Secretário extraordinário do Ministério da Fazenda diz que proposta tem fins distributivos, com impacto maior para baixa renda
Por Geralda Doca, Manoel Ventura e Thiago Bronzatto / O Globo
Escalado pelo governo Lula para aprovar a reforma
tributária, o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda, Bernard
Appy, diz que acompanha o tema há muitos anos, mas nunca viu um clima tão
favorável para tirar do papel um projeto que tramita há mais de três décadas no
Congresso.
Ao GLOBO, ele reconhece que precisa
contornar resistências de alguns setores, admite que as áreas de saúde e
educação poderão ter tratamento diferenciado no novo modelo de cobrança de
impostos e diz que alguns serviços prestados para o consumidor final “poderão
ter um aumento de tributação em relação à situação atual”.
A proposta discutida com parlamentares
funde impostos federais e estaduais, dando lugar ao chamado Imposto sobre Bens
e Serviços (IBS), que teria uma alíquota geral de 25%. A seguir, os principais
trechos da entrevista.
Qual é o balanço que o senhor
faz do estágio atual da reforma tributária e a perspectiva de aprovação?
Estou bastante otimista com relação à
aprovação no Congresso. Acompanho esse tema há muitos anos e nunca vi um clima
tão favorável. É óbvio que tem um trabalho a ser feito e o relatório ainda
precisa ser apresentado, mas acredito que o clima é bastante favorável à
aprovação, com alguns ajustes que serão necessários para poder viabilizá-la
politicamente.
Quais são os ajustes
necessários?
Não vou entrar em detalhes, porque isso
será uma decisão política. Sabe-se que há algumas resistências setoriais e,
portanto, vai ter que ter alguma construção para mitigar resistências. Há
várias formas de fazer essa construção. Não tem um único modelo.
Qual será o melhor modelo
considerando as duas propostas em tramitação?
O texto-base vai ser das duas PECs
(propostas de emendas constitucionais). Os textos são muito mais semelhantes
hoje. A questão é se vai ser um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) único ou um
IVA dual. A impressão que temos é que, do ponto de vista das empresas, o ideal
seria ter um único IVA, porque é mais simples.
Do ponto de vista federativo, a nossa percepção é que o modelo de IVA dual ajuda mais politicamente a reforma tributária. Mas a diferença entre os modelos é muito pequena.
A ministra do Planejamento,
Simone Tebet, disse que há uma discussão de alíquotas diferenciadas para
atender alguns setores. Como isso funcionaria?
Alíquota diferenciada é uma forma de
tratamento setorial diferenciado e existem outros. Por exemplo: no caso de
educação, ao invés de colocar uma alíquota menor que favorece a todos, do pobre
ao rico e a classe média, pode ter um sistema em que faz um cashback (dinheiro
de volta) do imposto pago por aluno até determinado valor.
Assim, se consegue fazer uma desoneração
total ou quase total para uma pessoa de classe média e classe média baixa, que
paga uma mensalidade baixa para o filho, e desonerar pouco a mensalidade da
pessoa rica que coloca o filho na escola que custa R$ 10 mil por mês. A
alíquota diferenciada é uma possibilidade, e não necessariamente a que será
adotada.
Como o "cashback” vai
funcionar?
O que tem sido mais discutido é
o uso do cashback com fins distributivos, para devolver o imposto
incidente no consumo de famílias de baixa renda. Como isso vai ser feito? Isso
está em aberto. Qual o instrumento pelo qual vai devolver? Tudo está sendo
estudado.
Sociedades profissionais como
advogados, médicos e contadores pagam hoje PIS/Cofins a 3,65%, uma vez que o
ISS é um valor fixo que independe da receita. Com a reforma, passariam a um
imposto único estimado em 25%. Isso é razoável?
Um prestador de serviços que está no meio
da cadeia, como um advogado ou um contador que presta serviço para uma empresa,
paga imposto e não recupera os créditos que adquire. No regime não cumulativo
do IVA, ele recupera todo o crédito. Ele tem uma tributação mais alta, mas dá
crédito integral para o tomador do serviço.
Para setores como educação e saúde há
indicações de que poderão ter algum tratamento favorecido na discussão no
Congresso
Em prestação de serviço para o consumidor
final, como educação e saúde, há indicações de que terá tratamento favorecido.
Isso vai ser definido pelo Congresso. O restante dos serviços tem uma questão
de saber o seguinte: quem consome serviço no Brasil são famílias ricas ou
famílias pobres? São famílias ricas.
Quando se tributa menos o consumo de
serviço do que o consumo de mercadoria, estamos tributando menos o rico do que
o pobre.
Como assim?
O cidadão consome mercadorias e serviços,
vai baixar o custo de um e eventualmente, aumentar o custo de outros. Por que
tem que manter o sistema atual que tributa menos aquilo que o rico consome do
que aquilo que o pobre consome? Essa questão tem que ser colocada no debate
político.
Como vencer essa resistência
do setor de serviços?
Na média, o custo do serviço prestado para
a empresa vai reduzir em relação à situação atual. Não que todo mundo vai pagar
mais. Vamos deixar bem claro: o custo líquido para o tomador de serviço vai ficar
menor do que no sistema tributário atual. Alguns serviços prestados para
consumidor final poderão ter um aumento de tributação em relação à situação
atual.
A maior parte das mercadorias consumidas
vai reduzir o custo em relação à situação atual. Tem que olhar o efeito sobre o
poder de compra das famílias, e não o efeito sobre um setor específico.
Quais são os outros setores
que podem ter tratamento diferenciado?
Se tiver, vão ser discutidos no Congresso.
A nossa posição no Ministério da Fazenda é que tem o mínimo possível de
exceções. Mas eu posso garantir que todos os setores da economia vão ser
beneficiados. Não estou dizendo que são todas empresas do Brasil, mas todos os
setores, sim.
Por que tem que manter o sistema atual que
tributa menos aquilo que o rico consome do que aquilo que o pobre consome? Essa
questão tem que ser colocada no debate político
O presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), disse que o governo ainda não tem base para aprovar a
reforma...
Ela é uma agenda suprapartidária. Não é uma
agenda ideológica, de esquerda ou de direita, é uma agenda a favor do Brasil.
Eu não acredito que seja uma reforma que vai ser votada (na lógica de) governo
contra a oposição.
Os temas que vão estar em debate não são de
natureza ideológica. Eu converso com parlamentares de todas as linhas
políticas. A reforma tem aderência.
O presidente Lula tem se
engajado?
A reforma é uma prioridade do governo, isso
é muito claro. O presidente Lula entrará na hora necessária, certamente, ele
entrará em campo. O presidente Lula está apoiando internamente e ele certamente
entrará em campo politicamente, quando ele achar que é adequado.
O ministro Fernando Haddad
disse que pretende avançar na desoneração da folha de pagamentos. Como ficará?
Estamos discutindo a tributação do consumo.
No segundo semestre vamos discutir a renda e da folha de pagamentos. Não tem
nada definido.
Para a desoneração dos 17
setores que mais empregam, que vence no fim do ano, o que será feito?
Isso é uma coisa muito específica. Quando se está discutindo a desoneração da folha, pode-se discutir coisas mais amplas do que simplesmente isso. A grande questão é saber como financiar. Isso vai ser discutido posteriormente.
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