Popularidade de Lula reflete início de governo errático
O Globo
Presidente apresenta avaliação negativa no
mesmo patamar de Bolsonaro no início de sua gestão
Perto de completar cem dias, o governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva é considerado por 29% dos brasileiros ruim
ou péssimo. É um percentual comparável ao apresentado por Jair Bolsonaro no
início de 2019. Desde a redemocratização, Lula e Bolsonaro são os presidentes
com a pior avaliação na largada de um mandato inicial, mostram os dados do
Datafolha. Metade dos entrevistados diz que o governo fez menos do que poderia
desde a posse.
Após repetidas tentativas de criar um bode
expiatório com ataques à política de juros do Banco Central, não causa a menor
surpresa que o pior desempenho de Lula esteja justamente na economia. As
dificuldades estão se provando maiores do que as previstas antes da posse, e o
comportamento de Lula é parte do problema. Nos primeiros três meses, ele não
desceu do palanque, com apostas reiteradas na polarização.
Até o anúncio do marco fiscal na semana passada, de concreto o Planalto só havia repaginado programas lançados pelo PT em administrações anteriores. É pouco para quem diz querer fazer o melhor governo e teve bastante tempo para se preparar. E, obviamente, é insuficiente diante dos imensos desafios do país.
Há tempo para mudar de rumo, e os
brasileiros anseiam por uma virada. Metade dos entrevistados acha que Lula
cumprirá parte das promessas de campanha e 28% acreditam que entregará a
maioria. Contudo, para que isso aconteça, é urgente a formação de um bloco
sólido no Congresso. No sistema político brasileiro, presidentes são eleitos
sem maioria no Parlamento. A criação de coalizões é o ponto de partida
necessário.
Surpreendentemente para quem já governou o
país, Lula tem sido lento nisso. É preciso reconhecer que as lideranças do
Congresso ganharam poder no governo Bolsonaro, e a tarefa ficou mais
complicada. A volúpia de parlamentares por cargos e benesses em troca de apoio
não parece ter fim. Seguindo o velho expediente de criar dificuldades para
vender facilidades, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), interditou a
pauta parlamentar ao criar uma disputa regimental com o do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG). Mas nada disso é inesperado.
Nem o próprio governo está minimamente
coeso. Relatos de disputas internas entre ministros e figuras de relevo no PT
são corriqueiras desde 1º de janeiro. Ao contrário de Dilma Rousseff, que agia
como se soubesse de tudo, Lula parece gostar de ver seus auxiliares se
digladiarem para assumir o papel de árbitro. Na teoria, essa postura permite
uma decisão com mais chance de dar certo, por abrir espaço ao contraditório. Na
prática, transmite a impressão de falta de rumo e dá margem a ataques
fratricidas e improdutivos.
Lidos com a devida dose de serenidade e
humildade, os resultados da pesquisa Datafolha poderão servir para corrigir os
erros dos cem primeiros dias. Lula tem diante de si uma agenda vigorosa, com
reformas fiscal e tributária, além de programas robustos em áreas como saúde,
educação ou meio ambiente. Apresentar índices de reprovação comparáveis aos de
Bolsonaro, que se esmerou desde o início em dividir os brasileiros, deveria
fornecer combustível suficiente para uma profunda reflexão dentro do Palácio do
Planalto.
Voos que lotam Santos Dumont deveriam
migrar para o Galeão
O Globo
Enquanto aeroporto doméstico opera bem
acima da capacidade, terminal internacional foi esvaziado
Fica a cada dia mais evidente que o
Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio, tem operado acima da capacidade,
prejudicando passageiros, companhias aéreas e o transporte aeroportuário da
segunda maior cidade do Brasil. Projetado para receber no máximo 9,9 milhões de
passageiros na atual configuração, o terminal registrou 10,2 milhões em 2022,
número que deverá subir com a retomada depois do baque da pandemia.
Como mostrou reportagem do GLOBO, a
saturação se reflete em filas, falta de pontualidade e cancelamentos. Na ponte
aérea Rio-São Paulo, atrasos nos dois primeiros meses do ano chegaram a 29% nos
voos partindo do Santos Dumont (no mesmo período do ano passado, representavam
6,9%). Com a propagação, o problema se repete no Aeroporto de Congonhas, em São
Paulo, onde os atrasos alcançaram 27%.
O Santos Dumont não pode ser tratado como
caso isolado. Nos últimos anos, o terminal doméstico cresceu demais, enquanto o
Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão foi gradativamente esvaziado. Não faz
sentido, pois os dois deveriam funcionar de forma complementar, como noutras
cidades. Infelizmente, as decisões tomadas ultimamente só têm feito acentuar um
desequilíbrio que não favorece ninguém.
O ideal seria o governo promover a
concessão dos dois aeroportos, aproveitando a nova licitação para corrigir
erros e reequilibrar o sistema com regras que respeitem a complementariedade.
Lamentavelmente, o Ministério de Portos e Aeroportos toma o caminho errado.
Primeiro, com a ideia estapafúrdia de licitar o Galeão com o deficitário
Aeroporto de Resende, para permitir que a atual concessionária, Changi,
participe do certame (a decisão poderia suscitar questionamentos jurídicos).
Depois, desistindo da concessão do Santos Dumont, prevista no governo Jair
Bolsonaro, para mantê-lo sob gestão da Infraero.
Independentemente do caminho a seguir, o
governo precisa mexer desde já na distribuição de voos entre Galeão e Santos
Dumont. Do contrário eles se tornarão inviáveis: um esvaziado, prejudicando a
economia e o turismo do Rio, o outro saturado, impondo atrasos, filas e
desconforto aos passageiros. A permanecer a atual situação, o Galeão não terá
futuro. Companhias aéreas o abandonarão, como já vem acontecendo. É fundamental
que ele retome os voos longos regionais que saíram de lá para se tornar um
centro de conexões, recuperando terreno perdido para terminais em Fortaleza,
Campinas ou Brasília.
Ao mesmo tempo, é essencial reduzir os voos no Santos Dumont, promovendo uma redistribuição entre os dois aeroportos. O terminal doméstico não tem capacidade para atender ao movimento que lhe impuseram, situação que pode ser constatada diariamente. Ele precisa voltar a ser o que era, com um raio-limite para alcance dos voos. Cada aeroporto tem sua vocação, e ela precisa ser respeitada. As dúvidas sobre o que o governo fará com o Santos Dumont e o Galeão não eliminam uma certeza: do jeito como está não pode ficar.
Alerta na educação
Folha de S. Paulo
Suspensão do Enem reformulado para o novo
ensino médio carece de justificativa
O compromisso do Estado brasileiro com a
educação de crianças e adolescentes requer que as políticas aprovadas pelo
Congresso Nacional sejam implementadas pelo Executivo com previsibilidade.
Quando se colocam gerações inteiras de
jovens numa nova trilha curricular, instando as 27 unidades federativas a
adaptarem as suas redes de escolas e professores, supõe-se que as regras não
serão alteradas no meio do caminho.
Não é o que, se depender do governo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), vai ocorrer com a reforma aprovada em 2017 do ensino
médio, etapa que tipicamente atende alunos de 15 a 17 anos. Entre outras
intervenções ainda não oficializadas, o Planalto quer suspender a
realização, em 2024, do Exame Nacional do Ensino Médio reformulado para
amoldar-se ao novo programa.
Inauguraram o currículo quase 3 milhões de
adolescentes que em 2022 se matricularam no primeiro ano do ensino médio, 85%
deles nas redes públicas estaduais. Prestes a concluir metade da jornada sob a
nova orientação, são agora avisados de que o Enem na conclusão do ciclo de três
anos não se adaptará ao que, afinal, estão estudando.
Não está clara a razão para esse choque nas
expectativas de escolas, alunos e professores. O ministro da Educação, Camilo
Santana (PT), diz que congelar a
implantação do novo ensino médio dará tempo para que um grupo
de trabalho finalize a avaliação do programa e proponha alterações.
Faz pouco sentido anunciar o cancelamento
da prova adaptada antes de a comissão chegar às conclusões. A explicação
plausível é a de que prevaleceu na decisão o afago ao esquerdismo inconsequente
e ao corporativismo sindical.
Ajustes na reforma tal como vem sendo
praticada são sem dúvida necessários. Abriu-se além do que redes escolares
conseguem oferecer com qualidade o leque de opções aos alunos, que agora podem
escolher 40% da carga letiva de acordo com suas preferências pessoais.
Mas esse parece ser um problema mais de
organização e preparo de alguns Estados do que um defeito na concepção da
reforma a exigir impugnação federal. Facultar que jovens na transição para a
vida adulta definam uma parte do currículo, num cardápio que inclui trilhas
profissionalizantes, reflete as melhores práticas internacionais.
Corrobora essa impressão o fato de todos os
secretários estaduais de Educação publicarem nota conjunta
contrária à suspensão do Enem reformado. Espera-se que o governo
federal reveja sua posição ou no mínimo a justifique melhor.
O Brasil já deveria ter superado o mau
hábito de arriscar a formação de milhões de estudantes, tratando-os como
cobaias, com base em ideologias de botequim.
Política à brasileira
Folha de S. Paulo
Há diferentes meios para a negociação de
cargos e verbas, reprovada no Datafolha
É forte na sociedade a rejeição às
negociações de cargos e verbas por parte do governo em troca de apoio no
Congresso, que estão entre as características mais marcantes do
presidencialismo brasileiro.
Os presidentes mais à direita eleitos desde
a redemocratização, Fernando Collor e Jair Bolsonaro (PL), exploraram mais a
fundo esse sentimento. Ambos iniciaram seus governos cortando ministérios e
evitando nomeações políticas, mas acabaram se rendendo ao fisiologismo para
proteger seus mandatos —o primeiro, sem sucesso.
À esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
fez lá seus ataques às barganhas e conchavos brasilienses durante as campanhas
eleitorais, mas nunca tentou governar sem coalizões ampliadas. Em seus dois
primeiros mandatos, colecionou não poucos escândalos relacionados à cooptação
de partidos.
Não surpreende, nesse contexto, que 61% dos
brasileiros aptos a votar considerem que Lula age mal ao distribuir postos na
Esplanada e recursos do Orçamento para aprovar projetos no Congresso, como
apurou pesquisa do Datafolha.
Em boa medida, no entanto, o petista faz o
inevitável —o que não quer dizer que inexistam maneiras melhores e piores de
fazê-lo.
Inevitável porque, dada a fragmentação do
quadro partidário nacional, nenhuma força política chega perto de conseguir
maioria nas duas Casas legislativas. O PT, por exemplo, tem apenas 68 dos 513
deputados (13,6% do total) e 8 dos 81 senadores (9,9%).
Tudo o que Bolsonaro conseguiu com a
tentativa de ignorar a "velha política" foram recordes de medidas
provisórias rejeitadas e vetos derrubados. Quando por fim decidiu aliar-se ao
centrão, seu desgaste político provavelmente implicou custos mais altos, em
cargos, verbas e poderes, para a aliança.
Reformas já em curso para incentivar a
redução do número de siglas no Legislativo, como a cláusula de desempenho,
tendem a facilitar a governabilidade a longo prazo. Enquanto isso, cumpre
buscar os meios mais republicanos e eficientes de formar coalizões.
A experiência indica ser melhor firmar
entendimentos em torno de programas de governo, compartilhando de fato decisões
e resultados com os aliados, em vez de simplesmente distribuir pastas
periféricas e procurar apoios no varejo.
Mais fácil falar do que pôr em prática,
decerto. No caso de Lula, nem mesmo estão claros até aqui os rumos que pretende
dar ao governo.
Crédito mais difícil e mais caro
O Estado de S. Paulo.
Juros pioram cenário de crédito e ampliam
pressão sobre BC. Controlar a inflação, porém, é maior contribuição que o banco
pode dar para o crescimento econômico sustentável do País
O volume de empréstimos concedidos por
instituições financeiras para empresas caiu 8,6% em fevereiro na comparação com
janeiro, para R$ 166 bilhões. De acordo com dados divulgados pelo Banco Central
(BC), também houve recuo nas concessões para pessoas físicas, quadro que
confirma maior rigidez por parte dos bancos na avaliação e na aprovação das
propostas.
Há uma conjunção de fatores a explicar esse
comportamento. A fraude bilionária na Americanas, empresa que tinha excelente nota
de crédito entre as agências classificadoras de risco, elevou a cautela das
instituições financeiras. No exterior, a crise bancária nos Estados Unidos e na
Europa ampliou as incertezas em relação à desaceleração da economia mundial,
mas isso não foi suficiente para convencer os países a reverem suas políticas
monetárias. No Brasil, por sua vez, o Banco Central manteve a Selic em 13,75%.
Para o mercado de crédito, o resultado
dessa combinação não poderia ser diferente. Os financiamentos não apenas secaram,
como estão muito mais caros – e não há sinais de que isso mudará tão cedo. Para
algumas empresas, a situação é ainda mais desafiadora. Quem sobreviveu aos
efeitos da pandemia tem tido dificuldades para rolar dívidas contraídas no auge
do surto de covid-19, quando os juros estavam em um patamar muito mais baixo.
Longe de ser uma situação que envolve um
setor em específico, trata-se de um problema que afeta empresas de forma geral.
Como mostrou o Estadão, a Gol trocou títulos que venciam em 2024 e 2026, com
taxas entre 3,75% e 8%, por papéis com vencimento em 2028 e juros de 18%. Quem
não consegue rolar as dívidas tem apelado a recuperações judiciais ou
extrajudiciais. Ao todo, 195 companhias pediram proteção da Justiça para
renegociar suas dívidas, um aumento de 60% em relação aos dois primeiros meses
de 2022 – e a previsão é que essa tendência se mantenha ao longo do ano todo.
Entre as pessoas físicas, a conjuntura
tampouco tem sido mais favorável. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes
Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 65,45 milhões
de consumidores estavam com o nome sujo na praça em fevereiro – ou quatro em
cada dez adultos. Outros indicadores, como a produção industrial, as vendas do
comércio, a confiança do consumidor e o comportamento do mercado de trabalho,
reforçam a percepção sobre a desaceleração da economia, condição necessária
para conter a inflação, que ainda permanece muito alta no setor de serviços.
Nesse contexto, o presidente Lula da Silva
reforçou os ataques ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. Ele não está
solitário nessas críticas. Segundo pesquisa Datafolha realizada no fim de
março, 71% dos brasileiros acham que a taxa de juros está mais alta do que
deveria, e 80% dos consultados consideram que Lula age bem ao pressionar o BC a
reduzi-la. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ter a impressão de
que o Banco Central tem subestimado a gravidade da situação do mercado de
crédito e no mercado de capitais, bem como suas consequências na economia real.
Embora tenha reconhecido que o cenário se
tornou mais adverso desde o episódio da Americanas, o Banco Central tem feito
um esforço por uma comunicação clara a respeito dos riscos que leva em conta na
tomada de suas decisões. Além de ter descartado uma crise generalizada de
crédito no curto prazo, a instituição reiterou seu compromisso com as metas de
inflação, o que é incompatível, ao menos neste momento, com uma eventual
redução da taxa básica de juros.
Em meio a tantas incertezas, é função do BC
monitorar e avaliar esses riscos com muito cuidado. Mas, a despeito das
pressões, a instituição não pode esquecer que a manutenção do poder de compra
da moeda é sua principal missão e, também, a maior contribuição que tem a dar
para conduzir o País a um crescimento econômico estável e duradouro. Somente
isso pode proporcionar um ambiente com condições de crédito mais baratas e
sustentáveis, não apenas para as empresas, como também para a própria
população.
As agruras do ‘companheiro’ Fernández
O Estado de S. Paulo.
Diante do agravamento da crise econômica na
Argentina, um dos principais parceiros do País, Lula deve dar apoio, mas o
interesse nacional tem de estar acima de afinidades ideológicas
O governo brasileiro precisa reagir com
cautela ao agravamento da crise econômica da Argentina, que continua sendo um
parceiro comercial importante. O ideal seria demonstrar solidariedade aos
nossos vizinhos, oferecendo, por exemplo, apoio diplomático nas complexas
tratativas com credores internacionais. É possível, porém, que o governo do
presidente Lula da Silva se sinta tentado a recorrer a medidas excepcionais
para ajudar o país governado pelo “companheiro” Alberto Fernández e pela vice
Cristina Kirchner, ainda mais em um ano eleitoral, em que imperam dúvidas sobre
quais serão os candidatos e sobre a possibilidade de ser eleito um postulante
mais à esquerda. Mas adotar providências que fujam das regras ou sejam
aprovadas sem estudos detalhados e aprofundados deveria ser evitado a todo
custo.
A criação de uma moeda comum para
negociações comerciais entre os dois países, hipótese que voltou a ser lembrada
durante a visita do presidente Lula a Buenos Aires, em janeiro, é uma dessas
medidas que poderiam ser apressadas numa tentativa – equivocada – de socorrer
os argentinos, já que um dos seus principais problemas é o baixo nível das suas
reservas internacionais. Qualquer providência para criar uma moeda comum
deveria ser cercada dos maiores cuidados e de análises sobre o impacto na
balança comercial bilateral. Apesar das suas dificuldades políticas e
econômicas, a Argentina continua sendo o terceiro maior parceiro comercial do
país e são muito relevantes para as montadoras as exportações e importações de
veículos e de peças automotivas. No ano passado, o Brasil teve um superávit de
US$ 2 bilhões no comércio bilateral.
Brasília também poderia cair na tentação de
buscar, como no passado recente, um programa de financiamento para exportação
de serviços. Segundo o BNDES, que bancou essas operações de crédito, entre 1998
e 2017 foram desembolsados cerca de US$ 10,5 bilhões – e 89% desses recursos
foram destinados a apenas seis países, entre eles a Argentina, a segunda maior
tomadora, só perdendo para Angola. Adicionalmente, em 2003, foram reduzidas as
taxas de juros desses empréstimos para quatro países da América Latina,
incluindo as operações com os argentinos. Também nesse caso, recomenda-se
cautela.
A lista de problemas argentinos é longa. O
mais evidente é a aceleração do processo inflacionário. É certo que o mundo
vive uma fase de aumento dos custos de produção e ao consumidor, mas o processo
é muito mais grave na Argentina, onde em fevereiro a alta dos preços superou
100% pela primeira vez desde o distante ano de 1991. Em 12 meses, o índice foi
de 102,5%; um ano antes, estava em 52,3%. A taxa de desemprego não é alta,
ficando em 7%, mas muitos argentinos sobrevivem com salários muito baixos.
Tanto que dados oficiais mostram que 19,7 milhões dos 45 milhões de argentinos
são considerados pobres.
O que está sufocando a Argentina é a falta
de divisas internacionais. Analistas que trabalham no setor privado calculam
que as reservas líquidas do país, aquelas disponíveis de imediato, não
ultrapassavam US$ 2 bilhões ao fim do primeiro trimestre deste ano. Em
contrapartida, os argentinos mandaram para o exterior centenas de bilhões de
dólares ao longo de anos para fugir das instabilidades econômicas. O próprio
governo calcula que ainda existam US$ 300 bilhões aplicados pelos argentinos
nos Estados Unidos.
As próprias autoridades econômicas da
Argentina aparentemente só apostam em uma melhora no cenário em alguns anos. Em
uma entrevista ao Financial Times, em janeiro, o ministro da Economia, Sergio
Massa, disse que quando ele assumiu seu posto, em agosto do ano passado,
“entendemos que estávamos lidando com um paciente que estava em coma”, mas que
hoje está “em cuidados intensivos”. E arrematou: “Temos que levá-lo para uma
enfermaria e depois sair do hospital. Esse é o meu trabalho”.
O Brasil deve ajudar esse paciente a sair
da UTI, pois se trata de um parceiro regional relevante, mas não será
bemsucedido se, em nome de uma afinidade ideológica que nada tem a ver com os
interesses brasileiros, der a ele drogas milagrosas que prometem curar sem
sacrifícios e efeitos colaterais.
Dono da Louis Vuitton lidera lista dos mais
ricos do mundo
O Estado de S. Paulo.
Alta do petróleo deve reavivar as ambições
intervencionistas do governo, receita certa para o desastre
Na segunda-feira, o preço do petróleo deu
um salto após a Opep+, o cartel de exportadores liderado pela Arábia Saudita,
anunciar uma redução na sua produção de cerca de 1 milhão de barris por dia. O
barril, que na semana passada operava abaixo de US$ 80, chegou a US$ 84,93.
A estratégia de sustentação de preços
impactará no curto prazo a pressão inflacionária global, dificultando a redução
dos juros. Mas, a médio prazo, o comportamento dos preços é incerto. O aumento
dos estoques nos EUA, o crescimento modesto da China e os riscos de recessão
global podem pressionar os preços para baixo.
Como todos os países, o Brasil enfrentará a
pressão de curto prazo e a volatilidade que se desenha a médio prazo. Mas,
aqui, há um adicional de incerteza. O presidente Lula da Silva falou diversas
vezes em “abrasileirar” os preços dos combustíveis. Até o momento, a baixa dos
preços internacionais deixava a Petrobras numa situação confortável para
prosseguir sua política de paridade ao mercado internacional. A depender das
oscilações nas próximas semanas, essa política sofrerá um teste de estresse –
de novo.
Não é preciso recuar ao desastre épico do
Plano Cruzado, nos anos 80, para tirar as lições de políticas de controle
artificial de preços. As manobras de Dilma Rousseff para forçar a Petrobras a
subsidiar preços dos combustíveis para controlar a inflação não só falharam em
seu intento, como precipitaram um prejuízo recorde que só foi revertido quando,
a partir da gestão Temer, a empresa realinhou seus preços ao mercado e abriu
mão de ativos que não faziam parte do negócio principal. Exatamente essas
medidas se veem ameaçadas pelos acenos voluntaristas lulopetistas.
O Brasil é autossuficiente na produção de
petróleo, mas não no abastecimento de combustíveis, porque a capacidade de
refino é limitada e o País precisa exportar parte do petróleo que não consegue
refinar e importar o que consegue, além de derivados como o diesel. Quando os
preços são forçados abaixo do mercado, o preço da gasolina na bomba é aliviado,
beneficiando seus maiores consumidores, as classes média e alta. Mas cai a
rentabilidade na exportação, caem os lucros e com eles os dividendos do governo
e a arrecadação, ou seja, receitas que podem ser investidas em políticas
públicas, como educação e saúde. Cai também a margem de investimentos da
empresa em projetos rentáveis, como o pré-sal, e nas inovações para se adaptar
à transição energética. A falta de previsibilidade ainda dificulta a entrada de
importadores e investidores privados.
Os prejuízos do intervencionismo acabam sendo pagos pelo principal acionista da Petrobras, a União, e, ao fim, por toda a sociedade. Que as leis da oferta e da procura não podem ser alteradas por decreto é uma lição que o governo petista já deveria ter aprendido. Oportunidades não faltaram. Se ele quer, como todos querem, aliviar os preços dos combustíveis, fará melhor em se concentrar em sua própria lição de casa: sanear as contas públicas para valorizar a moeda e reduzir os custos da importação.
Esquerda pede anistia a construtoras da
Lava-Jato
Valor Econômico
Se a ação for vitoriosa, e a tese da coação
passar, abre-se o caminho ao inominável
A ação dos partidos que já foram da
esquerda radical - Psol, PCdoB - e o Solidariedade ao Supremo Tribunal Federal
(STF) pedindo a suspensão do pagamento de compensações pelas empresas
envolvidas no maior escândalo de corrupção da história republicana é um marco
no processo de degeneração dos partidos políticos brasileiros. A iniciativa
jurídica tenta apagar da memória o único período em que empresas corruptoras e
seus dirigentes tiveram o destino normal de suspeitos comuns de ladroagem comum
- a cadeia - e faz parte de campanha para recompor o cenário de impunidade
anterior aos crimes do petrolão, que, por sinal, não incriminou figuras
relevantes dos partidos que impetraram a ação, exceto o Solidariedade.
Há meses, lobbies das empreiteiras
levantaram a possibilidade de que as empresas envolvidas pleiteariam o
reembolso daquilo que haviam pago pela corrupção provada em larga escala, com
argumentos lógicos: todos têm de ser punidos igualmente, ou então, ninguém. Por
guinadas imprevisíveis do STF, os políticos que receberam propinas para atender
interesses dos corruptores livraram-se de punições, ou, o que dá quase no
mesmo, seus processos foram enviados em massa para o Tribunal Superior
Eleitoral, que não têm condições mínimas de investigar e julgar em massa esses
casos.
As principais empresas envolvidas no
escândalo, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão,
Engevix concordaram em ressarcir R$ 8,1 bilhões em prestações durante um quarto
de século. A J&F, holding da JBS, se comprometeu a pagar R$ 10 bilhões. Com
a mudança dos ventos da Justiça, depois que se constataram abusos flagrantes
dos procuradores e do juiz Sergio Moro, as companhias passaram a nutrir a
esperança de se livrarem desse peso pecuniário.
O Supremo reviu seu entendimento em relação
não só ao cabimento da prisão em segunda instância, como à jurisdição na qual o
então ex-presidente Lula estava sendo julgado, após três anos para se chegar a
uma conclusão trivial. A Lava-Jato chegou então a seu fim político, mas não
jurídico.
É esse capítulo que, ironicamente, um grupo
como o Psol, PCdoB e Solidariedade, da base governista, pretendem encerrar. O sinal
verde foi dado pelo presidente Lula, ao afirmar que o objetivo da Lava-Jato foi
orquestrado em conjunto com os EUA para destruir as melhores empresas
nacionais, as construtoras, que financiaram a roubalheira do PT e de vários
partidos, e que trouxeram, nessa versão fantasiosa, consequências nefastas para
a economia nacional. O PT nunca assumiu que seus membros foram corrompidos,
assim como Lula jamais explicou os mimos que recebeu das mesmas empreiteiras,
rés confessas.
Psol e PCdoB instigam um processo que as
próprias empreiteiras não tiveram desfaçatez para deslanchar. Mas seu alvo é
certeiro. A ADPF visa suspender todas as penas pecuniárias estabelecidas pelos
acordos de leniência e afastar “de uma vez por todas, a hermenêutica
punitivista e inconstitucional do lavajatismo”. É pedido ao STF, que validou os
acordos de leniência e lhes deu legalidade plena, que reconheça que tais
acordos “ foram pactuados em situação de extrema anormalidade
político-jurídico-institucional, mediante situação de coação e, portanto, sob
um Estado de Coisas Inconstitucional”.
Como o próprio presidente da República
argumentou, a vítima da punição da corrupção em larga escala foi a sociedade
civil que “arcou, em última instância, com o efeito cascata da quebra
generalizada de companhias estratégicas para a economia brasileira”.
Os partidos querem que a ação seja relatada
pelo ministro Gilmar Mendes, que impediu que Lula assumisse cargo no governo
Dilma e só passou a ser inimigo visceral da Lava-Jato quando descobriu que
também estava sendo investigado ilegalmente por procuradores da operação.
De forma mais ampla, os partidos, entre eles o PT, patrocinam uma PEC com anistia de todas as irregularidades praticadas e que voltem a receber dinheiro de empresas “para quitar dívidas com fornecedores contraídas ou assumidas até agosto de 2015”, quando o financiamento empresarial foi proibido. A iniciativa, somada à revisão que se tenta da lei das estatais, permite que se volte ao status quo ante do petrolão. Se a ação for vitoriosa, e a tese da coação passar, abre-se o caminho ao inominável: as empresas terão base legal para arguir que têm direito a receber de volta o que pagaram por corromper políticos - talvez com juros e correção monetária.
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