Segundo governo Trump exigirá equilíbrio do Brasil
O Globo
País deve buscar novos canais de comunicação,
explorar interesses mútuos e reduzir potenciais danos
O segundo mandato de Donald Trump,
que começa nesta segunda-feira, causa ansiedade. As promessas e ameaças feitas
na campanha e depois da eleição, se cumpridas à risca, têm o potencial de
causar mudanças radicais. Na economia, Trump falou na imposição de tarifas de
importação a China e países aliados, como México e Canadá. O compromisso de
deportar 15 milhões de imigrantes talvez seja de difícil execução, mas não há
dúvida de que o número de pessoas expulsas dos Estados Unidos crescerá.
Nas relações exteriores, na política fiscal, na administração da máquina
pública, em diferentes esferas Trump promete uma revolução. Muitas mudanças
terão repercussões globais por canais como o mercado financeiro. Temperamental
e com apoio do Congresso, o novo presidente promete ser sinônimo de
instabilidade.
Diante desse cenário, o governo brasileiro deve buscar canais de comunicação, explorar interesses comuns e trabalhar para diminuir impactos negativos. Alimentar preconceitos ideológicos só provocará ruído. A melhor estratégia será buscar a construção de pontes onde for possível. O Brasil é um dos maiores mercados externos para uma quantidade grande de empresas americanas, inclusive belicosas plataformas digitais. É do interesse comum que essas companhias sigam investindo na expansão dos negócios.
Na arena externa, o Brasil tem potencial de
ser um interlocutor valioso em alguns fóruns. Na questão venezuelana, a
participação brasileira pode ajudar a encontrar uma transição de poder
negociada se a Casa Branca decidir elevar a pressão sobre Nicolás Maduro.
Atualmente na presidência do Brics, o Brasil tem um papel relevante a cumprir
para evitar que o bloco se torne uma aliança anti-Ocidental. A cúpula de chefes
de Estado prevista para acontecer em julho no Rio será uma oportunidade de o
país exercer uma liderança positiva e conciliadora.
A julgar pelos resultados da balança
comercial do ano passado entre Brasil e Estados Unidos, não haverá motivos para
a Casa Branca tarifar as exportações brasileiras. As trocas entre os dois
países foram de quase US$ 81 bilhões, com um pequeno superávit para os
americanos. Caso Trump decida ainda assim penalizar os produtos brasileiros
(boa parte industrializados), haverá, a princípio, pouco espaço de manobra para
os exportadores. Como diz o embaixador Regis Arslanian, parte do mercado de
produtos manufaturados que o Brasil tinha na Argentina ficou com a China.
Arslanian aposta, porém, no pragmatismo do americano.
Sendo Trump do jeito que é, não se pode
descartar que pontos com potencial de entendimento entre Brasil e Estados
Unidos acabem virando motivo de discórdia. Em outros temas, as chances de falta
de cooperação são mais óbvias, como nas discussões sobre o aquecimento global.
Organizador da Conferência do Clima (COP30), o Brasil precisa estar preparado
para uma eventual ausência dos Estados Unidos. Se isso ocorrer, a missão não só
do país anfitrião, como de todos os outros presentes será a construção de consensos
para avançar a agenda ambiental. É possível ainda que Trump queira influenciar
a disputa política e decisões judiciais no Brasil. Com equilíbrio e atenção
para não cair em provocações, a Justiça tem a obrigação de seguir o ordenamento
local, e o governo deve ter sempre o interesse nacional como bússola.
Assembleia legislativa do Mato Grosso erra ao
incentivar desmatamento
O Globo
Deputados mudaram classificação de parte do
estado de Amazônia para Cerrado. Governador deve reagir
Longe do radar dos grandes centros, muitas
decisões tomadas em assembleias legislativas ajudam a destruir a Amazônia. Esse
entendimento acaba de ser reforçado pela aprovação por deputados estaduais
de Mato
Grosso de um Projeto de Lei que vulnerabiliza mais de 9,6 milhões de
hectares, quase 10% do estado, que é parte da Amazônia Legal. A manobra
legislativa consistiu em deixar de classificar a área como da Amazônia para
enquadrá-la no bioma do Cerrado.
Essa simples mudança faz com que as
propriedades rurais deixem de ser obrigadas a manter uma reserva legal de 80%
da área e possam preservar apenas 35%. A tramitação desse projeto na Assembleia
Legislativa de Mato Grosso é uma aula de como é possível, junto aos estados,
ampliar o desmatamento de regiões protegidas. Tudo começou com um inofensivo
Projeto de Lei proposto pelo governo estadual para aprimorar a base de dados
que o estado utiliza para executar sua política ambiental. A proposta visava a
adotar no mapeamento das áreas a mesma escala utilizada pelo IBGE, mais precisa
que a empregada atualmente.
O caráter técnico da proposta foi mantido
pelo parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente da
Casa, presidida pelo deputado Carlos Avallone (PSDB). Mas no plenário os
parlamentares decidiram rediscutir, sem critério científico, a requalificação
da vegetação nativa. Até que o deputado Nininho (PSD) apresentou um
substitutivo ao projeto, com a mudança na designação dos biomas, aprovado por
15 votos favoráveis e 8 contrários.
Em nota, a Secretaria estadual de Meio
Ambiente afirmou que “esclarecimentos devem ser solicitados ao Legislativo
estadual, já que a proposta original não tem nada a ver com o texto aprovado”.
A nota serve para marcar a posição da secretária Mauren Lazzaretti, favorável
ao veto do projeto pelo governador Mauro Mendes (União). Mesmo que haja o veto,
ele pode ser derrubado na Assembleia, onde a bancada da motosserra demonstra
estar irredutível.
O estado, seguindo a tendência observada no
país no ano passado, viu reduzir o desmatamento, que atingiu o mais baixo
patamar desde 2013, de acordo com o sistema Prodes, do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe). Mesmo assim, foram desmatados 1.271km², ou 21,8% da
área da Amazônia Legal, da qual também fazem parte Pará, Amazonas, Roraima,
Acre, Amapá, Rondônia, Tocantins e Maranhão. Dados do Inpe mostram que, no ano
passado, Mato Grosso só foi suplantado pelo Pará em focos de incêndio. Foram 50.551
(18,2% do total do país), ante 56.070 do Pará (20,1%). A diferença entre os
dois estados não chega a ser muito grande, mesmo o Pará tendo território maior.
O sucesso da manobra feita por Nininho ajuda
a entender melhor as estatísticas e a dimensionar a importância de forças
políticas paroquiais na degradação da Amazônia. O governador deve vetar o
projeto e buscar apoio para que sua decisão seja mantida.
FMI mostra riscos de
intenções de Trump para economia global
Valor Econômico
Fundo adverte que países cujos esforços
fiscais foram postergados ou insuficientes para estabilizar a dívida
precisariam restaurar urgentemente a estabilidade fiscal “antes que seja tarde”
e restabelecer escudos contra novos choques - caso óbvio do Brasil
As ações de Donald Trump, que toma posse hoje
na Presidência dos Estados Unidos, determinarão com grande alcance as
perspectivas de crescimento global. Os relatórios econômicos do Fundo Monetário
Internacional, do Banco Mundial e do BIS consideram os efeitos prováveis de
medidas por ele desejadas, quase sempre sem mencioná-lo explicitamente. O mundo
antes do segundo mandato de Trump, segundo o FMI, ainda apresenta resquícios de
pressão inflacionária, crescimento menor, juros em declínio e alto endividamento
dos governos. Em geral, o cenário é moderadamente otimista. Os riscos estão em
grande parte concentrados em como os EUA conduzirão sua economia e política
externa a partir de hoje.
A surpresa do Panorama Econômico do FMI
divulgado na sexta foi o crescimento americano, elevado para 2,8% (mais 0,5
ponto). Os EUA são o motor principal da economia mundial, que deverá se
expandir 3,2% este ano e 3,3% no próximo. Em contrapartida, há perda de fôlego
evidente do crescimento na zona do euro (1%) e na China (4,6%). A economia
global vai crescer abaixo da média 2010-2019, pré-pandemia, de 3,7%. O Brasil,
2,2% nos dois próximos anos.
Apesar de o FMI apontar que a inflação alta
na sequência da pandemia, a maior em quatro décadas, está domada, ela, no
entanto, teima em sujeitar-se às metas de inflação dos BCs. “Ainda que o núcleo
da inflação de bens tenha se situado em linha com sua tendência histórica, ou
abaixo dela, os preços dos serviços ainda estão acima do nível médio pré-covid
em várias economias, em especial nos EUA”.
O FMI prevê crescimento menor no resto do
mundo. Alerta que os juros terão de recuar muito na zona do euro, que mostra
expansão anêmica, e podem testar o zero no futuro, enquanto a economia flerta
com uma recessão, sem que os governos, pelo nível elevado de endividamento,
possam recorrer à política fiscal como meio de relançamento. A China, segunda
maior economia, preocupa por motivos distintos. Ela pode estar entrando em uma
armadilha deflacionária (em dezembro, a inflação em 12 meses foi de 0,1% ao consumidor),
com perda de fôlego gradativa da economia e da confiança dos consumidores. A
debilidade da China e do bloco europeu tende a puxar o crescimento global para
baixo.
A situação dos EUA é mais favorável, com um
consumo forte que, no entanto, tolherá a rapidez com que as taxas de juros
declinarão - o Fed não deverá se mover muito para baixá-las. Isso já está
causando problemas para o resto do mundo e em especial para o Brasil, com o
fortalecimento do dólar.
Donald Trump deverá piorar o cenário para
todos, e para si próprio. Desde sua eleição em novembro, a moeda americana
subiu 4% em relação às principais do mundo, em uma antecipação dos investidores
ao que está por vir. No Brasil, a valorização foi de 23%, com impacto
inflacionário a caminho.
O FMI não tem dúvidas de que o aumento de
tarifas intencionado por Trump tem potencial de aumentar a inflação em um mundo
que mal acabou de furar a grande onda do nível dos preços. Para o Fundo, a
ameaça inflacionária agora é mais grave do que no passado recente de disputas
comerciais. Primeiro, porque as expectativas de inflação estão mais distantes
das metas em várias economias avançadas do que estavam entre 2017-2021. Depois,
porque a posição cíclica de algumas das principais economias é mais propícia a uma
elevação da inflação hoje do que era em 2016.
Uma política de estímulos fiscais e retranca
tarifárias terá outros efeitos maléficos. Para o FMI, a apreciação do dólar
alimenta riscos de fuga de capitais e eleva os prêmios de risco. Além disso, um
dólar forte tem impacto estagflacionário, diz o economista-chefe do FMI,
Pierre-Olivier Gourinchas, ao elevar o preço das importações fora dos EUA e as
expectativas de inflação, em especial nos países emergentes. O resultado pode
ser mais grave nos emergentes, dada a maior passagem da valorização do dólar para
os preços, que se adicionará ao menor crescimento chinês. Mais: as tarifas, ao
encarecerem os insumos nos EUA, obrigarão o Fed a interromper a alta de juros
ou até mesmo a retomá-la, apertando as condições financeiras no resto do mundo.
O Brasil já sentiu um pouco de tudo isso no
último trimestre do ano e, com Trump, essas condições possivelmente
permanecerão no cenário por um bom tempo. Gourinchas adverte que países cujos
esforços fiscais foram postergados ou insuficientes para estabilizar a dívida
precisariam restaurar urgentemente a estabilidade fiscal “antes que seja tarde”
e restabelecer escudos contra novos choques - caso óbvio do Brasil. “As
recentes tensões nos mercados financeiros no Brasil, como a reação ao
miniorçamento do Reino Unido em setembro de 2022, sublinham como as condições
de financiamento podem subitamente se deteriorar”, afirma.
À primeira-ministra britânica Liz Truss não
foi dado o benefício da dúvida e ela presidiu o mais fugaz governo conservador
da história recente do país. O governo Lula tem todas as condições para
consertar o rumo de sua política fiscal em direção à austeridade. As condições
externas estão se tornando cada vez mais hostis.
Principal promessa de Lula foi cumprida, mas
não basta
Folha de S. Paulo
Governo restabeleceu convívio institucional;
mas plataforma voltada ao umbigo petista gerou erros econômicos e políticos
Na extensa
lista de promessas de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) escrutinada
em reportagem da Folha, chama a atenção que a principal delas seria mera
platitude em outros tempos.
"Manter normalidade e respeito
institucional - diálogo respeitoso com os Poderes", como consta do plano
de governo, é o mínimo que se espera de qualquer autoridade pública em regime
democrático —mas não foi o que se viu nos quatro anos de Jair
Bolsonaro (PL)
no Planalto.
Para afastar os riscos de ruptura
autoritária, líderes e eleitores de outras preferências escolheram Lula em
2022, viabilizando sua vitória por margem minúscula. Esse foi, portanto, o
compromisso fundamental da atual administração. De menos normal, todavia, há
hoje o ímpeto censório de Executivo e Judiciário contra as redes sociais.
Já nas demais 102 promessas elencadas era
possível antever equívocos e fragilidades agora evidentes na metade do mandato.
Em vez de responder a uma nova conjuntura política e econômica, a plataforma
lulista priorizou reafirmar feitos, reais ou imaginários, e negar erros dos
governos petistas do passado.
Na economia,
calcanhar de Aquiles do partido desde o desastre sob Dilma
Rousseff, destacavam-se intenções de retrocesso. Falava-se em rever as
reformas previdenciária e trabalhista, duas das conquistas mais difíceis e
importantes dos últimos anos, e a privatização da Eletrobras.
Felizmente, nada disso foi nem será cumprido,
seja por falta de condições políticas, seja porque o próprio governo tem noção
do desatino das bravatas vendidas à militância. Muito melhor foi ter apoiado a
reforma tributária.
Lula cometeu seu erro capital, porém, ao
"revogar teto de gastos e remodelar o regime fiscal brasileiro". Para
substituir uma regra demonizada por ter o objetivo de sanar a ruína de Dilma,
inventou-se um tal "arcabouço fiscal" que já se mostrou ineficaz
para conter a dívida pública.
A disparada do gasto contribuiu para dois
anos de crescimento econômico acima das expectativas, mas, a esta altura, a
alta do dólar,
da inflação e
dos juros ameaça
a segunda metade do governo —e tende a ofuscar as parcas realizações em outras
áreas, como a redução do desmatamento e
o programa de bolsas contra a evasão no ensino médio.
A plataforma voltada ao umbigo petista se
reflete na formação do ministério, no qual praticamente todas as áreas
importantes estão entregues ao partido e a seus aliados de esquerda. A
fragilidade da coalizão partidária ajuda a explicar o descumprimento
da promessa de dar fim à farra das emendas parlamentares, ainda necessária
para a árdua negociação de projetos no Congresso.
Se Lula também pretende abandonar o
compromisso de não disputar a reeleição, como parece, o tempo e as condições
para apresentar em 2026 mais trunfos do que a normalidade democrática se
estreitaram.
O motor chinês perdeu potência em 2024
Folha de S. Paulo
Alta do PIB foi inferior à de 2023 e não
refletiu esperada alta do consumo; com Trump, situação do país tende a piorar
A economia da China cresceu
5% em 2024 e cumpriu a meta fixada pela ditadura de Xi Jinping,
que promete repetir a façanha neste ano. Mas não deixa de ser melancólica, até
preocupante, a comemoração de Pequim de uma
expansão em patamar modesto quando comparado ao pico de 14,2%
registrado em 2007.
Conforme divulgação oficial na quarta (15),
ficou abaixo da taxa de 2023, quando atingiu 5,2%.
No ano passado, a alta do Produto Interno Bruto chinês foi liderada pelo setor
industrial, com avanço de 5,8%, e pelo superávit comercial de US$ 1 trilhão no
ano —os mesmos motores do ritmo acelerado no início do século.
O consumo doméstico, assim como no passado,
pouco contribuiu, ao crescer apenas 3,5%.
Teria
sido ainda menos expressivo sem medidas adotadas pelo politburo, como a
concessão de vastos subsídios para a compra de veículos, eletrodomésticos e
outros bens duráveis, o pacote de US$ 1 trilhão para desafogar os governos
locais e o aumento de salários dos servidores públicos.
Embora tenha havido maior dinamismo da
economia no quarto trimestre, com expansão de 5,4%, nada indica que esse ritmo
será mantido ao longo de 2025.
Mesmo o cumprimento da meta de crescimento de
5% deste ano soa improvável se o consumidor chinês —ainda ressabiado pela crise
imobiliária, por alto desemprego entre os jovens, salários em queda e rombo
fiscal dos governos locais— milagrosamente tomar a proa da atividade econômica.
A volta de Donald Trump à
Casa Branca no dia 20 traz a promessa de tarifaço de 60% sobre bens chineses.
Serão inevitáveis ações protecionistas da Europa e de
outros países indispostos a absorver o excedente de exportações do gigante
asiático.
Embora tal cenário seja semelhante ao
enfrentado pela China no primeiro mandato de Trump, o país se encontra agora em
situação muito mais vulnerável.
O PIB de 2024
evidenciou a necessidade de medidas vigorosas para alavancar o consumo
doméstico, mesmo sob o peso de aprofundar o déficit fiscal.
O ceticismo da população, que não percebeu
diretamente a expansão do ano passado, continua. E surpreende o fato de o
indicador do PIB ter sido desacreditado publicamente por economistas locais
—alvos de imediata censura do governo.
A confirmar-se esse cálculo, uma China em
expansão abaixo de 3% será problema ainda mais grave para o restante do mundo
lidar do que apenas o fim de uma era de crescimento vultoso.
Trump joga o mundo numa era de incerteza
O Estado de S. Paulo
A partir de hoje, a presidência dos EUA será
ocupada por alguém absolutamente imprevisível, o que impõe literalmente a todo
o mundo desafios poucas vezes vistos na história recente
Como lidar com uma pessoa que não só tem um
temperamento instável, mas cultiva a imprevisibilidade como sua principal
qualidade? A maioria das pessoas pode nunca encontrar alguém assim ou, se
encontrar, pode se esquivar sem maiores consequências. Mas a partir de hoje,
quando Donald Trump assume pela segunda vez a presidência dos EUA, o cargo mais
poderoso do planeta, a questão se impõe literalmente a todo o mundo.
Tanto pior quando o próprio mundo vive sua
maior instabilidade desde os anos 1930. As populações estão envelhecendo,
algumas já diminuem. A Inteligência Artificial ameaça trabalhadores com a
obsolescência. As sequelas econômicas da pandemia ainda se fazem sentir, e
outra é provável nesta geração. O mundo esquenta literalmente a cada ano. A
ordem unipolar pós-guerra fria acabou, mas está longe de ser suplantada por uma
ordem multipolar. Por ora, só desordem. As instituições multilaterais estão em
frangalhos. A guerra voltou à Europa. O Oriente Médio vive seu momento mais
volátil em décadas, assim como a relação bilateral mais importante do mundo,
entre EUA e China.
“Há uma certa imprevisibilidade sobre Trump
que é ótima”, disse o próprio Trump, citando um empresário, na sua primeira
campanha à presidência dos EUA. “Devemos enquanto nação ser mais
imprevisíveis”, disse pouco depois.
Mas há dois traços inabaláveis e onipresentes
em toda a vida privada e pública do 47.º presidente americano. Um é
constitutivo: Trump é um narcisista. O outro é constituído: Trump é um homem de
negócios. Combinados, conferem alguma previsibilidade. Já se sabe que,
internamente, Trump será implacável com seus adversários e com os imigrantes, e
externamente pretende erguer barreiras protecionistas e pressionar governos,
mesmo de antigos aliados, para arrancar concessões aos EUA.
Os EUA mantêm fundamentos democráticos e
econômicos robustos, mas eles serão testados por Trump. O eleitorado concedeu
ao republicano maioria nas duas Casas do Congresso, e ele já dispunha de
maioria conservadora na Suprema Corte. Para o mandato que se inicia hoje,
forrou seu gabinete com “guerreiros culturais” para se vingar dos democratas,
da imprensa e de quem mais se interpuser em seu caminho. Mas isso é um problema
sobretudo dos americanos.
Para o resto do mundo, porém, anuncia-se um
tempo sombrio, em que a ordem internacional constituída após a guerra fria sob
a liderança americana, marcada principalmente pela globalização, simplesmente
se desfez, sem que se saiba muito bem o que entrará no lugar. Trump já deixou
claro que não tem aliados, apenas interesses, e que pode abandonar ou até mesmo
agredir alguns dos mais tradicionais amigos dos EUA se achar necessário. Num
mundo assim, em que a maior potência ocidental é dirigida por um presidente orgulhosamente
errático, nada é garantido.
Os instintos de Trump deteriorarão as
arquiteturas multilaterais, que serão substituídas por um grande balcão de
negócios. Isso não significa necessariamente que Ucrânia, Taiwan, Europa e
outros aliados serão abandonados. É tudo uma questão do que têm a oferecer.
Mas, quando alianças são sustentadas só na base do toma lá da cá, e não em
valores compartilhados, a tendência é de enfraquecimento e desconfiança. Rússia
e China sonham em desgastar esses laços, e Trump fará o trabalho para elas. De
resto, ambas oferecerão suas barganhas, o que pode significar o abandono de
aliados.
Nem por isso as tensões com a China
diminuirão. Provavelmente aumentarão. Mas não por uma disputa por princípios, e
sim por vantagens materiais. O robustecimento da mãe de todas as guerras
comerciais vai acelerar a pulverização econômica e geopolítica, o que
dificultará resoluções de conflitos e a recuperação econômica global.
Dentre todas as incertezas, é certo que o
governo Trump envenenará as relações internacionais, recriando o cenário
descrito por Tucídides na guerra fratricida que dilacerou a Grécia antiga: “Os
fortes fazem o que podem, os fracos sofrem o que devem”. Se isso soa cínico,
não culpe o mensageiro, mas o homem mais poderoso do mundo.
O show de Janja custa caro
O Estado de S. Paulo
Eventos paralelos à cúpula do G-20, no Rio,
nos quais a primeira-dama teve participação destacada, custaram muito mais do
que a própria reunião entre chefes de Estado
A despeito de sua importância para a projeção
internacional do Brasil e para chamar a atenção das nações mais desenvolvidas
do mundo para os objetivos globais defendidos pelo governo, a realização da
cúpula do G-20 no Rio, em novembro do ano passado, serviu a um propósito mais
prosaico no âmbito doméstico. Mais uma vez, restou comprovada a visão
patrimonialista que os petistas têm das empresas estatais. Para o presidente
Lula da Silva, a primeira-dama Rosângela Silva, conhecida como Janja, e outros
próceres do PT, as estatais existem para atender aos interesses políticos do
governo, e não aos interesses estratégicos do País.
Isso ficou evidente com a revelação, feita
por este jornal, do modelo de financiamento do evento. Por meio da Lei de
Acesso à Informação, o Estadão obteve a íntegra do contrato de
cooperação firmado entre o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal
(Caixa), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a
Petrobras com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), entidade
responsável pela organização da reunião no Brasil.
De acordo com o documento, as estatais doaram
nada menos que R$ 83,45 milhões para a realização da cúpula do G-20
propriamente dita, para o G-20 Social e para o festival de música Ação Global
Contra a Fome e a Pobreza, que logo ganhou o apelido de “Janjapalooza” – uma
brincadeira com o nome do festival de música Lollapalooza que ironiza o grau de
envolvimento da primeira-dama em uma festa que, antes de qualquer coisa, tinha
o nítido propósito de promovê-la.
Pelos termos do acordo, cada uma daquelas
estatais ficou responsável por doar até R$ 18,5 milhões para cobrir as despesas
da organização do G-20, do G-20 Social e do “Janjapalooza”. Só a Petrobras
informou que contribuiu “apenas”, digamos assim, com R$ 12,95 milhões.
Embora não esteja entre as signatárias do
contrato com a OEI, a Itaipu Binacional – empresa na qual Janja trabalhou até
se demitir para acompanhar os dias de cárcere de Lula em Curitiba – doou outros
R$ 15 milhões para o evento, perfazendo os R$ 83,45 milhões totais provenientes
das empresas estatais, entre outros apoiadores da reunião, como a prefeitura do
Rio, a Única, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Essa promiscuidade entre interesses privados
e interesse público, tão característica do petismo, já seria imoral ainda que a
entidade organizadora da cúpula do G-20 e seus eventos paralelos fosse
totalmente desvinculada do governo Lula da Silva e de Janja, em particular. Mas
não é o caso. O Estadão apurou que a primeira-dama é próxima da
direção da OEI, tendo, inclusive, recebido um convite para trabalhar na
organização no início de 2023, pouco após seu marido tomar posse como
presidente da República. Só a OEI recebeu R$ 5,4 milhões por seus serviços no
G-20.
Além de a fonte dos recursos ser
inapropriada, para dizer o mínimo, é o caso de questionar a absurda soma
envolvida. Por que a organização do G-20 Social e a do “Janjapalooza” custaram
tão caro aos contribuintes? Os documentos obtidos por este jornal revelam que
só o “Janjapalooza”, evento no qual os artistas se apresentaram por “cachês
simbólicos”, envolveu gastos de R$ 28,3 milhões. Outros R$ 27,2 milhões foram
orçados para o G-20 Social. Ou seja, os dois eventos paralelos à cúpula do
G-20, nos quais Janja teve atuação destacadíssima, custaram muito mais do que a
própria reunião de dezenas de chefes de Estado no Rio (R$ 13 milhões).
Sob o beneplácito do presidente da República,
Janja fez da cúpula do G-20, evento de importância estratégica para o Brasil,
uma vitrine para a promoção de interesses pessoais e partidários. Ademais, o
desvio de foco e a submissão das direções do BB, da Caixa, do BNDES, da
Petrobras e de Itaipu Binacional ao governo de turno expõem a renitente
fragilidade da gestão pública no País, que, ao que parece, se deixa degradar em
prol de uma agenda política particular.
O Brasil não merece a condenação perpétua ao
patrimonialismo que o aferra ao atraso. Merece um governo com responsabilidade
e compromisso com o bem comum, não com a defesa de projetos pessoais,
partidários ou ideológicos.
Pagando o preço da incúria
O Estado de S. Paulo
Investidor estrangeiro cobra caro para
comprar títulos brasileiros, reflexo da desconfiança
A emissão de títulos públicos no mercado
internacional é uma das maneiras que os países têm para se financiar, obtendo
recursos complementares à arrecadação tributária para custear obras de
infraestrutura, projetos sociais e de saúde e educação. Quanto menor o risco
representado por determinada economia ao investidor estrangeiro, menor a taxa
cobrada pelo empréstimo, como podem ser traduzidas essas captações.
Para o Brasil, os juros propostos pelos
investidores se aproximam de 8%, como destacou reportagem recente do Estadão,
que fez um paralelo entre a taxa de janeiro do ano passado, de 5,38% para
títulos de cinco anos, com a obtida no único leilão feito pelo Tesouro Nacional
este mês, de 7,72%. Se há um ano os juros para os papéis brasileiros já eram
altos, agora são exorbitantes, antevendo uma situação crítica que o governo
Lula da Silva, mirando fixamente as eleições presidenciais de 2026, teima em
não enxergar para 2025.
Os juros cobrados para os títulos brasileiros
estão hoje em patamar superior ao da recessão de 2015, no governo de Dilma
Rousseff, como destacou a reportagem. A desconfiança generalizada na política
fiscal brasileira e na capacidade do País de honrar suas dívidas num futuro
próximo faz os investidores cobrarem caro para assumir o risco. No cenário
atual, soa como piada a interpretação do governo, feita há apenas três meses,
de que o Brasil estaria a um passo de recobrar o grau de investimento, retirado
há dez anos, depois de sete anos de vigência.
Na ocasião, em outubro do ano passado, a
classificadora de risco Moody’s, mesmo ainda mantendo o grau especulativo,
havia elevado a nota do País diante da melhora no crescimento da economia e da
perspectiva de ajustes fiscais para reafirmar o compromisso com a estabilização
da dívida pública. Como se sabe, o pacote apresentado no mês seguinte frustrou
não apenas o mercado interno, mas também os investidores internacionais, o real
despencou ante o dólar, o capital estrangeiro debandou do Brasil e os juros para
os títulos brasileiros renovaram recordes.
Embora sem o mesmo estresse de dezembro,
quando o Tesouro Nacional chegou a suspender leilões de títulos em razão das
taxas excessivamente elevadas, o movimento ainda está em curso. A cotação do
dólar acima de R$ 6 já é aceita como padrão para 2025 e títulos com vencimento
mais longo já exibem juros acima de 15%, respondendo a uma economia cujo
crescimento do gasto público chegou a dois dígitos sem que as receitas
demonstrassem o mesmo ímpeto para equilibrar a equação.
Lula da Silva ainda poderia estancar a
sangria se focasse na redução de despesas ao invés de buscar fórmulas para
fazer o déficit primário caber na meta estipulada por seu próprio governo –
como a retirada do cálculo de despesas que ocorreram no mundo real, mas foram
ignoradas no cálculo do fantasioso universo lulopetista. É fato que a última
das quatro moratórias da dívida externa do Brasil ocorreu 43 anos atrás e que o
País conta hoje com um bom colchão de reservas cambiais. Mas, para o
investidor, o risco só estará afastado quando os fundamentos internos estiverem
sob controle.
O meio ambiente exige mobilização
Correio Braziliense
A COP 30 é a chance de o Brasil dar o exemplo
e deixar um legado na busca pela preservação e recuperação da natureza
O Brasil começa 2025 com a agenda repleta de
desafios. Diante de demandas internas urgentes e complexas em diversas áreas,
como na economia, o país terá, ainda, a responsabilidade de sediar a 30ª edição
da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30). O
evento de importância mundial ocorrerá em Belém, no Pará, entre 10 e 21 de
novembro. Apesar de toda a relevância, postos-chave para a articulação do
encontro estão indefinidos, o que não deixa de causar uma certa preocupação.
Após a COP 29, em Baku, no Azerbaijão, ano
passado, o Itamaraty, o Ministério do Meio Ambiente e a Casa Civil começaram a
trabalhar na construção da assembleia no Norte brasileiro. A cidade de Belém
também se movimenta para receber os participantes, e medidas como a ampliação
da capacidade hoteleira estão sendo tomadas. Mas existem muitos pontos a serem
articulados para assegurar o sucesso dos debates, que vão desde a
infraestrutura ideal até a preparação para a condução das discussões.
Depois da frustração com a COP 29, que não
resolveu totalmente as questões referentes ao financiamento climático, a
expectativa é grande sobre as decisões em Belém. Com isso, o Brasil precisará
apresentar uma atuação diplomática bastante eficiente para tentar reajustar o
fracasso do documento assinado, inclusive sob protestos, em Baku.
As lideranças locais da COP 30 —
especialmente o presidente, que media as conversas antes e durante o evento —
serão, portanto, fundamentais para dar as respostas esperadas. O próprio
presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou a ambição de que a edição sob seu
governo seja um marco para o meio ambiente. Para tanto, é preciso iniciar as
ações que busquem o alinhamento necessário. Como anfitrião, o Brasil tem de dar
a largada nesse processo.
A pauta é extensa e, além do tema envolvendo
dinheiro, o avanço no compromisso com a redução das emissões de gases poluentes
deve aparecer em destaque. As condições climáticas extremas, com cada vez mais
registros de ocorrências trágicas pelo mundo, aumentam o protagonismo da
conferência em território nacional. Detentor da maior biodiversidade do
planeta, a COP 30 é a chance de o Brasil dar o exemplo e deixar um legado na
busca pela preservação e recuperação da natureza.
A jornada de 2025 possui, sem dúvida, a
missão de ampliar significativamente os recursos para subsidiar o enfrentamento
das mudanças ambientais. Porém, não pode deixar de lado as desigualdades
sociais e o sofrimento que muitas populações enfrentam diante das consequências
da alteração do clima.
Incontáveis esforços precisam ser colocados em prática para mitigar os efeitos de desastres consumados e evitar que outros aconteçam. Somente baseado em alianças fortes um acordo à altura dos problemas pode ser firmado. Por isso, o país tem de assumir a tarefa de começar a mobilizar governos, setores privados e sociedade global em torno da COP 30. As articulações para o êxito dos debates não podem esperar muito, assim como os acordos que garantam o futuro global.
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