anos para fugir das instabilidades econômicas. O próprio governo calcula que ainda existam US$ 300 bilhões aplicados pelos argentinos nos Estados Unidos.

As próprias autoridades econômicas da Argentina aparentemente só apostam em uma melhora no cenário em alguns anos. Em uma entrevista ao Financial Times, em janeiro, o ministro da Economia, Sergio Massa, disse que quando ele assumiu seu posto, em agosto do ano passado, “entendemos que estávamos lidando com um paciente que estava em coma”, mas que hoje está “em cuidados intensivos”. E arrematou: “Temos que levá-lo para uma enfermaria e depois sair do hospital. Esse é o meu trabalho”.

O Brasil deve ajudar esse paciente a sair da UTI, pois se trata de um parceiro regional relevante, mas não será bemsucedido se, em nome de uma afinidade ideológica que nada tem a ver com os interesses brasileiros, der a ele drogas milagrosas que prometem curar sem sacrifícios e efeitos colaterais.

Dono da Louis Vuitton lidera lista dos mais ricos do mundo

O Estado de S. Paulo.

Alta do petróleo deve reavivar as ambições intervencionistas do governo, receita certa para o desastre

Na segunda-feira, o preço do petróleo deu um salto após a Opep+, o cartel de exportadores liderado pela Arábia Saudita, anunciar uma redução na sua produção de cerca de 1 milhão de barris por dia. O barril, que na semana passada operava abaixo de US$ 80, chegou a US$ 84,93.

A estratégia de sustentação de preços impactará no curto prazo a pressão inflacionária global, dificultando a redução dos juros. Mas, a médio prazo, o comportamento dos preços é incerto. O aumento dos estoques nos EUA, o crescimento modesto da China e os riscos de recessão global podem pressionar os preços para baixo.

Como todos os países, o Brasil enfrentará a pressão de curto prazo e a volatilidade que se desenha a médio prazo. Mas, aqui, há um adicional de incerteza. O presidente Lula da Silva falou diversas vezes em “abrasileirar” os preços dos combustíveis. Até o momento, a baixa dos preços internacionais deixava a Petrobras numa situação confortável para prosseguir sua política de paridade ao mercado internacional. A depender das oscilações nas próximas semanas, essa política sofrerá um teste de estresse – de novo.

Não é preciso recuar ao desastre épico do Plano Cruzado, nos anos 80, para tirar as lições de políticas de controle artificial de preços. As manobras de Dilma Rousseff para forçar a Petrobras a subsidiar preços dos combustíveis para controlar a inflação não só falharam em seu intento, como precipitaram um prejuízo recorde que só foi revertido quando, a partir da gestão Temer, a empresa realinhou seus preços ao mercado e abriu mão de ativos que não faziam parte do negócio principal. Exatamente essas medidas se veem ameaçadas pelos acenos voluntaristas lulopetistas.

O Brasil é autossuficiente na produção de petróleo, mas não no abastecimento de combustíveis, porque a capacidade de refino é limitada e o País precisa exportar parte do petróleo que não consegue refinar e importar o que consegue, além de derivados como o diesel. Quando os preços são forçados abaixo do mercado, o preço da gasolina na bomba é aliviado, beneficiando seus maiores consumidores, as classes média e alta. Mas cai a rentabilidade na exportação, caem os lucros e com eles os dividendos do governo e a arrecadação, ou seja, receitas que podem ser investidas em políticas públicas, como educação e saúde. Cai também a margem de investimentos da empresa em projetos rentáveis, como o pré-sal, e nas inovações para se adaptar à transição energética. A falta de previsibilidade ainda dificulta a entrada de importadores e investidores privados.

Os prejuízos do intervencionismo acabam sendo pagos pelo principal acionista da Petrobras, a União, e, ao fim, por toda a sociedade. Que as leis da oferta e da procura não podem ser alteradas por decreto é uma lição que o governo petista já deveria ter aprendido. Oportunidades não faltaram. Se ele quer, como todos querem, aliviar os preços dos combustíveis, fará melhor em se concentrar em sua própria lição de casa: sanear as contas públicas para valorizar a moeda e reduzir os custos da importação. 

Esquerda pede anistia a construtoras da Lava-Jato

Valor Econômico

Se a ação for vitoriosa, e a tese da coação passar, abre-se o caminho ao inominável

A ação dos partidos que já foram da esquerda radical - Psol, PCdoB - e o Solidariedade ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão do pagamento de compensações pelas empresas envolvidas no maior escândalo de corrupção da história republicana é um marco no processo de degeneração dos partidos políticos brasileiros. A iniciativa jurídica tenta apagar da memória o único período em que empresas corruptoras e seus dirigentes tiveram o destino normal de suspeitos comuns de ladroagem comum - a cadeia - e faz parte de campanha para recompor o cenário de impunidade anterior aos crimes do petrolão, que, por sinal, não incriminou figuras relevantes dos partidos que impetraram a ação, exceto o Solidariedade.

Há meses, lobbies das empreiteiras levantaram a possibilidade de que as empresas envolvidas pleiteariam o reembolso daquilo que haviam pago pela corrupção provada em larga escala, com argumentos lógicos: todos têm de ser punidos igualmente, ou então, ninguém. Por guinadas imprevisíveis do STF, os políticos que receberam propinas para atender interesses dos corruptores livraram-se de punições, ou, o que dá quase no mesmo, seus processos foram enviados em massa para o Tribunal Superior Eleitoral, que não têm condições mínimas de investigar e julgar em massa esses casos.

As principais empresas envolvidas no escândalo, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Engevix concordaram em ressarcir R$ 8,1 bilhões em prestações durante um quarto de século. A J&F, holding da JBS, se comprometeu a pagar R$ 10 bilhões. Com a mudança dos ventos da Justiça, depois que se constataram abusos flagrantes dos procuradores e do juiz Sergio Moro, as companhias passaram a nutrir a esperança de se livrarem desse peso pecuniário.

O Supremo reviu seu entendimento em relação não só ao cabimento da prisão em segunda instância, como à jurisdição na qual o então ex-presidente Lula estava sendo julgado, após três anos para se chegar a uma conclusão trivial. A Lava-Jato chegou então a seu fim político, mas não jurídico.

É esse capítulo que, ironicamente, um grupo como o Psol, PCdoB e Solidariedade, da base governista, pretendem encerrar. O sinal verde foi dado pelo presidente Lula, ao afirmar que o objetivo da Lava-Jato foi orquestrado em conjunto com os EUA para destruir as melhores empresas nacionais, as construtoras, que financiaram a roubalheira do PT e de vários partidos, e que trouxeram, nessa versão fantasiosa, consequências nefastas para a economia nacional. O PT nunca assumiu que seus membros foram corrompidos, assim como Lula jamais explicou os mimos que recebeu das mesmas empreiteiras, rés confessas.

Psol e PCdoB instigam um processo que as próprias empreiteiras não tiveram desfaçatez para deslanchar. Mas seu alvo é certeiro. A ADPF visa suspender todas as penas pecuniárias estabelecidas pelos acordos de leniência e afastar “de uma vez por todas, a hermenêutica punitivista e inconstitucional do lavajatismo”. É pedido ao STF, que validou os acordos de leniência e lhes deu legalidade plena, que reconheça que tais acordos “ foram pactuados em situação de extrema anormalidade político-jurídico-institucional, mediante situação de coação e, portanto, sob um Estado de Coisas Inconstitucional”.

Como o próprio presidente da República argumentou, a vítima da punição da corrupção em larga escala foi a sociedade civil que “arcou, em última instância, com o efeito cascata da quebra generalizada de companhias estratégicas para a economia brasileira”.

Os partidos querem que a ação seja relatada pelo ministro Gilmar Mendes, que impediu que Lula assumisse cargo no governo Dilma e só passou a ser inimigo visceral da Lava-Jato quando descobriu que também estava sendo investigado ilegalmente por procuradores da operação.

De forma mais ampla, os partidos, entre eles o PT, patrocinam uma PEC com anistia de todas as irregularidades praticadas e que voltem a receber dinheiro de empresas “para quitar dívidas com fornecedores contraídas ou assumidas até agosto de 2015”, quando o financiamento empresarial foi proibido. A iniciativa, somada à revisão que se tenta da lei das estatais, permite que se volte ao status quo ante do petrolão. Se a ação for vitoriosa, e a tese da coação passar, abre-se o caminho ao inominável: as empresas terão base legal para arguir que têm direito a receber de volta o que pagaram por corromper políticos - talvez com juros e correção monetária.

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