segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

O preço do protecionismo de Donald Trump - Assis Moreira

Valor Econômico

As guerras comerciais poderão ser bem mais graves e mais custosas, no novo cenário geopolítico

Donald Trump retorna hoje à Casa Branca aumentando a incerteza em tempos já conturbados, crescimento econômico mundial lento, persistentes pressões inflacionárias, tensões geopolíticas, conflitos e guerras, mudanças climáticas e mudanças tecnológicas rápidas centradas na Inteligência Artificial e em outras tecnologias de ponta emergentes.

Com Trump 2.0, as guerras comerciais poderão ser bem mais graves, a se julgar pelo que ele ameaça implementar a partir desta semana, como o choque de tarifas – ele mencionou várias vezes alta de 10% a 20% sobre os produtos de todos os países, e de até 60% especificamente sobre produtos chineses.

O protecionismo de Trump é justificado por sua equipe para ao mesmo tempo ‘punir’ a China por políticas desleais e conter a expansão chinesa, reequilibrar a balança comercial, reindustrializar o país, reforçar a segurança nacional, financiar parte da prometida redução do imposto sobre o lucro das empresas, sem esquecer eventuais sanções sobre países que abandonarem o dolar como moeda de transações internacionais - como membros do Brics, grupo liderado pelo Brasil em 2025.

Scott Bessent, indicado para secretário do Tesouro, deixou claro no Congresso americano, na semana passada, que as tarifas poderão ser usadas como ferramentas de negociação por Washington, às vezes para objetivos não comerciais, segundo ele.

Para a especialista Charlotte Emlinger, do Cepii, principal centro francês de pesquisa em economia mundial, num cenário geopolítico incerto ‘existem fortes tensões e o comércio é utilizado como um meio de fazer a guerra de outra maneira’’.

O Cepii calcula que o cenário base nos EUA de aumento de tarifas de 10% para os produtos provenientes de todos os países e de 60% sobre as importações originárias da Chjina fará um estrago severo, incluindo a retaliação dos parceiros.

O impacto dessa guerra comercial seria uma diminuição de 0,5% do PIB mundial e uma contração do comércio mundial em volume de 3,3%, anulando a taxa de crescimento que a Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê para exportações e importações em 2025.

Essa desaceleração mundial virá da baixa do comércio entre os países, com efeitos particularmente fortes sobre justamente os EUA e a China, as duas maiores economias do mundo. Os chineses, confrontados a um muro contra suas exportações para os EUA, buscarão redirecionar seu excesso de capacidade para outros mercados. Basta ver que o Brasil foi o país para o qual a China mais aumentou as exportações em 2024, com alta de 22% em relação a 2023, numa indicação da pressão que pode vir sobre a indústria nacional.

Em 2030, essa guerra comercial poderia ampliar o deficit de vários países com a China, incluindo União Europeia, México e outros. No caso do Brasil, é o enorme superavit brasileiro que tende a diminuir nesse cenário.

O choque tarifário de Trump daria um fôlego no caminho da reindustrialização dos EUA, com aumento da produção industrial de 2,2% em volume, mas ao preço de queda de especialização de certos setores onde tem tradicionalmente vantagem comparativa, como na agricultura (-2,5%). Em consequência, haveria uma perda de 1,3% do PIB, a exemplo do estrago estimado para a China.

O México e o Canadá, inicialmente citados como ganhadores nesse cenário, na verdade vão perder também. Pelos planos mencionados por Trump, haverá limitações no ‘friendshoring’, a estratégia de comercializar mais com aliados especialmente próximos.

Economistas citados pelo jornal Wall Street Journal prevêem alta da inflação e dos juros para os próximos dois anos com os planos de Trump de mais tarifas, corte de imposto e restrição à imigração. Em um ano, a fatura para as famílias americanas aumentaria US$ 600.

Na mesma linha, o Deutsche Bank avalia que a mistura de alta tarifária, modesto corte de impostos e desregulação pela nova administração em Washington será positiva para o crescimento em 2025, mas reduz a expansão em 2026. Prevê que a inflação aumenta para 2,6% em 2025 ( de 2,3%) e 2,7% em 2026.

O Ifo Instituto, em Munique, fez pesquisa que mostra uma preocupação generalizada de especialistas econômicos, especialmente nos países industrializados ocidentais, de que Donald Trump prejudique a economia. Já na África, na América Latina e na Ásia, os especialistas não esperam efeitos negativos maiores sobre o crescimento econômico de seus países.

De seu lado, o Kiel Instituto para Economia Mundial, também na Alemanha, calcula que se o política comercial trumpista conduzir a desmantelar ainda mais a OMC e seu sistema de regras comuns, o prejuízo será maior para a União Europeia. A perda do PIB com uma deterioração da OMC e fragmentação excederá os estragos de uma disputa bilateral com os EUA, com efeito entre 2 e 4 vezes maior para a UE e a Alemanha.

Se o mundo se fragmentar mais em blocos geopolíticos liderados pelos EUA e pela China, as perdas seriam significativamente maiores para a UE e ainda mais para a China, pelas estimativas da instituição alemã. Poderiam reduzir o PIB real da China em cerca de 6% e o da Alemanha em 3,2% no curto prazo, enquanto os EUA seriam menos afetados (-2,2%).

Para Kiel Instituto, é provável que o governo Trump venha a exigir mais apoio europeu para conter a China em troca de ajuda militar contínua na Ucrânia ou, de forma mais ampla, para manter sua forte presença na UE por meio da OTAN.

Avalia que do ponto de vista econômico, a UE tem muito mais a perder com restrições adicionais na relação transatlântica do que com uma dissociação mais intensa da China. Portanto, embora a UE prefira manter seu relacionamento com a China, se pressionada, poderá ter que ficar do lado dos EUA.

Acha que, para preservar a resiliência econômica, a UE deve acelerar os esforços de diversificação na Ásia e em outras regiões, o que lhe permitirá manter um relacionamento equilibrado com a China e, ao mesmo tempo, se proteger contra possíveis pressões dos EUA.

A já combalida OMC enfrenta enorme desafios. O presidente francês Emmanuel Macron recentemente reclamou que ‘no momento que as regras da OMC não estão sendo mais respeitadas pela China e nem pelos EUA, nós (União Europeia) continuarmos a (respeitá-las) sozinhos não funciona’’.

Em meio ao risco Trump, a direção da OMC insiste pelo menos oficialmente que a relevância da entidade permanece inalterada. Ralph Ossa, o economista-chefe, argumenta que mais de 75% do comércio mundial continua sendo realizado diretamente sob as regras da OMC, pelo princípio da nação mais favorecida (não discriminação entre os parceiros). Para ele, ganhar um pouco mais de exportações por causa de conflito entre os Estados Unidos e a China pode ajudar um país no curto prazo, mas não no longo.

A diretora-geral, Ngozi Okonjo-Iweala, tem afirmado que em momentos de incerteza global como agora ‘não é incomum ver o medo, o aumento do nacionalismo e do protecionismo, bem como o questionamento das estruturas e instituições que há muito tempo prezamos, porque elas podem não estar fornecendo respostas rápidas, adequadas ou com a eficiência e a eficácia necessárias para lidar com os desafios da época’.

Observou que ‘o multilateralismo e as instituições multilaterais estão sendo questionados hoje porque não são vistos como adequados ao propósito de lidar com as questões emergentes do século XXI. Foi justamente para evitar a repetição de tais circunstâncias que as instituições econômicas multilaterais foram criadas. Minha preocupação hoje é que tenhamos esquecido essa lição, que tenhamos esquecido o bem que essas instituições fizeram’.

Para o comércio ‘os tempos não são apenas conturbados, são tensos’, acrescentou Ngozi.’ Às vezes, o comércio é responsabilizado e apontado como bode expiatório por resultados ruins que, na verdade, derivam de políticas macroeconômicas, tecnológicas ou sociais, pelas quais o comércio não é responsável’.

Acrescentou Ngozi: ‘Espero que não estejamos em um caminho que nos leve de volta ao tipo de desordem econômica que ocorreu antes de Bretton Woods - desordem que foi seguida por extremismo político e guerra’.

Uma prioridade para o Brasil e outros países deve ser a defesa da ordem comercial mundial, num cenário ainda mais perigoso agora.

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