Caberá
ao Biden nacional combater a desigualdade de renda e abrir um futuro de maior
produtividade para a economia
Pela
ocasião da alta votação de Joe Biden em 2020, que reuniu
um amplo espectro de apoio para derrotar Trump, muito se especulou sobre
quem seria “o Biden brasileiro”. Perto da marca dos 100 primeiros dias do novo
presidente americano, já é possível vislumbrar quais temas quer transformar. Um
que destoa é o da infância, com uma espécie de renda universal infantil. Quem
será o Biden brasileiro?
Biden
já conseguiu sancionar uma de suas propostas de campanha: o pagamento de US$
250 mensais para a maior parte das crianças e adolescentes americanos, com
valor ampliado para US$ 300 no caso das crianças de até seis anos (1.ª
infância). Não se exige que pais não tenham emprego.
Os valores passam a ser decrescentes para famílias com maior renda. Para outro limite de renda, não há direito ao pagamento (uma renda equivalente à do décimo mais rico dos americanos). Como poucas crianças estão em famílias no topo da distribuição de renda, o benefício é semiuniversal.
É
uma grande mudança: os EUA estão entre poucos países desenvolvidos a não
possuir esse benefício. Uma renda universal para crianças, ou semiuniversal, é
praticada em boa parte da OCDE e
é parte integrante do modelo de Estado de bem-estar social europeu – só
parcialmente importado por essas bandas. Mesmo países de tradição
anglo-saxônica pagam o benefício, como Austrália e Canadá.
Como
seria se o Brasil replicasse a
iniciativa americana? Evidentemente os valores de US$ 300 mensais estão
distantes de nossa realidade. Mas comparando com a renda per capita dos dois
países, o plano de Biden equivaleria no Brasil a dobrar o benefício variável
do Bolsa Família –
hoje de R$ 41 por criança.
Significaria
também estendê-lo para milhões que não recebem benefício algum, por não serem
de famílias pobres o suficiente para receber o Bolsa nem ricas o suficiente
para declarar imposto de renda (que gera um benefício indireto: a dedução por
dependente).
Sempre
cabe ressaltar que 4 a cada 10 crianças brasileiras viviam na pobreza mesmo
antes da pandemia, com número piores para as que vivem somente com a mãe, as
negras, as na 1.ª infância. Entre estas, no cálculo de Naercio Menezes, metade
continua abaixo da linha da pobreza mesmo recebendo o Bolsa Família – tamanha a
insuficiência de renda. Nos EUA, estima-se que a taxa de pobreza infantil caia
agora à metade.
Da
Universidade de Columbia em Nova York, o Centro de Pobreza e Política Social
estima que o retorno da nova política de proteção social americana será de oito
vezes o seu custo para o contribuinte, pelos seus efeitos poderosos sobre o
desenvolvimento infantil. O retorno vem no futuro de mais impostos arrecadados
(porque o benefício amplia as possibilidades de o adulto de amanhã conseguir
emprego, e emprego com melhores salários) e menos gastos (inclusive com saúde e
até segurança pública e justiça, dada a triste vulnerabilidade do público
beneficiado).
Propostas
responsáveis de uma renda universal infantil foram feitas no Brasil em anos
recentes por pesquisadores associados ao Ipea. Versões tramitam no Congresso. Em 2019, especulou-se
que o governo Bolsonaro apresentaria uma proposta. Nicholas Kristof,
articulista do The New
York Times, resumiu a dificuldade que esse tipo de proposta tem em
angariar apoio da sociedade: crianças não escrevem colunas, não votam e não
contratam lobistas.
Rosa
DeLauro, deputada americana que autorou o projeto da Lei da Família Americana –
base do programa de Biden, acredita que a pandemia expôs a vulnerabilidade
desse grupo da população e permitiu a aprovação da proposta. Ela advogou pelo
benefício por 18 anos. DeLauro, como Biden e Nancy Pelosi (presidente da
Câmara), integram o grupo de democratas católicos – influenciados pela doutrina
social.
Mas
lá, ao contrário daqui, conservadores também aderiram à pauta. Mitt Romney, o
republicano vencido por Obama nas eleições
presidenciais de 2012, apresentou proposta de renda universal infantil
permanente, ainda mais ousada que a de Biden (que é por ora apenas temporária).
Justificou o projeto da Lei de Segurança das Famílias tanto pela redução da
pobreza como pela promoção dos casamentos.
Outros
conservadores americanos interessados nesse tipo de benefício argumentam pela
diminuição de divórcios, aumento da natalidade, redução de abortos e maior
estabilidade nos lares. Pauta que deveria ser abraçada pelos defensores da
família.
Com
a solução apenas temporária para o auxílio emergencial de 2021, o debate sobre
proteção social segue aberto no Brasil. Caberá ao Biden brasileiro liderar uma
transformação do Orçamento,
combatendo desigualdade de renda geracional e abrindo um futuro de maior
produtividade para a economia.
*Doutor em economia
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