segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Segundo governo Trump exigirá equilíbrio do Brasil

O Globo

País deve buscar novos canais de comunicação, explorar interesses mútuos e reduzir potenciais danos

O segundo mandato de Donald Trump, que começa nesta segunda-feira, causa ansiedade. As promessas e ameaças feitas na campanha e depois da eleição, se cumpridas à risca, têm o potencial de causar mudanças radicais. Na economia, Trump falou na imposição de tarifas de importação a China e países aliados, como México e Canadá. O compromisso de deportar 15 milhões de imigrantes talvez seja de difícil execução, mas não há dúvida de que o número de pessoas expulsas dos Estados Unidos crescerá. Nas relações exteriores, na política fiscal, na administração da máquina pública, em diferentes esferas Trump promete uma revolução. Muitas mudanças terão repercussões globais por canais como o mercado financeiro. Temperamental e com apoio do Congresso, o novo presidente promete ser sinônimo de instabilidade.

Diante desse cenário, o governo brasileiro deve buscar canais de comunicação, explorar interesses comuns e trabalhar para diminuir impactos negativos. Alimentar preconceitos ideológicos só provocará ruído. A melhor estratégia será buscar a construção de pontes onde for possível. O Brasil é um dos maiores mercados externos para uma quantidade grande de empresas americanas, inclusive belicosas plataformas digitais. É do interesse comum que essas companhias sigam investindo na expansão dos negócios.

Na arena externa, o Brasil tem potencial de ser um interlocutor valioso em alguns fóruns. Na questão venezuelana, a participação brasileira pode ajudar a encontrar uma transição de poder negociada se a Casa Branca decidir elevar a pressão sobre Nicolás Maduro. Atualmente na presidência do Brics, o Brasil tem um papel relevante a cumprir para evitar que o bloco se torne uma aliança anti-Ocidental. A cúpula de chefes de Estado prevista para acontecer em julho no Rio será uma oportunidade de o país exercer uma liderança positiva e conciliadora.

A julgar pelos resultados da balança comercial do ano passado entre Brasil e Estados Unidos, não haverá motivos para a Casa Branca tarifar as exportações brasileiras. As trocas entre os dois países foram de quase US$ 81 bilhões, com um pequeno superávit para os americanos. Caso Trump decida ainda assim penalizar os produtos brasileiros (boa parte industrializados), haverá, a princípio, pouco espaço de manobra para os exportadores. Como diz o embaixador Regis Arslanian, parte do mercado de produtos manufaturados que o Brasil tinha na Argentina ficou com a China. Arslanian aposta, porém, no pragmatismo do americano.

Sendo Trump do jeito que é, não se pode descartar que pontos com potencial de entendimento entre Brasil e Estados Unidos acabem virando motivo de discórdia. Em outros temas, as chances de falta de cooperação são mais óbvias, como nas discussões sobre o aquecimento global. Organizador da Conferência do Clima (COP30), o Brasil precisa estar preparado para uma eventual ausência dos Estados Unidos. Se isso ocorrer, a missão não só do país anfitrião, como de todos os outros presentes será a construção de consensos para avançar a agenda ambiental. É possível ainda que Trump queira influenciar a disputa política e decisões judiciais no Brasil. Com equilíbrio e atenção para não cair em provocações, a Justiça tem a obrigação de seguir o ordenamento local, e o governo deve ter sempre o interesse nacional como bússola.

Assembleia legislativa do Mato Grosso erra ao incentivar desmatamento

O Globo

Deputados mudaram classificação de parte do estado de Amazônia para Cerrado. Governador deve reagir

Longe do radar dos grandes centros, muitas decisões tomadas em assembleias legislativas ajudam a destruir a Amazônia. Esse entendimento acaba de ser reforçado pela aprovação por deputados estaduais de Mato Grosso de um Projeto de Lei que vulnerabiliza mais de 9,6 milhões de hectares, quase 10% do estado, que é parte da Amazônia Legal. A manobra legislativa consistiu em deixar de classificar a área como da Amazônia para enquadrá-la no bioma do Cerrado.

Essa simples mudança faz com que as propriedades rurais deixem de ser obrigadas a manter uma reserva legal de 80% da área e possam preservar apenas 35%. A tramitação desse projeto na Assembleia Legislativa de Mato Grosso é uma aula de como é possível, junto aos estados, ampliar o desmatamento de regiões protegidas. Tudo começou com um inofensivo Projeto de Lei proposto pelo governo estadual para aprimorar a base de dados que o estado utiliza para executar sua política ambiental. A proposta visava a adotar no mapeamento das áreas a mesma escala utilizada pelo IBGE, mais precisa que a empregada atualmente.

O caráter técnico da proposta foi mantido pelo parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente da Casa, presidida pelo deputado Carlos Avallone (PSDB). Mas no plenário os parlamentares decidiram rediscutir, sem critério científico, a requalificação da vegetação nativa. Até que o deputado Nininho (PSD) apresentou um substitutivo ao projeto, com a mudança na designação dos biomas, aprovado por 15 votos favoráveis e 8 contrários.

Em nota, a Secretaria estadual de Meio Ambiente afirmou que “esclarecimentos devem ser solicitados ao Legislativo estadual, já que a proposta original não tem nada a ver com o texto aprovado”. A nota serve para marcar a posição da secretária Mauren Lazzaretti, favorável ao veto do projeto pelo governador Mauro Mendes (União). Mesmo que haja o veto, ele pode ser derrubado na Assembleia, onde a bancada da motosserra demonstra estar irredutível.

O estado, seguindo a tendência observada no país no ano passado, viu reduzir o desmatamento, que atingiu o mais baixo patamar desde 2013, de acordo com o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mesmo assim, foram desmatados 1.271km², ou 21,8% da área da Amazônia Legal, da qual também fazem parte Pará, Amazonas, Roraima, Acre, Amapá, Rondônia, Tocantins e Maranhão. Dados do Inpe mostram que, no ano passado, Mato Grosso só foi suplantado pelo Pará em focos de incêndio. Foram 50.551 (18,2% do total do país), ante 56.070 do Pará (20,1%). A diferença entre os dois estados não chega a ser muito grande, mesmo o Pará tendo território maior.

O sucesso da manobra feita por Nininho ajuda a entender melhor as estatísticas e a dimensionar a importância de forças políticas paroquiais na degradação da Amazônia. O governador deve vetar o projeto e buscar apoio para que sua decisão seja mantida.

FMI mostra riscos de intenções de Trump para economia global

Valor Econômico

Fundo adverte que países cujos esforços fiscais foram postergados ou insuficientes para estabilizar a dívida precisariam restaurar urgentemente a estabilidade fiscal “antes que seja tarde” e restabelecer escudos contra novos choques - caso óbvio do Brasil

As ações de Donald Trump, que toma posse hoje na Presidência dos Estados Unidos, determinarão com grande alcance as perspectivas de crescimento global. Os relatórios econômicos do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do BIS consideram os efeitos prováveis de medidas por ele desejadas, quase sempre sem mencioná-lo explicitamente. O mundo antes do segundo mandato de Trump, segundo o FMI, ainda apresenta resquícios de pressão inflacionária, crescimento menor, juros em declínio e alto endividamento dos governos. Em geral, o cenário é moderadamente otimista. Os riscos estão em grande parte concentrados em como os EUA conduzirão sua economia e política externa a partir de hoje.

A surpresa do Panorama Econômico do FMI divulgado na sexta foi o crescimento americano, elevado para 2,8% (mais 0,5 ponto). Os EUA são o motor principal da economia mundial, que deverá se expandir 3,2% este ano e 3,3% no próximo. Em contrapartida, há perda de fôlego evidente do crescimento na zona do euro (1%) e na China (4,6%). A economia global vai crescer abaixo da média 2010-2019, pré-pandemia, de 3,7%. O Brasil, 2,2% nos dois próximos anos.

Apesar de o FMI apontar que a inflação alta na sequência da pandemia, a maior em quatro décadas, está domada, ela, no entanto, teima em sujeitar-se às metas de inflação dos BCs. “Ainda que o núcleo da inflação de bens tenha se situado em linha com sua tendência histórica, ou abaixo dela, os preços dos serviços ainda estão acima do nível médio pré-covid em várias economias, em especial nos EUA”.

O FMI prevê crescimento menor no resto do mundo. Alerta que os juros terão de recuar muito na zona do euro, que mostra expansão anêmica, e podem testar o zero no futuro, enquanto a economia flerta com uma recessão, sem que os governos, pelo nível elevado de endividamento, possam recorrer à política fiscal como meio de relançamento. A China, segunda maior economia, preocupa por motivos distintos. Ela pode estar entrando em uma armadilha deflacionária (em dezembro, a inflação em 12 meses foi de 0,1% ao consumidor), com perda de fôlego gradativa da economia e da confiança dos consumidores. A debilidade da China e do bloco europeu tende a puxar o crescimento global para baixo.

A situação dos EUA é mais favorável, com um consumo forte que, no entanto, tolherá a rapidez com que as taxas de juros declinarão - o Fed não deverá se mover muito para baixá-las. Isso já está causando problemas para o resto do mundo e em especial para o Brasil, com o fortalecimento do dólar.

Donald Trump deverá piorar o cenário para todos, e para si próprio. Desde sua eleição em novembro, a moeda americana subiu 4% em relação às principais do mundo, em uma antecipação dos investidores ao que está por vir. No Brasil, a valorização foi de 23%, com impacto inflacionário a caminho.

O FMI não tem dúvidas de que o aumento de tarifas intencionado por Trump tem potencial de aumentar a inflação em um mundo que mal acabou de furar a grande onda do nível dos preços. Para o Fundo, a ameaça inflacionária agora é mais grave do que no passado recente de disputas comerciais. Primeiro, porque as expectativas de inflação estão mais distantes das metas em várias economias avançadas do que estavam entre 2017-2021. Depois, porque a posição cíclica de algumas das principais economias é mais propícia a uma elevação da inflação hoje do que era em 2016.

Uma política de estímulos fiscais e retranca tarifárias terá outros efeitos maléficos. Para o FMI, a apreciação do dólar alimenta riscos de fuga de capitais e eleva os prêmios de risco. Além disso, um dólar forte tem impacto estagflacionário, diz o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, ao elevar o preço das importações fora dos EUA e as expectativas de inflação, em especial nos países emergentes. O resultado pode ser mais grave nos emergentes, dada a maior passagem da valorização do dólar para os preços, que se adicionará ao menor crescimento chinês. Mais: as tarifas, ao encarecerem os insumos nos EUA, obrigarão o Fed a interromper a alta de juros ou até mesmo a retomá-la, apertando as condições financeiras no resto do mundo.

O Brasil já sentiu um pouco de tudo isso no último trimestre do ano e, com Trump, essas condições possivelmente permanecerão no cenário por um bom tempo. Gourinchas adverte que países cujos esforços fiscais foram postergados ou insuficientes para estabilizar a dívida precisariam restaurar urgentemente a estabilidade fiscal “antes que seja tarde” e restabelecer escudos contra novos choques - caso óbvio do Brasil. “As recentes tensões nos mercados financeiros no Brasil, como a reação ao miniorçamento do Reino Unido em setembro de 2022, sublinham como as condições de financiamento podem subitamente se deteriorar”, afirma.

À primeira-ministra britânica Liz Truss não foi dado o benefício da dúvida e ela presidiu o mais fugaz governo conservador da história recente do país. O governo Lula tem todas as condições para consertar o rumo de sua política fiscal em direção à austeridade. As condições externas estão se tornando cada vez mais hostis.

Principal promessa de Lula foi cumprida, mas não basta

Folha de S. Paulo

Governo restabeleceu convívio institucional; mas plataforma voltada ao umbigo petista gerou erros econômicos e políticos

Na extensa lista de promessas de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escrutinada em reportagem da Folha, chama a atenção que a principal delas seria mera platitude em outros tempos.

"Manter normalidade e respeito institucional - diálogo respeitoso com os Poderes", como consta do plano de governo, é o mínimo que se espera de qualquer autoridade pública em regime democrático —mas não foi o que se viu nos quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) no Planalto.

Para afastar os riscos de ruptura autoritária, líderes e eleitores de outras preferências escolheram Lula em 2022, viabilizando sua vitória por margem minúscula. Esse foi, portanto, o compromisso fundamental da atual administração. De menos normal, todavia, há hoje o ímpeto censório de Executivo e Judiciário contra as redes sociais.

Já nas demais 102 promessas elencadas era possível antever equívocos e fragilidades agora evidentes na metade do mandato. Em vez de responder a uma nova conjuntura política e econômica, a plataforma lulista priorizou reafirmar feitos, reais ou imaginários, e negar erros dos governos petistas do passado.

Na economia, calcanhar de Aquiles do partido desde o desastre sob Dilma Rousseff, destacavam-se intenções de retrocesso. Falava-se em rever as reformas previdenciária e trabalhista, duas das conquistas mais difíceis e importantes dos últimos anos, e a privatização da Eletrobras.

Felizmente, nada disso foi nem será cumprido, seja por falta de condições políticas, seja porque o próprio governo tem noção do desatino das bravatas vendidas à militância. Muito melhor foi ter apoiado a reforma tributária.

Lula cometeu seu erro capital, porém, ao "revogar teto de gastos e remodelar o regime fiscal brasileiro". Para substituir uma regra demonizada por ter o objetivo de sanar a ruína de Dilma, inventou-se um tal "arcabouço fiscal" que já se mostrou ineficaz para conter a dívida pública.

A disparada do gasto contribuiu para dois anos de crescimento econômico acima das expectativas, mas, a esta altura, a alta do dólar, da inflação e dos juros ameaça a segunda metade do governo —e tende a ofuscar as parcas realizações em outras áreas, como a redução do desmatamento e o programa de bolsas contra a evasão no ensino médio.

A plataforma voltada ao umbigo petista se reflete na formação do ministério, no qual praticamente todas as áreas importantes estão entregues ao partido e a seus aliados de esquerda. A fragilidade da coalizão partidária ajuda a explicar o descumprimento da promessa de dar fim à farra das emendas parlamentares, ainda necessária para a árdua negociação de projetos no Congresso.

Se Lula também pretende abandonar o compromisso de não disputar a reeleição, como parece, o tempo e as condições para apresentar em 2026 mais trunfos do que a normalidade democrática se estreitaram.

O motor chinês perdeu potência em 2024

Folha de S. Paulo

Alta do PIB foi inferior à de 2023 e não refletiu esperada alta do consumo; com Trump, situação do país tende a piorar

economia da China cresceu 5% em 2024 e cumpriu a meta fixada pela ditadura de Xi Jinping, que promete repetir a façanha neste ano. Mas não deixa de ser melancólica, até preocupante, a comemoração de Pequim de uma expansão em patamar modesto quando comparado ao pico de 14,2% registrado em 2007.

Conforme divulgação oficial na quarta (15), ficou abaixo da taxa de 2023, quando atingiu 5,2%.
No ano passado, a alta do Produto Interno Bruto chinês foi liderada pelo setor industrial, com avanço de 5,8%, e pelo superávit comercial de US$ 1 trilhão no ano —os mesmos motores do ritmo acelerado no início do século.

O consumo doméstico, assim como no passado, pouco contribuiu, ao crescer apenas 3,5%.

Teria sido ainda menos expressivo sem medidas adotadas pelo politburo, como a concessão de vastos subsídios para a compra de veículos, eletrodomésticos e outros bens duráveis, o pacote de US$ 1 trilhão para desafogar os governos locais e o aumento de salários dos servidores públicos.

Embora tenha havido maior dinamismo da economia no quarto trimestre, com expansão de 5,4%, nada indica que esse ritmo será mantido ao longo de 2025.

Mesmo o cumprimento da meta de crescimento de 5% deste ano soa improvável se o consumidor chinês —ainda ressabiado pela crise imobiliária, por alto desemprego entre os jovens, salários em queda e rombo fiscal dos governos locais— milagrosamente tomar a proa da atividade econômica.

A volta de Donald Trump à Casa Branca no dia 20 traz a promessa de tarifaço de 60% sobre bens chineses. Serão inevitáveis ações protecionistas da Europa e de outros países indispostos a absorver o excedente de exportações do gigante asiático.

Embora tal cenário seja semelhante ao enfrentado pela China no primeiro mandato de Trump, o país se encontra agora em situação muito mais vulnerável.

PIB de 2024 evidenciou a necessidade de medidas vigorosas para alavancar o consumo doméstico, mesmo sob o peso de aprofundar o déficit fiscal.

O ceticismo da população, que não percebeu diretamente a expansão do ano passado, continua. E surpreende o fato de o indicador do PIB ter sido desacreditado publicamente por economistas locais —alvos de imediata censura do governo.

A confirmar-se esse cálculo, uma China em expansão abaixo de 3% será problema ainda mais grave para o restante do mundo lidar do que apenas o fim de uma era de crescimento vultoso.

 Trump joga o mundo numa era de incerteza

O Estado de S. Paulo

A partir de hoje, a presidência dos EUA será ocupada por alguém absolutamente imprevisível, o que impõe literalmente a todo o mundo desafios poucas vezes vistos na história recente

Como lidar com uma pessoa que não só tem um temperamento instável, mas cultiva a imprevisibilidade como sua principal qualidade? A maioria das pessoas pode nunca encontrar alguém assim ou, se encontrar, pode se esquivar sem maiores consequências. Mas a partir de hoje, quando Donald Trump assume pela segunda vez a presidência dos EUA, o cargo mais poderoso do planeta, a questão se impõe literalmente a todo o mundo.

Tanto pior quando o próprio mundo vive sua maior instabilidade desde os anos 1930. As populações estão envelhecendo, algumas já diminuem. A Inteligência Artificial ameaça trabalhadores com a obsolescência. As sequelas econômicas da pandemia ainda se fazem sentir, e outra é provável nesta geração. O mundo esquenta literalmente a cada ano. A ordem unipolar pós-guerra fria acabou, mas está longe de ser suplantada por uma ordem multipolar. Por ora, só desordem. As instituições multilaterais estão em frangalhos. A guerra voltou à Europa. O Oriente Médio vive seu momento mais volátil em décadas, assim como a relação bilateral mais importante do mundo, entre EUA e China.

“Há uma certa imprevisibilidade sobre Trump que é ótima”, disse o próprio Trump, citando um empresário, na sua primeira campanha à presidência dos EUA. “Devemos enquanto nação ser mais imprevisíveis”, disse pouco depois.

Mas há dois traços inabaláveis e onipresentes em toda a vida privada e pública do 47.º presidente americano. Um é constitutivo: Trump é um narcisista. O outro é constituído: Trump é um homem de negócios. Combinados, conferem alguma previsibilidade. Já se sabe que, internamente, Trump será implacável com seus adversários e com os imigrantes, e externamente pretende erguer barreiras protecionistas e pressionar governos, mesmo de antigos aliados, para arrancar concessões aos EUA.

Os EUA mantêm fundamentos democráticos e econômicos robustos, mas eles serão testados por Trump. O eleitorado concedeu ao republicano maioria nas duas Casas do Congresso, e ele já dispunha de maioria conservadora na Suprema Corte. Para o mandato que se inicia hoje, forrou seu gabinete com “guerreiros culturais” para se vingar dos democratas, da imprensa e de quem mais se interpuser em seu caminho. Mas isso é um problema sobretudo dos americanos.

Para o resto do mundo, porém, anuncia-se um tempo sombrio, em que a ordem internacional constituída após a guerra fria sob a liderança americana, marcada principalmente pela globalização, simplesmente se desfez, sem que se saiba muito bem o que entrará no lugar. Trump já deixou claro que não tem aliados, apenas interesses, e que pode abandonar ou até mesmo agredir alguns dos mais tradicionais amigos dos EUA se achar necessário. Num mundo assim, em que a maior potência ocidental é dirigida por um presidente orgulhosamente errático, nada é garantido.

Os instintos de Trump deteriorarão as arquiteturas multilaterais, que serão substituídas por um grande balcão de negócios. Isso não significa necessariamente que Ucrânia, Taiwan, Europa e outros aliados serão abandonados. É tudo uma questão do que têm a oferecer. Mas, quando alianças são sustentadas só na base do toma lá da cá, e não em valores compartilhados, a tendência é de enfraquecimento e desconfiança. Rússia e China sonham em desgastar esses laços, e Trump fará o trabalho para elas. De resto, ambas oferecerão suas barganhas, o que pode significar o abandono de aliados.

Nem por isso as tensões com a China diminuirão. Provavelmente aumentarão. Mas não por uma disputa por princípios, e sim por vantagens materiais. O robustecimento da mãe de todas as guerras comerciais vai acelerar a pulverização econômica e geopolítica, o que dificultará resoluções de conflitos e a recuperação econômica global.

Dentre todas as incertezas, é certo que o governo Trump envenenará as relações internacionais, recriando o cenário descrito por Tucídides na guerra fratricida que dilacerou a Grécia antiga: “Os fortes fazem o que podem, os fracos sofrem o que devem”. Se isso soa cínico, não culpe o mensageiro, mas o homem mais poderoso do mundo.

O show de Janja custa caro

O Estado de S. Paulo

Eventos paralelos à cúpula do G-20, no Rio, nos quais a primeira-dama teve participação destacada, custaram muito mais do que a própria reunião entre chefes de Estado

A despeito de sua importância para a projeção internacional do Brasil e para chamar a atenção das nações mais desenvolvidas do mundo para os objetivos globais defendidos pelo governo, a realização da cúpula do G-20 no Rio, em novembro do ano passado, serviu a um propósito mais prosaico no âmbito doméstico. Mais uma vez, restou comprovada a visão patrimonialista que os petistas têm das empresas estatais. Para o presidente Lula da Silva, a primeira-dama Rosângela Silva, conhecida como Janja, e outros próceres do PT, as estatais existem para atender aos interesses políticos do governo, e não aos interesses estratégicos do País.

Isso ficou evidente com a revelação, feita por este jornal, do modelo de financiamento do evento. Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Estadão obteve a íntegra do contrato de cooperação firmado entre o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal (Caixa), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petrobras com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), entidade responsável pela organização da reunião no Brasil.

De acordo com o documento, as estatais doaram nada menos que R$ 83,45 milhões para a realização da cúpula do G-20 propriamente dita, para o G-20 Social e para o festival de música Ação Global Contra a Fome e a Pobreza, que logo ganhou o apelido de “Janjapalooza” – uma brincadeira com o nome do festival de música Lollapalooza que ironiza o grau de envolvimento da primeira-dama em uma festa que, antes de qualquer coisa, tinha o nítido propósito de promovê-la.

Pelos termos do acordo, cada uma daquelas estatais ficou responsável por doar até R$ 18,5 milhões para cobrir as despesas da organização do G-20, do G-20 Social e do “Janjapalooza”. Só a Petrobras informou que contribuiu “apenas”, digamos assim, com R$ 12,95 milhões.

Embora não esteja entre as signatárias do contrato com a OEI, a Itaipu Binacional – empresa na qual Janja trabalhou até se demitir para acompanhar os dias de cárcere de Lula em Curitiba – doou outros R$ 15 milhões para o evento, perfazendo os R$ 83,45 milhões totais provenientes das empresas estatais, entre outros apoiadores da reunião, como a prefeitura do Rio, a Única, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Essa promiscuidade entre interesses privados e interesse público, tão característica do petismo, já seria imoral ainda que a entidade organizadora da cúpula do G-20 e seus eventos paralelos fosse totalmente desvinculada do governo Lula da Silva e de Janja, em particular. Mas não é o caso. O Estadão apurou que a primeira-dama é próxima da direção da OEI, tendo, inclusive, recebido um convite para trabalhar na organização no início de 2023, pouco após seu marido tomar posse como presidente da República. Só a OEI recebeu R$ 5,4 milhões por seus serviços no G-20.

Além de a fonte dos recursos ser inapropriada, para dizer o mínimo, é o caso de questionar a absurda soma envolvida. Por que a organização do G-20 Social e a do “Janjapalooza” custaram tão caro aos contribuintes? Os documentos obtidos por este jornal revelam que só o “Janjapalooza”, evento no qual os artistas se apresentaram por “cachês simbólicos”, envolveu gastos de R$ 28,3 milhões. Outros R$ 27,2 milhões foram orçados para o G-20 Social. Ou seja, os dois eventos paralelos à cúpula do G-20, nos quais Janja teve atuação destacadíssima, custaram muito mais do que a própria reunião de dezenas de chefes de Estado no Rio (R$ 13 milhões).

Sob o beneplácito do presidente da República, Janja fez da cúpula do G-20, evento de importância estratégica para o Brasil, uma vitrine para a promoção de interesses pessoais e partidários. Ademais, o desvio de foco e a submissão das direções do BB, da Caixa, do BNDES, da Petrobras e de Itaipu Binacional ao governo de turno expõem a renitente fragilidade da gestão pública no País, que, ao que parece, se deixa degradar em prol de uma agenda política particular.

O Brasil não merece a condenação perpétua ao patrimonialismo que o aferra ao atraso. Merece um governo com responsabilidade e compromisso com o bem comum, não com a defesa de projetos pessoais, partidários ou ideológicos.

Pagando o preço da incúria

O Estado de S. Paulo

Investidor estrangeiro cobra caro para comprar títulos brasileiros, reflexo da desconfiança

A emissão de títulos públicos no mercado internacional é uma das maneiras que os países têm para se financiar, obtendo recursos complementares à arrecadação tributária para custear obras de infraestrutura, projetos sociais e de saúde e educação. Quanto menor o risco representado por determinada economia ao investidor estrangeiro, menor a taxa cobrada pelo empréstimo, como podem ser traduzidas essas captações.

Para o Brasil, os juros propostos pelos investidores se aproximam de 8%, como destacou reportagem recente do Estadão, que fez um paralelo entre a taxa de janeiro do ano passado, de 5,38% para títulos de cinco anos, com a obtida no único leilão feito pelo Tesouro Nacional este mês, de 7,72%. Se há um ano os juros para os papéis brasileiros já eram altos, agora são exorbitantes, antevendo uma situação crítica que o governo Lula da Silva, mirando fixamente as eleições presidenciais de 2026, teima em não enxergar para 2025.

Os juros cobrados para os títulos brasileiros estão hoje em patamar superior ao da recessão de 2015, no governo de Dilma Rousseff, como destacou a reportagem. A desconfiança generalizada na política fiscal brasileira e na capacidade do País de honrar suas dívidas num futuro próximo faz os investidores cobrarem caro para assumir o risco. No cenário atual, soa como piada a interpretação do governo, feita há apenas três meses, de que o Brasil estaria a um passo de recobrar o grau de investimento, retirado há dez anos, depois de sete anos de vigência.

Na ocasião, em outubro do ano passado, a classificadora de risco Moody’s, mesmo ainda mantendo o grau especulativo, havia elevado a nota do País diante da melhora no crescimento da economia e da perspectiva de ajustes fiscais para reafirmar o compromisso com a estabilização da dívida pública. Como se sabe, o pacote apresentado no mês seguinte frustrou não apenas o mercado interno, mas também os investidores internacionais, o real despencou ante o dólar, o capital estrangeiro debandou do Brasil e os juros para os títulos brasileiros renovaram recordes.

Embora sem o mesmo estresse de dezembro, quando o Tesouro Nacional chegou a suspender leilões de títulos em razão das taxas excessivamente elevadas, o movimento ainda está em curso. A cotação do dólar acima de R$ 6 já é aceita como padrão para 2025 e títulos com vencimento mais longo já exibem juros acima de 15%, respondendo a uma economia cujo crescimento do gasto público chegou a dois dígitos sem que as receitas demonstrassem o mesmo ímpeto para equilibrar a equação.

Lula da Silva ainda poderia estancar a sangria se focasse na redução de despesas ao invés de buscar fórmulas para fazer o déficit primário caber na meta estipulada por seu próprio governo – como a retirada do cálculo de despesas que ocorreram no mundo real, mas foram ignoradas no cálculo do fantasioso universo lulopetista. É fato que a última das quatro moratórias da dívida externa do Brasil ocorreu 43 anos atrás e que o País conta hoje com um bom colchão de reservas cambiais. Mas, para o investidor, o risco só estará afastado quando os fundamentos internos estiverem sob controle.

O meio ambiente exige mobilização

Correio Braziliense

A COP 30 é a chance de o Brasil dar o exemplo e deixar um legado na busca pela preservação e recuperação da natureza

O Brasil começa 2025 com a agenda repleta de desafios. Diante de demandas internas urgentes e complexas em diversas áreas, como na economia, o país terá, ainda, a responsabilidade de sediar a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30). O evento de importância mundial ocorrerá em Belém, no Pará, entre 10 e 21 de novembro. Apesar de toda a relevância, postos-chave para a articulação do encontro estão indefinidos, o que não deixa de causar uma certa preocupação.

Após a COP 29, em Baku, no Azerbaijão, ano passado, o Itamaraty, o Ministério do Meio Ambiente e a Casa Civil começaram a trabalhar na construção da assembleia no Norte brasileiro. A cidade de Belém também se movimenta para receber os participantes, e medidas como a ampliação da capacidade hoteleira estão sendo tomadas. Mas existem muitos pontos a serem articulados para assegurar o sucesso dos debates, que vão desde a infraestrutura ideal até a preparação para a condução das discussões.

Depois da frustração com a COP 29, que não resolveu totalmente as questões referentes ao financiamento climático, a expectativa é grande sobre as decisões em Belém. Com isso, o Brasil precisará apresentar uma atuação diplomática bastante eficiente para tentar reajustar o fracasso do documento assinado, inclusive sob protestos, em Baku.

As lideranças locais da COP 30 — especialmente o presidente, que media as conversas antes e durante o evento — serão, portanto, fundamentais para dar as respostas esperadas. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou a ambição de que a edição sob seu governo seja um marco para o meio ambiente. Para tanto, é preciso iniciar as ações que busquem o alinhamento necessário. Como anfitrião, o Brasil tem de dar a largada nesse processo.

A pauta é extensa e, além do tema envolvendo dinheiro, o avanço no compromisso com a redução das emissões de gases poluentes deve aparecer em destaque. As condições climáticas extremas, com cada vez mais registros de ocorrências trágicas pelo mundo, aumentam o protagonismo da conferência em território nacional. Detentor da maior biodiversidade do planeta, a COP 30 é a chance de o Brasil dar o exemplo e deixar um legado na busca pela preservação e recuperação da natureza.

A jornada de 2025 possui, sem dúvida, a missão de ampliar significativamente os recursos para subsidiar o enfrentamento das mudanças ambientais. Porém, não pode deixar de lado as desigualdades sociais e o sofrimento que muitas populações enfrentam diante das consequências da alteração do clima.

Incontáveis esforços precisam ser colocados em prática para mitigar os efeitos de desastres consumados e evitar que outros aconteçam. Somente baseado em alianças fortes um acordo à altura dos problemas pode ser firmado. Por isso, o país tem de assumir a tarefa de começar a mobilizar governos, setores privados e sociedade global em torno da COP 30. As articulações para o êxito dos debates não podem esperar muito, assim como os acordos que garantam o futuro global.


Nenhum comentário: