Militares
— ao menos os de alta patente — não respaldam o golpismo de Jair Bolsonaro. Ok.
Vá lá. Respaldam, porém, o governo por meio do qual Bolsonaro exercita seu
golpismo. Isso é um fato. Serei generoso a respeito. Admitamos que tenha
havido, entre os generais que embarcaram na canoa do capitão, os que
desconhecessem a figura. (Falei que seria generoso.) Passados dois anos,
contudo: se ficam, endossam. Se ficam, ante tudo quanto há, acumpliciam-se. Se
ficam e se ficaram, os que saíram anteontem, de súbito democratas: cúmplices.
O
governo é militar — e já vai tarde o tempo, um Pazuello de distância, em que se
poderia reverter essa associação. É orgânica, embora tenha como marca a
produção de cloroquina em laboratórios do Exército. São cerca de 6 mil os
militares (quase a metade, da ativa) incorporados à administração federal, em
ministérios, inclusive os palacianos, e estatais. E é com assento neste corpo,
na projeção de força que esta estrutura musculosa insinua, que o presidente da
República fala — e continua a falar —em “meu Exército”.
O governo é militar — e autocrático. O presidente não se tornou este populista-autoritário na semana passada; e foi por ser o que é que atraiu tantos generais-helenos. A dança das cadeiras se dá em torno — e em função — de Bolsonaro. Um general vai; outro vem. As Forças Armadas, o Exército acima de todas, permanecem.
Estão
todos felizes nesta parceria; o que não exclui reacomodações eventuais.
Sim:
houve tensão no processo que resultou na queda de Azevedo e Silva. Não ficou
claro o que Bolsonaro lhe teria pedido que ainda não tivesse entregado; sendo o
ex-ministro da Defesa aquele, e não posso crer que obrigado, que sobrevoara,
com o presidente, em helicóptero militar, uma manifestação golpista, e que
continuaria no cargo mesmo depois de o chefe haver discursado em ato
antidemocrático defronte ao QG do Exército. O que mais queria Bolsonaro? O que
mais quererá, que Azevedo e Silva não topou dar, e que Braga Netto — dedução
lógica —toparia? (Sempre haverá quem tope, ou general Ramos não se teria
transformado neste Carlos Marun fardado.)
Houve
alguma tensão. Mas não a crise que se quis difundir — e que só faz o jogo do
presidente. O que quer que tenha sido: nada que mudasse a relação de Bolsonaro
com os militares. Nada nem sequer próximo de estremecer uma sociedade que —
diga-se —tende a se aprofundar no novo arranjo. Ou, com Braga Netto na Defesa,
teremos menos militares no governo? Ou, sob Braga Netto, não seria mais fácil
esperar que esse número aumentasse?
Que
crise será esta em que os partícipes todos engordam? Ora: só uma — um falso
problema — que fosse forjada; e boa para todos os envolvidos.
O
general demitido saiu plantando, com eficiência, que sua débâcle derivava de
não ter aceitado pressão por apoio político — por mais apoio político, né? —
das Forças Armadas ao governo. E, desse modo, sem maiores questionamentos, foi
para casa beatificado, um guerreiro em defesa da democracia e das Armas como
instituições de Estado; como se não tivesse assinado, nos 31 de março de 2019 e
2020, ordens do dia cujas exaltações ao golpe de 1964 foram mais intensas que a
de 2021.
Virou
herói. Contou sua história, não foi chamado a detalhá-la ao Senado e virou
santo, assim como Bolsonaro virara defensor da vacinação em massa. E ficaram
todos felizes: o democrata (desde a véspera) e o golpista (sem dentes para dar
golpe); os perigos obscuros sugeridos por Azevedo e Silva alimentando o
terrorismo — banguela — do presidente.
Era
tudo de que Bolsonaro precisava. Uma crise artificial— conflito forjado — para
demonstrar força, que não tem, num período em que vai obviamente isolado,
desprovido de recursos políticos para robustecer o governo que não os
oferecidos por Arthur Lira. Puro truque: fabricar um confronto para exibir quem
manda, quem tem poder, enquanto, no mundo real, o Centrão derruba o ministro
das Relações Exteriores, sequestra o Orçamento e chega ao Planalto tomando a
articulação política.
Bolsonaro
neste momento: um fraco, um sozinho, que tem os filhos como recursos humanos, e
que estica a corda a cada vez que tem essa miséria exposta. Arma-se um perigoso
ciclo de instabilidade, que aguça — aí, sim — a crise real. Uma crise
permanente. Porque o fraco, naturalmente, mostra fraqueza —e essa fraqueza
evidente faz com que o fraco, sendo ele Bolsonaro, precise mostrar força. Assim
giramos... Azevedo e Silva serviu de escada para que o presidente desfilasse
seu poder imaginário: aquele que demite os comandantes militares, que faz e
acontece, sendo o mesmo que entrega latifúndios de seu governo em busca de
sustentação e blindagem.
A questão é lógica: ou Bolsonaro é mito ou precisa receber Valdemar da Costa Neto no Planalto. Isso implica uma pane em sua base de apoio fundamental, em resposta a que, para agradá-la, tem de radicalizar. E então radicaliza, com nova rodada de ataques aos tiranos governadores e mais referências ao “meu Exército” (fantasia que Azevedo e Silva fez parecer real) — ataques, entretanto, que não serão chancelados pelo sócio (de capital crescente) Centrão. Eis o ciclo da desgraça, da progressiva corrosão republicana. A crise constante. O nosso buraco. Contratado um país que, estando paralisado, não terá como andar tão cedo.
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