Valor Econômico
As guerras comerciais poderão ser bem mais
graves e mais custosas, no novo cenário geopolítico
Donald Trump retorna hoje à Casa Branca
aumentando a incerteza em tempos já conturbados, crescimento econômico mundial
lento, persistentes pressões inflacionárias, tensões geopolíticas, conflitos e
guerras, mudanças climáticas e mudanças tecnológicas rápidas centradas na
Inteligência Artificial e em outras tecnologias de ponta emergentes.
Com Trump 2.0, as guerras comerciais poderão
ser bem mais graves, a se julgar pelo que ele ameaça implementar a partir desta
semana, como o choque de tarifas – ele mencionou várias vezes alta de 10% a 20%
sobre os produtos de todos os países, e de até 60% especificamente sobre
produtos chineses.
O protecionismo de Trump é justificado por sua equipe para ao mesmo tempo ‘punir’ a China por políticas desleais e conter a expansão chinesa, reequilibrar a balança comercial, reindustrializar o país, reforçar a segurança nacional, financiar parte da prometida redução do imposto sobre o lucro das empresas, sem esquecer eventuais sanções sobre países que abandonarem o dolar como moeda de transações internacionais - como membros do Brics, grupo liderado pelo Brasil em 2025.
Scott Bessent, indicado para secretário do
Tesouro, deixou claro no Congresso americano, na semana passada, que as tarifas
poderão ser usadas como ferramentas de negociação por Washington, às vezes para
objetivos não comerciais, segundo ele.
Para a especialista Charlotte Emlinger, do
Cepii, principal centro francês de pesquisa em economia mundial, num cenário
geopolítico incerto ‘existem fortes tensões e o comércio é utilizado como um
meio de fazer a guerra de outra maneira’’.
O Cepii calcula que o cenário base nos EUA de
aumento de tarifas de 10% para os produtos provenientes de todos os países e de
60% sobre as importações originárias da Chjina fará um estrago severo,
incluindo a retaliação dos parceiros.
O impacto dessa guerra comercial seria uma
diminuição de 0,5% do PIB mundial e uma contração do comércio mundial em volume
de 3,3%, anulando a taxa de crescimento que a Organização Mundial do Comércio
(OMC) prevê para exportações e importações em 2025.
Essa desaceleração mundial virá da baixa do
comércio entre os países, com efeitos particularmente fortes sobre justamente
os EUA e a China, as duas maiores economias do mundo. Os chineses, confrontados
a um muro contra suas exportações para os EUA, buscarão redirecionar seu
excesso de capacidade para outros mercados. Basta ver que o Brasil foi o país
para o qual a China mais aumentou as exportações em 2024, com alta de 22% em
relação a 2023, numa indicação da pressão que pode vir sobre a indústria nacional.
Em 2030, essa guerra comercial poderia
ampliar o deficit de vários países com a China, incluindo União Europeia,
México e outros. No caso do Brasil, é o enorme superavit brasileiro que tende a
diminuir nesse cenário.
O choque tarifário de Trump daria um fôlego
no caminho da reindustrialização dos EUA, com aumento da produção industrial de
2,2% em volume, mas ao preço de queda de especialização de certos setores onde
tem tradicionalmente vantagem comparativa, como na agricultura (-2,5%). Em
consequência, haveria uma perda de 1,3% do PIB, a exemplo do estrago estimado
para a China.
O México e o Canadá, inicialmente citados
como ganhadores nesse cenário, na verdade vão perder também. Pelos planos
mencionados por Trump, haverá limitações no ‘friendshoring’, a estratégia de
comercializar mais com aliados especialmente próximos.
Economistas citados pelo jornal Wall Street
Journal prevêem alta da inflação e dos juros para os próximos dois anos com os
planos de Trump de mais tarifas, corte de imposto e restrição à imigração. Em
um ano, a fatura para as famílias americanas aumentaria US$ 600.
Na mesma linha, o Deutsche Bank avalia que a
mistura de alta tarifária, modesto corte de impostos e desregulação pela nova
administração em Washington será positiva para o crescimento em 2025, mas reduz
a expansão em 2026. Prevê que a inflação aumenta para 2,6% em 2025 ( de 2,3%) e
2,7% em 2026.
O Ifo Instituto, em Munique, fez pesquisa que
mostra uma preocupação generalizada de especialistas econômicos, especialmente
nos países industrializados ocidentais, de que Donald Trump prejudique a
economia. Já na África, na América Latina e na Ásia, os especialistas não
esperam efeitos negativos maiores sobre o crescimento econômico de seus países.
De seu lado, o Kiel Instituto para Economia
Mundial, também na Alemanha, calcula que se o política comercial trumpista
conduzir a desmantelar ainda mais a OMC e seu sistema de regras comuns, o
prejuízo será maior para a União Europeia. A perda do PIB com uma deterioração
da OMC e fragmentação excederá os estragos de uma disputa bilateral com os EUA,
com efeito entre 2 e 4 vezes maior para a UE e a Alemanha.
Se o mundo se fragmentar mais em blocos
geopolíticos liderados pelos EUA e pela China, as perdas seriam
significativamente maiores para a UE e ainda mais para a China, pelas
estimativas da instituição alemã. Poderiam reduzir o PIB real da China em cerca
de 6% e o da Alemanha em 3,2% no curto prazo, enquanto os EUA seriam menos
afetados (-2,2%).
Para Kiel Instituto, é provável que o governo
Trump venha a exigir mais apoio europeu para conter a China em troca de ajuda
militar contínua na Ucrânia ou, de forma mais ampla, para manter sua forte
presença na UE por meio da OTAN.
Avalia que do ponto de vista econômico, a UE
tem muito mais a perder com restrições adicionais na relação transatlântica do
que com uma dissociação mais intensa da China. Portanto, embora a UE prefira
manter seu relacionamento com a China, se pressionada, poderá ter que ficar do
lado dos EUA.
Acha que, para preservar a resiliência
econômica, a UE deve acelerar os esforços de diversificação na Ásia e em outras
regiões, o que lhe permitirá manter um relacionamento equilibrado com a China
e, ao mesmo tempo, se proteger contra possíveis pressões dos EUA.
A já combalida OMC enfrenta enorme desafios.
O presidente francês Emmanuel Macron recentemente reclamou que ‘no momento que
as regras da OMC não estão sendo mais respeitadas pela China e nem pelos EUA,
nós (União Europeia) continuarmos a (respeitá-las) sozinhos não funciona’’.
Em meio ao risco Trump, a direção da OMC
insiste pelo menos oficialmente que a relevância da entidade permanece
inalterada. Ralph Ossa, o economista-chefe, argumenta que mais de 75% do
comércio mundial continua sendo realizado diretamente sob as regras da OMC,
pelo princípio da nação mais favorecida (não discriminação entre os parceiros).
Para ele, ganhar um pouco mais de exportações por causa de conflito entre os
Estados Unidos e a China pode ajudar um país no curto prazo, mas não no longo.
A diretora-geral, Ngozi Okonjo-Iweala, tem
afirmado que em momentos de incerteza global como agora ‘não é incomum ver o
medo, o aumento do nacionalismo e do protecionismo, bem como o questionamento
das estruturas e instituições que há muito tempo prezamos, porque elas podem
não estar fornecendo respostas rápidas, adequadas ou com a eficiência e a
eficácia necessárias para lidar com os desafios da época’.
Observou que ‘o multilateralismo e as
instituições multilaterais estão sendo questionados hoje porque não são vistos
como adequados ao propósito de lidar com as questões emergentes do século XXI.
Foi justamente para evitar a repetição de tais circunstâncias que as
instituições econômicas multilaterais foram criadas. Minha preocupação hoje é
que tenhamos esquecido essa lição, que tenhamos esquecido o bem que essas
instituições fizeram’.
Para o comércio ‘os tempos não são apenas
conturbados, são tensos’, acrescentou Ngozi.’ Às vezes, o comércio é
responsabilizado e apontado como bode expiatório por resultados ruins que, na
verdade, derivam de políticas macroeconômicas, tecnológicas ou sociais, pelas
quais o comércio não é responsável’.
Acrescentou Ngozi: ‘Espero que não estejamos
em um caminho que nos leve de volta ao tipo de desordem econômica que ocorreu
antes de Bretton Woods - desordem que foi seguida por extremismo político e
guerra’.
Uma prioridade para o Brasil e outros países deve ser a defesa da ordem comercial mundial, num cenário ainda mais perigoso agora.
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