quarta-feira, 5 de abril de 2023

Fábio Alves - O coletor de impostos

O Estado de S. Paulo

O novo regime fiscal não se sustenta sem uma ampliação da carga tributária

Após a apresentação do novo arcabouço fiscal, muitos da imprensa e alguns analistas chegaram a dizer que a proposta foi uma vitória política do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas essa conclusão não fica em pé quando se indaga qual o ajuste ou o sacrifício que as novas regras impuseram à visão de política econômica do PT ou do presidente Lula, sempre inclinados a aumentar os gastos públicos.

O sucesso do novo arcabouço, medido pelo cumprimento de metas de resultado primário até 2026, último ano de mandato de Lula, está totalmente calcado no aumento da arrecadação de impostos. Aliás, além de essas metas terem sido baseadas em premissas demasiadamente otimistas para o crescimento do PIB, as projeções apresentadas por Haddad pressupõem um choque significativo de receita tributária, entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões.

O ministro terá de gastar muita saliva e sola de sapato para convencer o Congresso e diferentes tribunais judiciários a ajudá-lo no esforço de aumentar a base de arrecadação, uma vez que Haddad prometeu não criar novos impostos nem elevar a alíquota dos já existentes. Justiça tributária, com a eliminação de subsídios ineficientes e outras exceções dos que não pagam impostos, é muito louvável. Mas não muda a percepção de que o novo regime fiscal não se sustenta sem uma ampliação da carga tributária. Quão sustentável é esse conceito no longo prazo?

Quanto aos gastos, o novo arcabouço prevê que o seu crescimento será limitado a 70% do avanço das receitas acumuladas em 12 meses. Mas Haddad garantiu que, mesmo durante uma recessão amarga ou numa situação de frustração forte da arrecadação, as despesas do governo terão um crescimento mínimo de 0,6% acima da inflação.

Os desembolsos para saúde e educação voltam a respeitar os pisos constitucionais e, portanto, poderão crescer acima das demais despesas. Igualmente fora dos limites estão os recursos previstos para o fundo da educação básica e o piso salarial da enfermagem. Os investimentos foram preservados, com seu valor corrigido anualmente pela inflação. Quando o resultado primário superar a meta fixada, o excesso será canalizado para investimentos.

Assim, há o risco de o governo criar um novo patamar de despesas que, diante do histórico fiscal do País, será difícil reverter quando se fizer necessário, em razão de interesses corporativistas. Com a proposta de arcabouço, Haddad se tornou, na verdade, um facilitador da visão econômica de Lula e do PT. O problema é, daqui em diante, ele virar um mero coletor de impostos.

 

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