Vacina
é prioridade, mas país precisa tomar mais medidas
Como
primeira coluna neste espaço nobre, optei por trazer uma reflexão sobre alguns
dos principais dilemas e desafios que afetam a economia política nacional. Para
começar, é evidente que a pandemia promoveu uma desarrumação no país, trazendo
dificuldades e desesperança para milhões de brasileiros. Por causa disso,
vivemos um período dramático em muitos aspectos: sanitário, social, econômico,
político e institucional.
Antes de surgir no país o novo coronavírus, em fevereiro do ano passado, os analistas apostavam em crescimento modesto da economia, não muito superior a 2%, para 2020. Com a chegada da covid-19, o cenário, que já não era alvissareiro, piorou de forma radical. A economia recuou fortemente e a situação fiscal se fragilizou devido à necessidade da criação de programas de apoio a empresas, empregos e famílias. Agora, com o recrudescimento da doença, o desânimo retornou.
Diante
desse quadro, a reativação da economia mediante a contenção do vírus é
prioridade máxima. O que torna a vacinação a política pública basilar das ações
do Estado. Não se devem poupar esforços e recursos para vacinar a população. A
situação é ainda mais premente quando se observa o caso do Chile. Apesar de ser
um dos países em estágio mais avançado de imunização, o aumento no número de
contaminados e de óbitos pela covid-19 é notório. Isso não quer dizer
absolutamente que haja questionamentos quanto à centralidade da vacina. Pelo
contrário, é uma indicação clara de que a superação da pandemia pela vacinação
pode ser mais demorada do que se julgava.
Um
segundo campo que requer atenção é o do apoio àqueles que perderam ou perderão
suas fontes de renda nesta nova fase, bem mais devastadora, do vírus. É
duvidoso que R$ 44 bilhões ao longo de quatro meses para os trabalhadores
informais, tal como foi orçado o novo auxílio emergencial, sejam suficientes
para atenuar o impacto socioeconômico dessa onda renovada de propagação da
doença. Afinal, o quadro sanitário abortará em grande medida a recuperação que
era esperada para o setor privado ao longo do ano. E não há recursos orçados
para programas de apoio a trabalhadores formais ou para empresas para mitigar
os efeitos da nova escalada da covid-19.
Como
constatado em artigo recente no Blog do Ibre por meu colega Fernando Veloso, a
pandemia afeta principalmente os trabalhadores com mais baixa escolaridade. Em
2020, houve forte recuo de 20,6% no emprego de pessoas com até três anos de
estudo. As taxas vão se tornando menos negativas à medida que aumentam os anos
de escolaridade. Para o grupo com mais de 15 anos de estudo, o sinal vira, com
um aumento de 4,8% do emprego no ano passado. Em 2021, mesmo com quarentenas
não tão amplas e rígidas como as de março a maio de 2020, é certo que o emprego
dos mais vulneráveis será de novo desproporcionalmente atingido.
Adicionalmente,
a aceleração mais forte das infecções e mortes da segunda onda é recente. Quando
a nova fase de apoio aos grupos necessitados foi discutida e desenhada,
culminando na nova rodada do auxílio emergencial, não se tinha noção de que a
situação sanitária e socioeconômica se tornaria tão extrema. Dessa forma, fica
no ar a possibilidade muito real de que o apoio financeiro àqueles com
dificuldades tenha que ser reavaliado.
O
que nos leva a um terceiro desafio: a questão fiscal. Como se sabe, não existem
níveis de gasto ou de dívida pública que definam de forma clara e inequívoca a
deflagração da insolvência do setor público. Não há também como negar a
importante função desempenhada pelas chamadas expectativas na interpretação da
saúde e da solidez das contas públicas. No Brasil de hoje, a evidência é que o
cumprimento da emenda do teto dos gastos dá aos agentes econômicos a garantia
da solvência pública. Pelo menos até aqui, sem entrar em seus méritos, o
dispositivo do teto é a “âncora fiscal” negociada e em vigor. Não à toa, o
Congresso aprovou a Proposta de Emenda Constitucional Emergencial, que, apesar
de todas as críticas apontadas por especialistas, reforça o compromisso das
casas legislativas com o teto de gastos.
Com
recursos cada vez mais escassos devido às restrições fiscais, a caça por
espaços no Orçamento vem intensificando os embates em Brasília e, por
consequência, esgarçando o tecido político e institucional. O que ocorre em
meio à escalada da pandemia. Tempos duros! Evidencia-se o grande nó político
que encaramos: conciliar as demandas dos congressistas e do governo, o apoio
aos combalidos pelo agravamento da crise sanitária, a vacinação em massa, a
solvência pública e a manutenção da economia ativa e preparada para a retomada.
Embora
a extensa agenda política de curto-prazo torne, pelo menos no momento, inviável
avançar em reformas estruturais mais profundas, o governo tem outras frentes
importantes que não podem ser deixadas de lado. Há pautas econômicas relevantes
que são menos custosas politicamente em áreas como regulação, investimentos em
infraestrutura, parcerias público-privadas etc. Essas não devem parar.
Por
fim, um dado alarmante no campo da educação. Segundo relatório recente da
Unicef, entre 200 países, o Brasil ficou na 196ª posição em termos de dias em
que as escolas ficaram totalmente fechadas por causa da pandemia, considerando-se
o período de 11 de março de 2020 até 2 de fevereiro de 2021. Foram 191 dias no
Brasil comparado a uma mediana de 67 dias dos demais integrantes da amostra.
As
consequências dessa excessiva interrupção dos estudos de crianças e
adolescentes, especialmente entre os mais pobres, devem ser profundas e
duradouras, como apontam especialistas. Os dados da Unicef reforçam o
entendimento da baixa prioridade da educação no Brasil, comparada com outras
atividades cujos lobbies a favor da abertura na pandemia se mostraram muito
mais fortes e eficazes. É hora de colocar em prática um programa para remediar
essa inaceitável defasagem educacional causada pela crise sanitária.
*Luiz Schymura é pesquisador do FGV/Ibre
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